No
Outono de 1825 um acontecimento da maior transcendência social veio
alterar o pacato viver dos habitantes da antiga vila de Angeja.
Um desusado movimento se
notava, prenúncio de extraordinário acontecimento. Convergiram para essa
localidade as pessoas mais categorizadas do Distrito, autoridades
judiciais, civis, administrativas e eclesiásticas, estas precedidas pelo
Bispo diocesano de Aveiro, D. Manuel Pacheco de Resende.
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Brasão
da Vila de Angeja |
De longe chegavam
representações de tudo o que significava vitalidade da Nação.
Angeja era pequena para,
dentro dos seus limites, acolher estas representativas individualidades.
De pesada. berlinda, chegada
dos lados de Albergaria-a-Velha, apeou-se essa esbelta figura do
príncipe D. Miguel de Bragança, que a célebre tela de GIOVANNI ENDER,
existente em Queluz, nos mostra, patenteando na sua flagrante verdade a
imagem de um dos príncipes
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mais irrequietos que a história pátria regista e que, pela sua
irradiante simpatia, levou às maiores dedicações e sacrifícios aqueles
dos seus partidários que, mais tarde, na defesa da sua causa, deram o
próprio sangue.
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Trazia-o a Angeja a grande
amizade que dedicou a D. João de Noronha e Camões de Albuquerque Sousa
Moniz, sexto Marquês de Angeja e Conde de Vila Verde, que o ia receber
no seu Paço durante três dias.
Era o Marquês de Angeja seu
íntimo companheiro, tanto nas diversões venatórias, picarias e touros,
como nos folguedos que o seu irrequietismo requeria.
No Paço dos Marqueses deu o
príncipe audiência, depois de um solene Te-Deum na igreja matriz.
Pela sua frente passaram, além das individualidades oficiais, os
possuidores dos apelidos mais ilustres e distintos da região, muitos dos
quais, na guerra civil, foram seus dedicados partidários e soldados
valorosos.
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Brasão
dos Marqueses de Angeja |
Quem do Príncipe se
aproximava, ficava cativo da sua aliciante simpatia e fino trato, e a
sua visita a Angeja criou muitos adeptos para a sua causa.
Cabe aqui citar alguns
desses nomes que ao miguelismo deram o melhor do seu esforço: Dr. Luís
Cândido de Figueiredo Oudinot e Gouveia; Luís António de Figueiredo,
Morgado de Mouronho; Dr. Manuel Rodrigues Simões, o Dr. Vigairinho,
íntimo amigo de José Estêvão, apesar de militarem em campos políticos
opostos; Dr. Joaquim Pedro Dias Santiago; Padre José dos Santos Silva, o
Parracho; Padre Dr. Jerónimo José Sanhudo; Dr. José Fortunato Freire
Temudo, advogado distinto; Pedro António Marques; Frei Félix de
Cantalino Freire Temudo; Dr. António Maria da Silveira Freire Temudo;
José Ferreira Souto, o alferes da Barca; António dos Santos Lapa;
António Simões Cravo, porta-bandeira do exército realista; Padre
Baltasar da Câmara Magalhães; Bernardo Xavier Barbosa de Magalhães,
capitão do batalhão de voluntários realistas de Aveiro;
Diogo de Alpoim
Rangel Mascarenhas e Quadros, e seus irmãos José Maria e
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Francisco;
José Maria Branco de Melo, coronel de milícias e morgado de
Vagos; António Máximo Branco de Melo, tenente-coronel de milícias; José
Marques de Oliveira; Dr. Luís Rodrigues de Melo, cirurgião-mor do
regimento de milícias de Aveiro; Pedro de Sousa Brandão e Albuquerque
Bacelar da Gama, fidalgo da Casa Real; Dr. Joaquim Soares Ferreira;
Francisco Manuel Couceiro da Costa, morgado de Vilarinho; Francisco de
Sousa Maia, que foi brigadeiro do exército realista;
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José Pinheiro Nobre; João Bernardo Ribeiro de Carvalho e Brito, tenente
do mesmo exército; José Luís Bernardes; Matias Luís Bernardes; António
Maria Rangel de Quadros, capitão dos voluntários realistas no batalhão
organizado em Aveiro; Domingos de Almeida Maia, que morreu no cerco do
Porto, e era irmão do notável aveirense, Manuel Firmino de Almeida Maia;
e tantos outros.
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Interior da Igreja Matriz de Angeja |
Era este Príncipe dotado dum
espírito generoso; e pedido que lhe fosse feito, jamais o esquecia,
confirmando assim a sua extraordinária memória, privilégio de todos os
Braganças.
E disto prova o seguinte
episódio passado durante esta sua visita.
Desejando o Marquês de
Angeja proporcionar a D. Miguel umas horas de convívio com as pessoas
mais categorizadas das proximidades da vila, convidou para um serão no
Paço alguns amigos e entre eles o Dr. Manuel Maria Ferreira Souto e
Silva, da Vila de Angeja, ao tempo desempenhando o cargo de Juiz de Fora
em Oliveira de Azeméis.
Pediu o Marquês a D. Miguel
a sua altíssima protecção para o Dr. Souto e Silva.
O Príncipe jamais esquece
este pedido, apesar da fase acidentada que a sua vida tem nos três anos
que se seguiram à visita à Vila de Angeja.
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Por motivos políticos de sobejo conhecidos, ausenta-se da Pátria, indo
viver junto da Corte de Áustria, onde se conserva até 1827, ano em que
seu irmão D. Pedro o chama a Portugal e o nomeia Regente do Reino.
Inicia o seu regresso.
Dirige-se a Inglaterra e daí ao Reino, que o acolheu em 12 de Janeiro de
1828 com manifestações do maior entusiasmo e carinho.
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Não se esquecera, porém, do
pedido do Marquês de Angeja. Convida o Dr. Manuel Maria Souto e Silva
para Desembargador da Relação de Goa.
Este aceita, e em 19 de
Abril de 1828 embarca no Tejo em navio à vela em direcção à Índia,
chegando a Goa cinco meses e meio depois, onde toma posse, em 2 de
Dezembro do mesmo ano, do cargo em que fora investido.
A sua brilhante actuação na
relação de Goa valeu-lhe ser agraciado com a comenda da Ordem de Cristo.
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Dr.
Manuel Maria Ferreira Souto e Silva |
Mais uma vez a proverbial
memória dos Braganças não falhou!
Passados os três
despreocupados dias em Angeja, regressa Sua Alteza Real o Príncipe D.
Miguel à Corte e dá-se o início a um período político, dos mais
atribulados que a nossa história regista.
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A vila de Angeja muito se honrou com a visita de tão importante
personagem, e este facto, volvidos já tantos anos, não viria à luz da
publicidade e não ficaria como registo histórico nas páginas do Arquivo
do Distrito de Aveiro, se um acaso fortuito não nos proporcionasse
elementos de informação, colhidos em velhos apontamentos fidedignos.
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ANGEJA
- Ruínas do Palácio dos Marqueses |
Angeja, Fevereiro de 1940.
E. ALMEIDA SOUTO
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