Documentos para a História da diocese de Aveiro, Vol. IV, pp. 249-258.

DOCUMENTOS PARA A HISTÓRIA

DA DIOCESE DE AVEIRO

A DIOCESE DE AVEIRO

Quando eu nasci, a diocese de Aveiro ainda existia, mas já não tinha bispo há muito tempo. Era governada por Vigários Gerais, da nomeação do Metropolita de Braga.

Durou um século, sete anos, cinco meses e dezoito dias, se eu conto bem. Para uma diocese não se pode dizer que morreu de muito velha, e menos ainda se pode dizer que morreu decrépita. Quem hoje lê a Bula Gravissimum, que a extinguiu, sente que dos olhos da Igreja, ao assinar esse documento, correu uma lágrima. Possa o sacrifício das que caíram, parece dizer o Pontífice, como para se consolar do golpe doloroso a que as circunstâncias o constrangeram, possa ser de algum modo compensado pela maior fortuna das que ficaram!

A diocese teve três bispos. Gameiro, Cordeiro, Resende. E do primeiro, se não me engano, uma Pastoral, que já hoje se recorda pouco, mas que foi, durante muitos anos, a fonte preferida onde iam buscar inspiração e abrir asas os novos bispos de Portugal. Assim ouvi dizer uma vez, numa noite dramática cuja evocação afugento. Aquele que devia pagar com injusta crueldade os tristes defeitos do tempo.

Do bispo Resende, estendido no seu leito fúnebre, há uma fotografia impressionante no Museu Regional de Aveiro. Faz lembrar a figura jacente do primeiro sucessor de D. Bosco, no mármore branco de seu mausoléu de Turim, já feito esqueleto, já feito caveira, antes mesmo da morte o levar. Dizem que não lhe ficou um fiapo no corpo, tanto ele se despojou de tudo para matar a fome dos que sofreram nas lutas formidáveis que se travaram, à época.

Um quarto, Frei Egídio,(1) já me não lembra de quê, não chegou a ser confirmado, ou não chegou pelo menos a ser sagrado. Ainda eu era pouco mais de menino, quando ouvi dizer ao velho José Reinaldo, esse que morreu de dor pela extinção do bispado, como hoje morreria de alegria se a visse ressuscitada − que os embaraços da confirmação deveriam ter nascido de algum tirito que o frade disparara nas campanhas da liberdade.

Com o último dos Vigários Gerais da diocese de A veiro, o Cardial Mendes Belo, Patriarca de Lisboa, convivi uns sete anos, no seu Paço do Campo Sant'Ana. Quantas vezes, depois do chá preto da noite, a conversa caía, como em assunto de predilecção, nas coisas de Aveiro! Recordava-as com saudosa emoção, e com uma tal riqueza e precisão de detalhes que espantava naquele velho! E tanto falava dos graves assuntos do seu governo, com aquela perspicácia de lince e aquele critério certeiro e seguro, que eram dote do seu espírito, como contava sucessos minúsculos, fazia passar diante da gente paisagens e personagens de toda a espécie, iluminava-o todo, esse amável passado, com o clarão prodigioso da sua memória e da sua graça! / 250 /

D. MANUEL PACHECO DE RESENDE, 3.º BISPO DE AVEIRO
Reprodução da primorosa aguarela da autoria do mestre de pintura na fábrica da Vista Alegre, VICTOR-FRANÇOIS CHARTIER ROUSSEAU, feita por ocasião do falecimento daquele Prelado. Fotografia de ANTÓNIO GOMES DA ROCHA MADAHIL, de que existem exemplares nos Museus de Aveiro e de Ílhavo. Ao do Museu de Aveiro se refere o presente artigo.

/ 251 /  Mal ele pensava, ao falar-me da vida e da morte da diocese de Aveiro, que eu o escutava com um sobressalto no peito, que ia dizendo em voz baixa para dentro de mim, e por fim em voz alta, no tom mais forte da minha escala:

Mas então, não acabaram já essas políticas de destruição? Não será hora de irmos todos ao túmulo da nossa morta, e gritarmos, até ela acordar:

− Sai cá para fora!

E saiu cá para fora.

O primeiro período da Bula, que a restaura, dá-me ideia da nossa Mãe, a Santa Igreja, a limpar nas faces, com mão jubilosa, aquela lágrima antiga, que lhe saltou dos olhos, há 57 anos, e que não queria secar. Dá-me ideia daquela mãe de Naim, que só acabou de chorar quando o Senhor lhe restituiu o seu filho morto.

Os dois Núncios, Beda e Ciriaci, ajudaram abertamente a levantar a pedra-montanha, que tapava o sepulcro. O primeiro já lá vai há uns poucos de anos; mas, por uma carta que eu tenho dele, estou certo de que levou para a terra mais do que a confiança, a certeza de que Aveiro seria de novo a sede da Diocese. Este, que está ainda em Lisboa, foi o gigante de dez pés de altura que a ergueu nas mãos, mesmo no meio de terramotos.

E agora, ó querida Igreja da minha terra, faz-te um viveiro de santos, para que mais ninguém ouse dizer que mereceste o pó da morte que te cobriu!

                         Tomar, 11 de Novembro de 1938.

† JOÃO EVANGELISTA, Arcebispo de Ossirinco

(Artigo publicado na revista "Lumen").


BULA DA RESTAURAÇÃO DA DIOCESE DE AVEIRO

(Texto original)

Pius Episcopus, servus servorum dei ad perpetuam rei memoriam

Omnium Ecclesiarum inter sollicitudines non mediocri afficimur gaudio quotiens quaequae dioecesis, quam justis de causis haec Apostolica Sedes olim abolere opportunum duxerit, mutatis atque faventibus rerum adiunctis in integrum restitui potest. Iamvero cum christifideles territorium incolentes illius quae fuerat dioecesis Aveirensis, quam cl. m. Clemens Quartus Decimus Decessor Noster, Josephi Primi, Lusitanorum Regis fidelissimi, vota benigne excipiens, Apostolicis sub plumbo Litteris, die duodecima Aprilis mensis, anno millesimo septingentesimo septuagesimo quarto datis, erexerat et metropolitanae Ecclesiae Bracharensi suffraganeam constituerat, quam dein fel. rec. Leo Tertius Decimus, et ipse Antecessor Noster, per Apostolicas sub plumbo Litteras Gravissimum Christi, die tricesima mensis Septembris anno millesimo octingentesimo octogesimo primo datis, abolevit, enixis precibus a Nobis expostulaverint, ut dioecesis illa in integrum restitueretur, Nos, perpendentes quantum id fidei roborandae ac rei catholicae provehendae proficere valeat, de venerabilium Fratrum Nostrorum S. R. E. Cardinalium S. Congregationi pro Ecclesiasticis Negotiis Extraordinariis praepositorum consulto, habitoque venerabilis Fratris Petri Ciriaci, Archiepiscopi titularis Tarsensis et Nuntii Apostolici in Lusitania, favorabili / 252 / voto, oblatis Nobis precibus annuere censuimus. Suppleto igitur, quatenus opus sit, quorum intersit vel eorum qui sua interesse praesumant consenso, apostolicae Nostrae potestatis plenitudine, Aveirensem quam supra diximus eccIesiam iterum in dioecesim erigimus et constituímos. Veteres attamen dioecesis fines, ut nostrorum temporum adjunctis aptius respondere possint, paulo immutare statuimus. Restitutae itaque Cathedrali EccIesiae Aveirensi omnes et singulas tribuimus eccIesiasticas paroecias in praesenti existentes in territoriis vulgo Concelhos, quae sequuntur, nempe: Águeda, Anadia, Aveiro, Ílhavo, Oliveira de Bairro, Vagos, Albergaria a Velha, Estarreja, Murtosa et Sever do Vouga; paroecias ipsas proinde a dioecesibus Conimbricensi, PortugalIensi et Visensi, ad quas modo pertinent, seiungimus ac separamos. Urbem vero Aveiro in sedem episcopalem restituimus; paroecialem autem eccIesiam titulo Dominae nostrae de Gloria in cathedralem evehimus, eique et ejusdem dioecesis pro tempore Episcopis omnia tribuimos jura, honores, insígnia ac privilegia, quibus ceterae per orbem cathedrales eccIesiae earumque Antistites jure communi fruuntur. Restitutam autem hanc Aveirensem dioecesim suffraganeam constituímos, uti antea, metropolitanae EccIesiae Bracharensi, ejusque pro tempore Episcopos metropolitico Archiepiscopi Bracharensis, juri subiicimus. Quum vero cathedrale capitulum in praesenti constitui nequeat, et usque dum constituatur, indulgemus ut ad juris tramitem pro canonicis dioecesani consultores eligantur. Volumus praeterea ut cum primum fas erit dioecesanum seminarium juxta codicis Iuris Canonici praescripta et normas a Sacra Congregatione de Seminariis et Studiorum Universitatibus traditas erigatur; interea vero iis, qui in sortem Domini vocati sunt, juxta quae eadem S. Congregatio ad rem decreverit, provideatur. Quod autem ad dioecesis regimen et administrationem, ad Vicarii Capitularis, sede vacante, electionem, ad cIericorum et fidelium jura, officia et alia hujusmodi spectat, serventur quae sacri canones ad rem praescribunt. Quod vero ad cIerum peculiariter spectat, decernimus ut, simul ac hae Litterae Nostrae de praefatae dioecesis restitutione ad effectum deductae fuerint, eo ipso cIerici, quos in territorio ejusdem dioecesis legitime exstare contigerit, eidem dioecesi adscripti censeantur. Mensam autem episcopalem constituent pecuniae reditus, quam Comissio pro restituenda diocesi donavit, nec non indultorum proventus, quae antiquae Cruciatae BulIam substituunt, curiae episcopalis taxae et emolumenta atque piorum fidelium oblationes. Denique usque dum de proprio Episcopo restituta dioecesis a Nobis provideatur, Nos venerabilem Fratrem Joannem Evangelistam de Lima Vidal, Archiepiscopum titularem Oxyrynchitarum, ejusdem dioecesis Admnistratorem Apostolicum suprema Nostra auctoritate eligimus et constituímos cum omnibus juribus et facultatibus quae Episcopis residentialibus competunt, nec non officiis et obligationibus, quibus Episcopi isti adstringuntur. Ad quae omnia, uti supra disposita et constituta executioni mandanda venerabilem quem supra memoravimus Fratrem Petrum Ciriaci, Nostrum Nuntium in Lusitania Republica, delegamos eique facultates tribuimus necessarias et opportunas etiam subdelegandi, ad effectum de quo agitur, quemlibet virum in eccIesiastica dignitate constitutum, eidemque onus imponimus ad Sacram Congregationem Consistorialem quamprimum transmittendi authenticum peractae executionis actorum exemplar. Praesentes autem Litteras et in eis contenta quaecumque nulIo umquam tempore de subreptionis aut nulIitatis vitio seu intentionis Nostrae, vel quolibet alio, licet substantiali et inexcogitato, defectu notari, impugnari vel in controversiam vocari posse; sed eas, tanquam ex certa scientia ac potestatis plenitudine factas et emanatas perpetuo validas existere et fore, suosque plenarios et integros effectus sortiri et obinere, atque ab omnibus ad quos spectat inviolabiliter observare debere; si, secus super his a quocumque, quavis auctoritate scienter vel ignoranter contigerit attentari, irritum prorsus et inane esse et fore volumus et decernimus. Statuimus denique ut harum Litterarum transumptis etiam impressis, manu tamen alicujus notarii publici subscriptis, ac sigilIo alicujus viri in eccIesiastica dignitate vel officio constituti munitis, eadem prorsus tribuatur fides, / 253 / quae hisce Litteris tribueretur, si ipsae exhibitae vel astensae forent; non obstantibus, quatenus opus sit, regulis in synodalibus, provincialibus, generalibus universalibusque Conciliis editis, specialibus vel generalibus Constitutionibus et Ordinationibus Apostolicis et quibusvis aliis Romanorum Pontificum, Praedecessorum Nostrorum, dispositionibus ceterisque quibus libet, etiam speciali mentione dignis. Nemini autem hanc paginam restitutionis, erectionis, constitutionis, dismembrationis, concessionis, statuti, electionis, derogationis, mandati et voluntatis Nostrae infringere vel ei contrarie liceat. Si quis vero ausu temerario hoc attentare praesumpserit, indignationem omnipotentis Dei ad Beatorum Apostolorum Petri et Pauli, se noverit incursurum. Datum ex arce Gandulphi anno Domini Millesimo nongentesimo trigesimo octavo, die quarta vicesima mensis Augusti, Pontificatus Nostri anno septimo decimo. A. L.

(S) Fr. THOMAS PIUS O. P. CARD. BOGGIANI CANCELLARIUS S. R. E.
(S) CAN. ALFRIDUS LIBERATI CANC. Apost. Adjutor a Studiis.
(S) Fr. R. C. CARD. Rossi S. CongregatioNis Consistorialis a Secretis.
(S) LUDOVICU KAAS Prot. Ap.
(S) VINCENTIUS BIANCHI CAGLIESI Prot. Apost.


(Tradução portuguesa)

Entre a solicitude de todas as Igrejas, temos sempre grande alegria quando, por mudança propícia das circunstâncias, se pode restaurar qualquer Diocese que a Santa Sé outrora, por justos motivos, julgou oportuno extinguir. Por isso, como os fiéis do território da extinta Diocese de Aveiro − que, tendo sido erecta e sujeita como sufragânea da Metrópole de Braga pelo Nosso Predecessor Clemente XIV, a pedido de D. José I, Rei fidelíssimo de Portugal, em Carta Apostólica de 12 de Abril de 1774, foi depois abolida pelo também Nosso Predecessor Leão XIII na Carta Apostólica Gravissimum Christi, de 13 de Setembro de 1881 − Nos pedissem instantemente a restauração dessa Diocese: Nós, atendendo ao proveito que daí pode advir para o robustecimento da fé e progresso da religião, tendo consultado a Sagrada Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários e obtido parecer favorável do venerável Irmão Pedro Ciríaci, Arcebispo titular de Tarso e Núncio Apostólico em Portugal, decidimos anuir ao pedido que Nos fizeram.

Suprindo, pois, quanto seja necessário, o consentimento daqueles a quem interesse ou se presuma interessar, pela plenitude do Nosso poder apostólico, de novo erigimos e constituímos em diocese a referida igreja de Aveiro.

Entendemos, no entanto, modificar um pouco os antigos limites da diocese, para que melhor correspondam às circunstâncias actuais. Assim, atribuímos à restaurada Igreja Catedral de Aveiro todas e cada uma das paróquias eclesiásticas que ao presente existem nos seguintes concelhos: Águeda, Anadia, Aveiro, Ílhavo, Oliveira do Bairro, Vagos, Albergaria-a-Velha, Estarreja, Murtosa e Sever do Vouga; separamos, por conseguinte, essas paróquias das dioceses de Coimbra, Porto e Viseu, a que pertencem agora.

Reintegramos, pois, a cidade de Aveiro como sede episcopal; elevamos a catedral a igreja paroquial de Nossa Senhora da Glória e concedemos-lhe, bem como aos Bispos que forem da mesma diocese, todos os direitos, honras, insígnias e privilégios de que, por direito comum, gozam as outras igrejas catedrais do mundo. e os seus Bispos. Essa restaurada diocese de Aveiro, constituímo-la, como dantes, sufragânea da Igreja Metropolitana de Braga e sujeitamos os seus Bispos ao direito metropolítico do Arcebispo Bracarense.

Como não pode agora constituir-se Cabido, concedemos que, enquanto se não constituir, se escolham segundo as normas do direito, em vez de cónegos, consultores diocesanos.

Desejamos, além disso, que, logo que seja possível, se funde o seminário diocesano, segundo as prescrições do Código de Direito Canónico e / 254 / as normas emanadas da Sagrada Congregação dos Seminários e das Universidades de Estudos; entretanto, proveja-se aos candidatos ao sacerdócio segundo o que para o caso determinar a mesma Sagrada Congregação.

Pelo que respeita ao regime e administração da diocese, à eleição do Vigário Capitular «sede vacante» aos direitos, deveres, etc. dos clérigos e fiéis, observe-se o que prescrevem os sagrados cânones. Pelo que particularmente se refere ao clero, determinamos que, logo que se execute esta Nossa Carta de restauração da diocese, se lhe considere por isso mesmo adscrito todo o que legitimamente estiver no seu território.

Constituirão a mesa episcopal os réditos pecuniários oferecidos pela Comissão de restauração da diocese, os proventos dos Indultos que substituem a antiga Bula da Cruzada, as taxas e emolumentos da Cúria episcopal e as oblatas dos fiéis.

Finalmente, até que a restaurada diocese seja por Nós provida de Bispo próprio, escolhemos para seu Administrador Apostólico o venerável Irmão João Evangelista de Lima Vidal, Arcebispo titular de Ossirinco, e como tal o constituímos com todos os direitos e faculdades que competem aos Bispos residenciais, e com os deveres e obrigações que lhes incumbem.

Para execução de tudo o que fica disposto e constituído, delegamos no Nosso venerável Irmão Pedro Ciríaci, Nosso Núncio na República Portuguesa, e atribuímos-lhe as faculdades necessárias e oportunas, mesmo a de subdelegar, para tal efeito, em qualquer dignitário eclesiástico, e impomos-lhe a obrigação de enviar o mais cedo possível à Sagrada Congregação Consistorial um exemplar autêntico dos autos de execução.

Que às Presentes Cartas se não possa atribuir, em tempo algum, vício, ainda que substancial, de subrepção ou nulidade, ou de falta de intenção Nossa. Mas Queremos e Determinamos que elas sejam tidas, perpetuamente, válidas e como feitas em ciência certa e em plenitude de poder; que sejam atingidos, plenamente e integralmente, os seus efeitos; que sejam observadas e inviolavelmente cumpridas por todos a que digam respeito; que seja considerado nulo tudo o que, ciente ou inconscientemente, se levante contra Elas. Estabelecemos, finalmente, que às cópias destas Cartas, mesmo impressas, (subscritas, contudo, por notário público e com o selo da autoridade eclesiástica) se dê tanta fé como a Elas próprias. Não obstante quaisquer regras de Sínodos ou Concílios provinciais, gerais ou
universais; não obstante as Constituições ou Ordenações Apostólicas especiais ou gerais; ou outras disposições, mesmo dignas de menção, dos Nossos Predecessores, Romanos Pontífices. A ninguém seja permitido infringir ou contrariar este documento de restituição, erecção, constituição, desmembramento, concessão, estatuto, eleição, derogação ou mandado, de Nossa Vontade. Se alguém, porventura, temerariamente, ousar atentar contra isto, que se tenha como incurso na indignação de Deus Omnipotente e dos Bemaventurados Apóstolos Pedro e Paulo.

Dada em Castelo Gandolfo, a 24 de Agosto de 1938, 17.º ano do Nosso Pontificado.

 

SENTENÇA DE EXECUÇÃO DAS LETRAS APOSTÓLICAS «OMNIUM ECCLESIARUM»

Vistos estes autos:

a) Bula do Santo Padre Pio XI, que começa Omnium Eclesiarum, com data de vinte e quatro de Agosto do ano do Senhor de mil novecentos e trinta oito, para a restauração da diocese de Aveiro, criada por Clemente XIV, de feliz memória, em Suas Cartas Apostólicas de doze de Abril de mil sete centos e setenta e quatro, e extinta por Leão XIII, também de feliz memória, em sua Bula Gravissimum Christi, de trinta de Setembro de mil oitocentos e oitenta e um;  / 255 /

b) Decreto, com data de vinte e oito de Outubro de mil novecentos e trinta e oito pelo qual o Excelentíssimo e Reverendíssimo Monsenhor Pedro Ciríaci, Arcebispo de Tarso e Núncio Apostólico em Lisboa, subdelega em Nós as necessárias faculdades para a execução da referida Bula Apostólica;

c) Ofício da mesma data, pelo qual o mesmo Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Núncio Apostólico nos remete os dois sobreditos diplomas;

d) Ofício de vinte e nove de Outubro de mil novecentos e trinta e oito para a Nunciatura Apostólica de Lisboa, no qual declaramos aceitar com jubiloso reconhecimento a subdelegação que nos foi confiada;

Mostra-se.

a) que o Santo Padre Pio Xl, gloriosamente reinante, empenhado, como os seus Venerandos Predecessores, em que a circunscrição eclesiástica do orbe católico corresponda com precisão às condições e circunstâncias dos tempos, e reconhecendo que a restauração da antiga diocese de Aveiro muito poderá contribuir e aproveitar aos interesses da fé e ao incremento da religião Católica, acolheu benignamente as súplicas que lhe foram dirigidas para a reconstituição da diocese;

b) que o Santo Padre Pio XI ouvido o conselho dos Eminentíssimos Cardiais que fazem parte da Sagrada Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários, ouvido também o parecer, que foi favorável, do Venerável Irmão Pedro Ciríaci, Arcebispo titular de Tarso e Núncio Apostólico em Portugal, suprido, enquanto necessário, o consentimento de todos os demais que forem ou se presumam interessados, determinou de facto anuir às referidas súplicas, restaurando a antiga diocese de Aveiro, que do nome da sua Sede, se chamará Aveirense;

c) que Sua Santidade, em mais perfeita conformidade com as circunstâncias actuais e as necessidades dos tempos, julgou dever modificar um pouco os antigos limites da diocese, constituindo-a com todas as freguesias eclesiásticas dos dez concelhos: Águeda, Anadia, Aveiro, Ílhavo, Oliveira do Bairro, Vagos, Albergaria-a-Velha, Estarreja, Murtosa, e Sever do Vouga;

d) que Sua Santidade determina que, como as circunstâncias não permitem que seja constituído por enquanto o cabido da Sé Catedral, sejam nomeados até lá consultores diocesanos, em perfeita conformidade com o que estabelece a tal respeito o Código de Direito Canónico;

e) que o Santo Padre constituiu Aveiro como Sede e Cátedra episcopal com todos os direitos, privilégios e honras de que gozam as Sedes episcopais; e que elevou a Igreja paroquial de Nossa Senhora da Glória ao grau e dignidade de Catedral com os direitos, honras, insígnias e privilégios que usufruem por direito ou legítimo costume as outras Catedrais;

'f) que o Santo Padre determinou que a dotação da nova diocese seja constituída pelo património organizado pela comissão pró-restauração da diocese, pelo rendimento dos Indultos Pontifícios, pelos emolumentos da Câmara Eclesiástica e pelas ofertas espontâneas do povo, em cuja generosidade o Sumo Pontífice muito confia;

g) que o Santo Padre ordena que, logo que seja possível se estabeleça na nova diocese o seu seminário, e que, enquanto o não houver, o Ordinário cumpra com relação à admissão de alunos e outros assuntos correlativos, o que for determinado pela Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades dos Estudos;

h) que Sua Santidade ordena e prescreve que, imediatamente à execução da Bula, fiquem incardinados ipso facto na nova diocese todos os clérigos que no território da mesma diocese se encontrem legitimamente existentes;

i) que o Santo Padre determina que a nova diocese de Aveiro fique sendo sufragânea, como era antigamente, da Arquidiocese de Braga;

j) que o Santo Padre, enquanto a nova diocese não for provida de Pastor próprio, nos comete o seu regime, na qualidade de Administrador Apostólico, com todas as faculdades, direitos e encargos que a tal ofício andam anexos;

I) que Sua Santidade quer e dispõe que as suas letras Apostólicas, / 256 / acima mencionadas, em tempo algum, por nenhum motivo ou pretexto, nem mesmo o de não terem sido ouvidos os interessados, possam ser contestadas, declarando írrito e nulo quanto for, ciente ou inconscientemente, atentado contra elas, não obstante quaisquer regras, constituições ou disposições em contrário dos Concílios ou dos Romanos Pontífices seus Predecessores, ou outras quaisquer;

m) que Sua Santidade nomeia executor destas Letras Apostólicas o Excelentíssimo e Reverendíssimo Monsenhor Pedro Ciríaci, Arcebispo de Tarso e Núncio Apostólico em Lisboa, concedendo-lhe as faculdades necessárias e oportunas, para o efeito de que se trata inclusivamente a de subdelegar em pessoa constituída em dignidade eclesiástica com encargo de transmitir à Sagrada Congregação Consistorial no mais curto espaço possível, um exemplar autêntico da sentença executorial;

n) que o mesmo Excelentíssimo Senhor houve por bem subdelegar em nós, D. João Evangelista de Lima Vidal, Arcebispo titular de Ossirinco e Superior Geral da Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas, o encargo, com as respectivas faculdades, de executor destas Letras Apostólicas;

o) que o mesmo Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor, no seu decreto de subdelegação, determina que, após a sentença que, como seu delegado, promulgarmos, imediatamente entremos no regime da nova diocese;

O que tudo visto e o mais que dos autos consta, disposições do direito e cláusulas da Bula Apostólica, usando das faculdades que nos são cometidas;

DECRETAMOS E MANDAMOS:

a) que à Bula do Santo Padre Pio XI, Omnium Ecclesiarum, de vinte e quatro de Agosto de mil novecentos e trinta e oito, se dê inteira execução e se observe pontualmente tudo quanto nela se contém;

b) declaramos constituída por autoridade Apostólica a diocese de Aveiro que abrangerá a extensão territorial dos dez concelhos acima mencionados: Águeda, Anadia, Aveiro, Ílhavo, Oliveira do Bairro, Vagos, Albergaria-a-Velha, Estarreja, Murtosa, e Sever do Vouga, com as oitenta e duas freguesias seguintes:

No Concelho de Águeda:

Agadão, Aguada de Baixo, Aguada de Cima, Águeda, Barrô, Belasaima, Castanheira do Vouga, EspinheI, Fermentelos, Lamas do Vouga, Macieira de Alcoba, Macinhata do Vouga, Ois da Ribeira, Préstimo, Segadães, Recardães, Travassô, Trofa e Valongo.

No Concelho de Albergaria-a-Velha:

Albergaria-a-Velha, Alquerubim, Angeja, Branca, Frossos, Ribeira de Fráguas, S. João de Loure e Vale Maior.

No Concelho de Anadia:

Amoreira da Gândara, Ancas, Arcos (Anadia), Avelãs do Caminho, Avelãs de Cima, Mogofores, Moita, Ois do Bairro, Sangalhos, S. Lourenço do Bairro, Tamengos, Vila Nova de Monsarros e Vilarinho do Bairro.

No Concelho de Aveiro:

Aradas, Aveiro (N. Senhora da Glória), Aveiro (Vera-Cruz), Cacia, Eirol, Eixo, Esgueira, Nariz, Oliveirinha e Requeixo.

No Concelho de Estarreja:

Avanca, Canelas, Estarreja (Beduído), Fermelã, Pardilhó, Salreu e Veiros.

No Concelho de Ílhavo:

Gafanha da Nazaré, Gafanha da Encarnação e Ílhavo.

No Concelho da Murtosa:

Bunheiro, Monte da Murtosa, Murtosa e Torreira.

No Concelho de Oliveira do Bairro:

Bustos, Mamarrosa, Oliveira do Bairro, Oiã, Palhaça, Troviscal.

No Concelho de Sever do Vouga:  / 257 /   [Vol. IV - N.º 16 - 1938]

Cedrim, Couto de Esteves, Paradela, Pessegueiro, Rocas do Vouga, Sever do Vouga, Silva Escura e Talhadas.

No Concelho de Vagos:

Calvão, Covão do Lobo, Sôsa e Vagos.

c) declaramos desmembradas das dioceses do Porto, Coimbra e Viseu, as oitenta e duas freguesias que ficam a constituir a nova diocese de Aveiro − cinquenta e cinco de Coimbra, dezanove do Porto e oito de Viseu − cessando desde esta data a jurisdição dos respectivos ordinários e começando a do Administrador Apostólico nomeado pela Santa Sé;

d) declaramos consignados à nova diocese, como dotação, o património organizado pela Comissão pró-restauração da diocese, o produto dos Indultos Pontifícios, os emolumentos e taxas da Cúria Episcopal e as ofertas voluntárias dos fiéis;

e) declaramos sufragânea da Arquidiocese de Braga a nova diocese de Aveiro;

f) declaramos que os eclesiásticos que à data da execução da Bula Apostólica residirem legitimamente em território da nova diocese, devem considerar-se incardinados na mesma diocese; como devem para ela ser transferidos os bens móveis e imóveis com quaisquer rendimentos, os processos, documentos e papeis pertencentes ao tombo ou arquivo das ditas paróquias (e bem assim das instituições ou corporações eclesiásticas nelas fundadas) e porventura existentes nas dioceses de cuja jurisdição são desligadas, salva contudo a vontade dos pios fundadores ou oferentes.

Em nome de Sua Santidade o Papa Pio XI, exortamos a todos, assim eclesiásticos como seculares, que em virtude desta nossa sentença executorial transitam das dioceses do Porto, Coimbra e Viseu para a nova diocese de Aveiro, a que prestem a devida obediência ao Ordinário a cuja pastoriação ficam de futuro confiados e o venerem por única legítima e canónica autoridade.

Assim o julgamos e declaramos por esta nossa sentença que será firme e valiosa não obstante quaisquer regras ou disposições, tanto gerais como especiais, estatutos ou privilégios em contrário.

Dada em Aveiro, 11 de Dezembro de 1938.

† JOÃO EVA)lGELISTA, Arcebispo de Ossirinco

Administrador Apostólico da Diocese de Aveiro


ALGUMAS NOTAS BIOGRÁFICAS

DE D. JOÃO EVANGELISTA DE LIMA VIDAL

D. João Evangelista de Lima Vidal, arcebispo titular de Ossirinco e administrador apostólico da Diocese de Aveiro, nasceu na cidade de Aveiro, freguesia da Vera Cruz, na rua dos Mercadores, n.º 20, a 2 de Abril de 1874. Foram seus pais Norberto Ferreira Vidal, natural de Vagos e D. Umbelina Elisa de Lima Vidal, natural de Eixo.

Neto paterno de José Ferreira Vidal e de D. Maria Ludovina; e materno de João Germano de Lima e de D. Maria Isabel de Lima.

Foi baptizado na igreja paroquial da Vera-Cruz, tendo sido padrinho João Evangelista de Lima Vidal, tio materno, e madrinha D. Zulmira de Magalhães Lima.

(É de notar que o assento do baptismo de D. João Evangelista de Lima Vidal se encontra no livro de baptismos do ano 1886, a fl. 34, em virtude / 258 / «de rectificação d'assento de baptismo proferida pelo Excelentíssimo Prelado Diocesano, em trinta e um do mês de Julho do ano de mil oitocentos e oitenta e seis»).

Fez exame de instrução primária, de português, e de francês no Liceu de Aveiro, com boas classificações. Entrou depois, aos doze anos, para o Seminário de Coimbra, debaixo da protecção do Bispo-Conde D. Manuel Correia de Bastos Pina, onde, com a maior distinção, fez os seus estudos preparatórios. Em 1889 foi para Roma, frequentar a Universidade Gregoriana, onde se bacharelou em Direito Canónico e doutorou em Filosofia e Teologia, em 1896.

Nesse mesmo ano, a 19 de Dezembro, se ordenou de Presbítero, em Coimbra, tendo celebrado a sua primeira missa na Igreja de Jesus, em Aveiro, no dia de Natal seguinte.

Tendo regressado a Portugal foi nomeado professor de Filosofia e Dogmática Especial, no Seminário de Coimbra, e director espiritual deste mesmo estabelecimento.

Em 1901, foi nomeado Cónego honorário da Sé de Coimbra, e efectivo em 1907.

Em 30 de Abril de 1907, foi eleito Bispo de Angola e Congo por Sua Santidade PIO X, e sagrado solenemente na Sé de Coimbra em 29 de Junho deste mesmo ano por mons. Fonti, núncio apostólico em Lisboa, e Bispos assistentes D. Manuel Correia de Bastos Pina, Bispo-conde de Coimbra, e D. José Alves Mariz, Bispo de Bragança.

Em 1 de Agosto de 1909 foi para Luanda, onde chegou em 17 do mesmo mês. Regressou a Lisboa em Maio de 1914.

Em 1915 foi eleito Arcebispo de Mitilene, e nomeado depois Vigário geral do Patriarcado.

Em 1922 foi eleito Bispo de Vila Real (o primeiro desta cidade), resignando depois este cargo por ter sido nomeado Superior Geral das Missões Ultramarinas em 1931, por escolha directa de Sua Santidade Pio XI.

Nesta situação se encontrava quando foi nomeado Administrador Apostólico da restaurada diocese de Aveiro, em 24 de Agosto de 1938, de cujo cargo tomou posse em 11 de Dezembro do mesmo ano.

Das suas publicações destacam-se principalmente: Opúsculos teológicos, Sinopse da Teologia moral, Ciência divinaControvérsia dos futuríveis, Esplendores do sacerdócio, Teologia para todos; Visitas pastorais; Por terras de Angola; Teresa de Saldanha e as suas Dominicanas (1938).

Publicou ainda diversos opúsculos e discursos.

(da Redacção)

_____________________________________

(1) − O quarto Bispo eleito para a Diocese de Aveiro chamava-se D. António de Santo Ilídio da Fonseca e Silva (e não Egídio). Entrou em Aveiro no dia 16 de Outubro de 1840 e tomou posse da Diocese sem esperar a confirmação e sagração. Para sanar esta irregularidade, foi nomeado Vigário Geral da Diocese, lugar que ocupou por algum tempo. Tenho uma pastoral, impressa, deste Bispo, de 29 de Julho de 1841, assinada por ele como bispo eleito. Era irmão do antigo escrivão da câmara eclesiástica, Luís António da Fonseca e Silva, que ainda tem descendentes em Aveiro, e morava na rua de Santa Catarina, na casa hoje pertencente à família Meireles. O sucessor e último escrivão da Câmara chamava-se José Pereira de Carvalho (Biel), natural de Viso.

João José Marques da Silva Valente, o Passante, por ter tido tal cargo no convento de Santo António, onde foi frade, foi Vigário Geral, substituto, da diocese de Aveiro desde Outubro de 1869 até 15 de Agosto de 1870.  [Nota de JOSÉ FERREIRA DE SOUSA]

Página anterior

Índice

Página seguinte