E. Almeida Souto, Sua alteza real o príncipe D. Miguel, hóspede de Angeja, Vol. VI, pp. 59-64.

 

SUA ALTEZA REAL

O PRÍNCIPE D. MIGUEL,

HÓSPEDES DE ANGEJA

No Outono de 1825 um acontecimento da maior transcendência social veio alterar o pacato viver dos habitantes da antiga vila de Angeja.

Um desusado movimento se notava, prenúncio de extraordinário acontecimento. Convergiram para essa localidade as pessoas mais categorizadas do Distrito, autoridades judiciais, civis, administrativas e eclesiásticas, estas precedidas pelo Bispo diocesano de Aveiro, D. Manuel Pacheco de Resende.

Brasão da Vila de Angeja

De longe chegavam representações de tudo o que significava vitalidade da Nação.

Angeja era pequena para, dentro dos seus limites, acolher estas representativas individualidades.

De pesada. berlinda, chegada dos lados de Albergaria-a-Velha, apeou-se essa esbelta figura do príncipe D. Miguel de Bragança, que a célebre tela de GIOVANNI ENDER, existente em Queluz, nos mostra, patenteando na sua flagrante verdade a imagem de um dos príncipes / 60 / mais irrequietos que a história pátria regista e que, pela sua irradiante simpatia, levou às maiores dedicações e sacrifícios aqueles dos seus partidários que, mais tarde, na defesa da sua causa, deram o próprio sangue.

Trazia-o a Angeja a grande amizade que dedicou a D. João de Noronha e Camões de Albuquerque Sousa Moniz, sexto Marquês de Angeja e Conde de Vila Verde, que o ia receber no seu Paço durante três dias.

Era o Marquês de Angeja seu íntimo companheiro, tanto nas diversões venatórias, picarias e touros, como nos folguedos que o seu irrequietismo requeria.

No Paço dos Marqueses deu o príncipe audiência, depois de um solene Te-Deum na igreja matriz. Pela sua frente passaram, além das individualidades oficiais, os possuidores dos apelidos mais ilustres e distintos da região, muitos dos quais, na guerra civil, foram seus dedicados partidários e soldados valorosos.

Brasão dos Marqueses de Angeja

Quem do Príncipe se aproximava, ficava cativo da sua aliciante simpatia e fino trato, e a sua visita a Angeja criou muitos adeptos para a sua causa.

Cabe aqui citar alguns desses nomes que ao miguelismo deram o melhor do seu esforço: Dr. Luís Cândido de Figueiredo Oudinot e Gouveia; Luís António de Figueiredo, Morgado de Mouronho; Dr. Manuel Rodrigues Simões, o Dr. Vigairinho, íntimo amigo de José Estêvão, apesar de militarem em campos políticos opostos; Dr. Joaquim Pedro Dias Santiago; Padre José dos Santos Silva, o Parracho; Padre Dr. Jerónimo José Sanhudo; Dr. José Fortunato Freire Temudo, advogado distinto; Pedro António Marques; Frei Félix de Cantalino Freire Temudo; Dr. António Maria da Silveira Freire Temudo; José Ferreira Souto, o alferes da Barca; António dos Santos Lapa; António Simões Cravo, porta-bandeira do exército realista; Padre Baltasar da Câmara Magalhães; Bernardo Xavier Barbosa de Magalhães, capitão do batalhão de voluntários realistas de Aveiro; Diogo de Alpoim Rangel Mascarenhas e Quadros, e seus irmãos José Maria e / 61 / Francisco; José Maria Branco de Melo, coronel de milícias e morgado de Vagos; António Máximo Branco de Melo, tenente-coronel de milícias; José Marques de Oliveira; Dr. Luís Rodrigues de Melo, cirurgião-mor do regimento de milícias de Aveiro; Pedro de Sousa Brandão e Albuquerque Bacelar da Gama, fidalgo da Casa Real; Dr. Joaquim Soares Ferreira; Francisco Manuel Couceiro da Costa, morgado de Vilarinho; Francisco de Sousa Maia, que foi brigadeiro do exército realista; / 62 / José Pinheiro Nobre; João Bernardo Ribeiro de Carvalho e Brito, tenente do mesmo exército; José Luís Bernardes; Matias Luís Bernardes; António Maria Rangel de Quadros, capitão dos voluntários realistas no batalhão organizado em Aveiro; Domingos de Almeida Maia, que morreu no cerco do Porto, e era irmão do notável aveirense, Manuel Firmino de Almeida Maia; e tantos outros.

Interior da Igreja Matriz de Angeja

Era este Príncipe dotado dum espírito generoso; e pedido que lhe fosse feito, jamais o esquecia, confirmando assim a sua extraordinária memória, privilégio de todos os Braganças.

E disto prova o seguinte episódio passado durante esta sua visita.

Desejando o Marquês de Angeja proporcionar a D. Miguel umas horas de convívio com as pessoas mais categorizadas das proximidades da vila, convidou para um serão no Paço alguns amigos e entre eles o Dr. Manuel Maria Ferreira Souto e Silva, da Vila de Angeja, ao tempo desempenhando o cargo de Juiz de Fora em Oliveira de Azeméis.

Pediu o Marquês a D. Miguel a sua altíssima protecção para o Dr. Souto e Silva.

O Príncipe jamais esquece este pedido, apesar da fase acidentada que a sua vida tem nos três anos que se seguiram à visita à Vila de Angeja.

/ 63 / Por motivos políticos de sobejo conhecidos, ausenta-se da Pátria, indo viver junto da Corte de Áustria, onde se conserva até 1827, ano em que seu irmão D. Pedro o chama a Portugal e o nomeia Regente do Reino.

Inicia o seu regresso. Dirige-se a Inglaterra e daí ao Reino, que o acolheu em 12 de Janeiro de 1828 com manifestações do maior entusiasmo e carinho.

Não se esquecera, porém, do pedido do Marquês de Angeja. Convida o Dr. Manuel Maria Souto e Silva para Desembargador da Relação de Goa.

Este aceita, e em 19 de Abril de 1828 embarca no Tejo em navio à vela em direcção à Índia, chegando a Goa cinco meses e meio depois, onde toma posse, em 2 de Dezembro do mesmo ano, do cargo em que fora investido.

A sua brilhante actuação na relação de Goa valeu-lhe ser agraciado com a comenda da Ordem de Cristo.

Dr. Manuel Maria Ferreira Souto e Silva

Mais uma vez a proverbial memória dos Braganças não falhou!

Passados os três despreocupados dias em Angeja, regressa Sua Alteza Real o Príncipe D. Miguel à Corte e dá-se o início a um período político, dos mais atribulados que a nossa história regista.

/ 64 / A vila de Angeja muito se honrou com a visita de tão importante personagem, e este facto, volvidos já tantos anos, não viria à luz da publicidade e não ficaria como registo histórico nas páginas do Arquivo do Distrito de Aveiro, se um acaso fortuito não nos proporcionasse elementos de informação, colhidos em velhos apontamentos fidedignos.

ANGEJA - Ruínas do Palácio dos Marqueses

Angeja, Fevereiro de 1940.

E. ALMEIDA SOUTO

 

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