A Igreja do Salvador, não
sendo das mais antigas do Couto de Arouca, é, no entanto, contemporânea
da fundação da nacionalidade, como se vê da súmula, feita
pelo paleógrafo Januário Luís da Costa em 30 de Junho de 1842, dum
documento que no Cartório do Mosteiro de Arouca tinha a marcação − Gav.
3.ª, Maço 1.º, N.º 63: «Escritura porque Monio Pelagio dá por sua alma a
Egee Didaco, durante a vida deste huma vinha no lugar chamado Pergisçosa, em Lourosa, e por seu falecimento ficar á Igreja de Sam
Salvador, fundada no Territorio de Arouca, entre os dous montes Fuste e
Serra Secca, ao correr do rio Aarda. A seis dos Idus de abril. Era 1237».
Interessante documento,
sobre esta freguesia, é aquele em que Dom
Vicente, Bispo do Porto, declara ter sido apresentado nela pela Rainha
Santa Mafalda: ln nomine Jesu Christi Amen. Noverint universi
praesentis cartae seriem inspecturi, quod nos Vincentius Dei Clementia Portuensis Episcopus profitemur quod
olim per
Sanctae memoriae Reginam Domnam Maphaldam, quae tunc temporis tenebat,
et regebat Monasterium de Arauca Lamecensis Diocesis nomine Abbatissae, et Conventus ejusdem
Monasterii fuimus praesentati ad Ecclesiam Sancti Salvatoris de Arouca
Domino Egea Episcopo Lamecensi, et idem Episcopus ad eamdem
praesentationem nos instituit in eadem, et in hujus testimonium Eas
praesentes literas fecimus sigilli nostri munimine consignari. Datum
apud Monasterium de Moraria decimo Kalendas Aprilis, era millesima trecentesima vigesima octava
− Loco sigilli.
Dentro desta freguesia existiu
o concelho de Vila Miam do Burgo, do qual a Dona Abadessa do Mosteiro de Arouca
era donatária e como tal a 21 de Dezembro, de três em três anos,
«limpava as pautas», isto é, escolhia das três listas que os oficiais
das justiças entregam, nove indivíduos para exercerem os mesmos cargos
nos três anos seguintes, que a 26, dia de Santo Estêvão, eram sorteados;
em 1 de Janeiro prestavam,
junto da Porta Nobre do Mosteiro, juramento à Dona Abadessa
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e recebiam as varas, insígnias do poder; em 10 de Janeiro, dia de São
Gonçalo, faziam os Acórdãos.
Este concelho, de que se ignora a data da criação, é chamado no Foral de
Dom Manuel, dado a Arouca em 20 de Dezembro de 1513, o Burgo Novo e
tinha em 1808 somente
34 vizinhos e entre eles Bernardino António Teixeira Vaz Pinto
«pessoa nobre, abundante de bens, de bons costumes e bem
quisto dos Povos», que em 21 de Julho de 1813 tomou posse do cargo de Capitão-Mór, sendo o
único proprietário dos antigos concelhos de Arouca e Vila Miam do Burgo que tinha
cavalo, pelo qual pagava quatro mil réis anuais; as éguas e
mulas pagavam, somente, mil réis cada, chamando-se o Novo
Imposto.
O concelho de Vila Miam do Burgo teve pelourinho, cuja base, e pouco
mais, está actualmente em frente da Capela do Espírito Santo, no local
da antiga Feira dos Carneiros. Durante muitos anos, os oficiais das
justiças deste Concelho limitaram-se a tomar posse, pelo que em 18 de
Fevereiro de 1817, fizeram a seguinte representação, provocada por
qualquer pedido anterior, de que não há notícia: «Senhor. Satisfazendo a
Real determinação de Vossa Majestade e fazendo convocar a Nobreza e Povo
desta despovoada Vila e seus povos, que ainda existem, unanimemente se
conformam em que será de um grande interesse público, que este limitado
Distrito se reúna ao de Arouca,
que se acha encravado, sendo os escrivães os mesmos, o Juiz Ordinário
daquele concelho, com jurisdição cumulativa, quanto à cobrança dos
Direitos Reais e a Donatária a mesma, a qual é a Dona Abadessa do Real
Mosteiro de Arouca, é tão defensável a pretendida união que já por falta
de indivíduos, em que pudesse recair a eleição, se deixou esta de fazer
há dois anos
e tão prejudicial é a conservação deste Distrito e Vila separada que se
abolida não for, ficará unicamente reduzida a quatro
casas ou a quatro moradores, com grande detrimento de a cultura, que já se acha muito deteriorada por não haver quem cultive
as terras, é esta a própria verdade que se representa a Vossa Majestade,
que resolverá o que for servido, que justo lhe parecer, tendo sempre em
vista, como costuma, ao público em ter-se do pequeno número dos vassalos
desta vila que pela maior parte esta assinaram, feita em Câmara de
dezoito de Fevereiro de mil oitocentos e dezassete. Bernardo Teixeira −
Manuel Teixeira − Bernardo António Teixeira Vaz Pinto (Capitão-Mór) −
José Joaquim Rocha e Melo − José António dos Santos Fabião (Advogado) −
José de Almeida Brandão.»
No mesmo ano era publicada a seguinte Provisão: «Dom João por Graça dê
Deus Rei do Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves d'Além Mar em
África Senhor da Guiné etc. Faço saber que o Juiz Ordinário, vereador e
mais moradores da Rua do Burgo, freguesia do Salvador, dentro do termo
da
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Vila de Arouca Me representaram sua petição que sendo aquela
Rua um dos lugares da mesma freguesia e pela outra parte
certo da do concelho de Arouca, formava a mesma Rua em si
Vila e Concelho separado, porém como sempre se compoz de
moradores pobríssimos não chegava hoje a ter trinta fogos e
destes só tres ou quatro viviam de seus bens e como aí era
Donataria a Madre Abadessa do Mosteiro de Arouca, apresentava a justiça, mas para se compor era necessario que
quase
todos os anos servissem os mesmos, por não haver gente que tinham
desertado, por serem vexados com as despesas que aí
faziam com as ordens de caminheiros, que vinham (ao mesmo
tempo que desnecessárias) porque ficavam os suplicantes partindo imediatos á Vila de Arouca e circuitados do Concelho
e termo dele e as ordens que a ele vinham logo saber-se na Rua dos
suplicantes, porque o mesmo escrivão de Arouca era
no Burgo e o mesmo sucedia com os do Público e Notas sendo
o mesmo Juiz Ordinário o de Arouca, o das Cisas e mais
Direitos Reais no dito Burgo pelo que pretendiam os suplicantes
reunir-se ao termo de Arouca, ficando ali abolida a jurisdição
no que a mesma Donatária não duvidava, por conhecer a penúria em que os
suplicantes viviam mandando-se-lhe passar Provisão para o dito efeito e visto seu requerimento e informação
que se houve do Corregedor da Comarca de Lamego, ouvindo-se as respectivas Câmaras, Nobreza e Povo e a Donatária, a
Dona Abadessa do Mosteiro de Arouca, que não tiveram dúvida
nem o Procurador da Minha Real Coroa, que também mandei
ouvir, por ser a pretensão dos suplicantes muito justa e tendo
a tudo consideração: Hei por bem conceder a necessária faculdade para que seja reunida a Rua dos suplicantes
à Jurisdição
e Concelho de Arouca, ficando por consequência a dos suplicantes abolida. Mando
às pessoas a que pertencer, que cumpram
e guardem esta Provisão como nela se contém e declara; será
registada nas partes a que tocar e valerá posto que seu efeito
haja de durar mais de um ano, sem embargo da Ordenação do
Livro segundo Título quarenta em contrário. Pagaram de novos direitos
quinhentos e quarenta reis que se carregaram ao Tesoureiro deles a foI. 309 v. do Livro 24 de sua receita e se registou
o conhecimento em forma no Livro 86 do Registo Geral. EI-Rey
Nosso Senhor Mandou pelos Ministros abaixo assinados do seu
Conselho e Seus Desembargadores do Paço. Joaquim Pedro
de Miranda a fez em Lisboa a quinze de Dezembro de mil
oitocentos e dezassete: desta oitocentos reis. Bernardo José de
Foios Cabral a fez escrever. Francisco José de Faria Feuão − Luiz Freire da Fonseca Carvalho
− Manuel Nicolau Esteves
Negrão.
Por Provisão de 30 de Maio de 1826 de Dom João VI, a
requerimento do Procurador do Concelho, Manuel Gomes, do
lugar de Deveza, desta freguesia, era autorizada a troca «de um / 312 /
pardieiro ou casarão demolido, que serviu antigamente de Paço
do Concelho no Distrito da Vila do Burgo com outro terreno de
que é senhor, Bernardino António Teixeira Vaz Pinto, situado
ao cimo desta Vila defronte da Capela do Espírito Santo.»
É curioso o Acórdão de 14 de Janeiro de 1809: Acórdão que toda a
pessoa que existir nesta vila e não tenha terra para horta seja
condenado em mil reis e que para isso se lhe dará terra para a pôr:
Dos dízimos desta freguesia o Mosteiro tinha duas partes e o Abade uma
parte, dela escrevendo o Doutor António dos Santos, Visitador do
Distrito de Cima do Douro, em 8 de Novembro de 1691 «Achey q sendo esta
Ig.ª hua das mays rendozas e autorizadas do Bispado...» razão por que
foi sempre disputada. Sobre ela, do Censual de Lamego, consta: «Item Sam Salvador do Valle de Arouca anexa ao Mosteiro de Arouca, a Vigairaria hé da apprezentação do Mosteiro a Confirmação hé do Senhor
Bispo: paga de Confirmação dois marcos e meio, paga de Vezitação quinhentos reis.»
O Licenciado Domingos de Sampayo do Amaral, Visitador
deste Distrito, em 15 de Junho de 1676, capitulava o seguinte: «Fui
informado que nas Capelas desta freguesia, em certos dias de festa e
outros mais, se faziam de noite umas chamadas
LUMIADAS, de cujas galhofas resultavam escândalos, e para evitar estes,
mando aos mordomos que o forem delas, não larguem de si nesse tempo as chaves e fechem as ditas Capelas
às
Trindades...»
O Doutor Manuel Ribeiro Seixas, Visitador deste Distrito em 18 de Maio
de 1679, capitulava o seguinte: «Fui informado
que nesta Ig.ª no dia de quinta feira santa ate a sexta da paixão,
assistiam a guardar o sepulcro muitos CENTURIÕES, e muitos deles
rapazes, estando com menos decência, comendo e bebendo nela, cousa que
serve mais de escândalo do que serviço de
Deus; pelo que mando ao Reverendo Pároco não consinta
nenhuma pessoa em semelhante função, sem que ao menos tenha mais de
vinte anos, e que sejam pessoas modestas e sisudas, e
que primeiro lhe dêem parte desta sua devoção, e sem licença
não poderão assistir ao tal ministério, e outro sim lhes proíbo
o comer na Igreja, porque querendo tomar alguma refeição o poderão fazer
fora na parte que lhe parecer contanto que não seja também no coro.»
Do cartório desta freguesia não restam senão papeis dispersos, particularmente cópias de escrituras de composição entre
o Abade e a Dona Abadessa Donatária, sobre questões respeitantes à igreja e seus direitos, e a seguinte certidão autêntica do
Tombo:
Diz o Rev.º Padre Francisco Botelho de Magalhaens e Menezes Abbade dá
Igreja do Salvador do Burgo do vale darouca do Bispado de Lamego
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que para sertos requerimentos que tem lhe he necessario traduzir em
milhor
letra o tombo da sua Igreja que he de letra muito antiga Portanto
P.avm.e e Sr.
Dr. Juiz de Fora ou a q.m em seu nobre
Lugar servir lhe faça m.cê mandar que quaisquer Tabelliaõ desta villa lhe faça a dita tradução e lhe passe por certidão o
dito Tombo em modo que faça fé
E. R. M.cê
SEGUE-SE A REPRODUÇÃO DO DOCUMENTO
COUTO DE
AROUCA [PDF 2,4 MB]
Cópia de MANUEL RODRIGUES
SIMÕES JÚNIOR |