A BATALHA da
Asseiceira em Maio de 1834 havia sido funesta para o exército
absolutista. As lutas fratricidas entre os partidários do regime absoluto e os do regime constitucional aqui terminaram. Nos dois campos adversos haviam caído
valorosos cidadãos e militares na defesa
de um princípio político ou no cumprimento do dever. Quantos
heróis não fizeram estes anos de luta, e quantas vítimas inocentes não
foram sacrificadas! A convenção de Évora-Monte foi o
ponto final de tão ingente e demorada luta. Aos 6 dias do mês
de Junho de 1834, D. Miguel, rei vencido, partia para o exílio.
Estavam vencedores os princípios liberais.
Os vencedores não trouxeram, porém, a Portugal o sossego
que a nação bem merecia, após tantos anos de lutas civis. D. Pedro não conseguira, após a vitória, manter unidos os seus colaboradores
da véspera.
Formou-se o partido moderado, com os amigos de D. Pedro, e
o partido
avançado. Reuniram-se as cortes no dia 15 de Agosto
de 1834, e logo os deputados formaram dois grupos: o da direita em maioria, com os partidários da
carta constitucional, outorgada
por D. Pedro em 29 de Abril de 1826, e o da esquerda. A este
pertenciam Saldanha e os Passos. Em breve se estabelecem os insultos e a desordem no parlamento. Esta desordem estender-se-ia ao país, conduzindo a nação a novas lutas entre os próprios
liberais vencedores.
Uma inovação trouxera o novo regime: uma lei de 25 de Abril de 1835
e o seu regulamento de 18 de Julho do mesmo ano dividiam o país em
dezassete distritos administrativos, cada um chefiado por um governador
civil. As vicissitudes políticas da nação e, em particular, do distrito
de Aveiro reconhecem-se
nas proclamações e outros documentos que os governadores
/ 234 /
deste distrito fizeram imprimir e circular acerca de factos importantes concernentes
ao seu cargo. Tenho presente uma colecção
destes impressos, pertencentes ao período que vai de 1835 a
1847, período agitado da vida política portuguesa por sucessivos
pronunciamentos militares. Alguns destes documentos contêm o
plano de acção dos governadores, e porque são interessantes e
raríssimos (não conheço outros), aqui os reproduzirei.
O primeiro governador civil do distrito de Aveiro foi José
Joaquim Lopes de Lima, que, ao entrar no exercício do seu cargo, fez
distribuir um manifesto datado de 16 de Setembro de
1835, e redigido nos Seguintes termos:
HABITANTES DE
AVEIRO
Ao entrar no exercício da Administração do vosso Distrito, cumpre
fazer-vos conhecer em poucas palavras o meu Credo
político-administrativo, que os factos realizarão. As minhas
atribuições são todas benéficas, e o meu esmero se empregará em
comprovar esta asserção. Nascido na classe do povo, farei por não
desmentir a minha origem, identificando-me com os interesses dos Povos,
e com as vistas benéficas do Governo. Todos os Cidadãos terão em mim um
Amigo; todas as Autoridades um Colega: ninguém descobrirá em mim um
déspota; porque a Lei irá na frente de todos os actos da minha
Administração. Firme na orbita das minhas atribuições, jamais
invadirei as alheias, nem consentirei que os meus Subalternos se
exorbitem. Ouvirei a todos, e a todos prestarei atenção, menos aos
intriguistas, que baldarão comigo as suas seduções. A rebelião e a
anarquia me encontrarão sempre vigilante; mas eu espero e desejo que a
Espada da Lei não tenha nunca de desembainhar-se. Os Amigos da Pátria
reunidos
em roda de mim me auxiliarão com suas luzes, e as Autoridades oriundas
da respeitável urna Eleitoral me farão conhecer as necessidades dos
Povos; e eu cuidarei como devo em remediá-las como Governador, ou
solicitar o remédio como Deputado. União, Patriotismo, boa fé, e
actividade incansável na marcha dos progressos, eis o que a todos pede,
o que das Autoridades exige em nome da RAINHA e da CARTA
O Governador Civil
José Joaquim Lopes de Lima
Aveiro 16 de Setembro de 1835.
Continuando as lutas no parlamento,
este foi dissolvido em
4 de Junho de 1836, e procedeu-se à eleição de outro.
No dia 9 de Setembro
deste ano, um movimento popular e
militar em Lisboa, conhecido pelo nome de Revolução de Setembro,
fez derrubar a carta constitucional, e proclamar a constituição de
1822. Caiu o ministério, e entrou Passos Manuel para o novo
governo presidido pelo conde de Lumiares, chefe da oposição
na Câmara dos Deputados. Triunfava o partido avançado. Em
virtude dos acontecimentos já não se reuniram as novas câmaras,
convocadas para 11 de Setembro. A rainha D. Maria II jurou a
constituição na Câmara Municipal de Lisboa.
Para governador civil do distrito de Aveiro foi escolhido
/ 235 /
José Henriques Ferreira de Carvalho, deputado da extrema
esquerda, emigrado liberal, e irmão de um executado pela justiça
miguelista; e para secretário geral foi nomeado o aveirense Dr. Manuel
José Mendes Leite. O novo governador civil entrou no exercício do seu
cargo em Setembro.
Em Novembro produz-se uma contra-revolução, conhecida
por Belemzada, sem efeitos práticos.
Tendo o governo feito eleições para
cortes constituintes, José Estêvão
foi um dos deputados eleitos. Em Janeiro de 1837 reúne o congresso, e,
numa das sessões, José Estêvão combate a elegibilidade dos ministros
para deputados. Assim falou:
«Senhor presidente, eu voto contra a eleição dos ministros, e para
isso tenho muitas razões. Os factos, senhor presidente, criam direitos;
a revolução de 9 de Setembro é um facto e criou seus direitos.
«Para mim depois que o grito da liberdade desse glorioso dia
ressoou uníssono por todo o país; depois que ele recebeu uma universal e
formal sanção, dois axiomas incontestáveis de direito público se
levantaram entre nós; 1.º a constituição de 23 de Setembro de 1822 é lei
fundamental do Estado; 2.º só as cortes podem nela fazer modificações.
Essa constituição determina que os ministros da coroa sejam inelegíveis
para deputados; os mesmos ministros declaram-se elegíveis por um decreto
da sua própria referenda, e depois deste decreto, e em consequência
dele, são eleitos para deputados; esta eleição para mim, é nula, porque
assenta sobre uma base de nulidade, que não pode produzir resultados de
outras espécies. A eleição vem de uma infracção; e uma infracção não dá
direitos, antes responsabilidades».
Em 5 de Abril começa a discutir-se no Congresso o projecto da
constituição, e em Julho dá-se a revolta dos marechais (Saldanha e
Terceira), para restabelecerem a carta constitucional, mas a revolta
foi sufocada, tendo no entanto havido mudança ministerial.
Em Outubro de 1837, José Estêvão não concordando com a orientação do
parlamento e do governo sobre a organização
do senado, passa à oposição. Assim escrevia José Estêvão por esta
altura, no jornal o Tempo:
«Três anos da mais dura
experiência nos convenceram que o partido da Carta não tinha uma
bandeira política, e que os seus homens se acobertavam com ela, só para
delapidar a fazenda pública. Composta dos extremos de todos os partidos,
o seu laço de união era estragar e perder. A esta grande ideia todos os
ressentimentos, todos os ódios, todas as opiniões eram sacrificadas, e
animados de um santo zelo, na grande obra de ruína do país, antigos
democratas, aristocratas do dia, absolutistas arrependidos, todos
formavam uma só irmandade. A queda da
/ 236 /
Carta choravam-na como uma terrível calamidade, só porque lhe tirou
das mãos os restos da fazenda pública».
Alguns episódios revolucionários se produziram em Março
de 1838, e por fim, no dia 3 de Abril, a rainha jurou a nova
constituição. Em Agosto fez-se a eleição de senadores e deputados, e em 9 de Dezembro abria o parlamento.
Agora veremos o manifesto que publicou o governador
civil de Aveiro, em 23 de Abril de 1838:
HABITANTES
DO DISTRICTO ADMINISTRATIVO
D'AVEIRO:
Contra minha vontade e vocação me tenho achado á testa da Administração
Geral d'este Districto desde Setembro de 1836, epocha em que as
circunstancias do Paiz me convencêrão, de que não podia com decoro
recusar o
pequeno contingente de minhas poucas forças para a coadjuvação e sustentação de uma Revolução Popular, que a Nação toda havia espontaneamente
abraçado e jurado. NaquelIa epocha se me havia feito prommessa de que,
passados dous ou tres mezes e logo que cessassem as circunstancias extraordinarias, me seria concedida a desoneração de um cargo, para o qual
(além
de exceder minhas forças) eu sentia natural repugnancia.
As novas vicissitudes porem, a travez de que tem passado incólume
aquella Revolução, obrigando-me a não insistir na pedida desoneração, me
chamárão por vezes a novos e extraordinarios trabalhos. Se destes sahi
bem
ou mal não pertence a mim julga-lo: se bem nenhuma gloria pretendo, por
que mais não fiz do que o meu dever, e se mal, sirva-me de desculpa o
arduo das circunstancias, a escassez de meios, o acanho de minhas forças
e a pureza de minhas intenções.
Com minha natural franqueza eu declarei sempre ás differentes Administrações, sob que servi, quaes erão meus principios políticos, e, com
quanto em divergencia com elIas algumas vezes, nunca a minha escusa foi
attendida. Hoje, convencido com factos de que a política da actual
Administração é inteiramente diversa da minha, julgo não dever presistir por
mais
tempo nesta Repartição; mesmo por que, estando proximas as Eleições dos
novos Representantes da Nação, não quero poder ser taxado de nellas,
como
Empregado, influir em sentido avesso ao do Governo. Sahindo porém desta
Administração eu devo satisfazer de alguma forma á grande divida em que
estou de geral reconhecimento para com todos os Povos do Districto, aos
quaes tributo os devidos louvores pelo excellente comportamento que tem
tido, e prottesto meus sentimentos de gratidão e affecto. Especialmente
a
todos os Empregados dependentes d'esta Administração, e geralmente a
todas as Authoridàdes e a todos os meus amigos Políticos eu agradeço a
prompta e sincera coadjuvação que me prestárão todas as vezes que as
circunstancias o exigirão.
Possão os Povos, que me forão confiados, ser tão contentes de minha
Administração, como eu sáio satisfeito de seu sabio comportamento. Ultimamente approveito esta occasião de rogar a todos que, fazendo nas proximas Eleições a melhor escolha de seus Representantes, hajão de affastar
da urna o meu nome, não só por que reconheço minha insufficiencia, como
por que desejo um remanso ao resto dos meus dias.
Administração Geral d'Aveiro 23 de Abril de 1838.
José Henriques Ferreira de
Carvalho.
/ 237 /
Em 1840 dominavam os cartistas. Em Fevereiro
deste ano foi dissolvido o
Parlamento, e preparou-se a eleição de 22 de Março. Foi nomeado para
administrador do distrito de Aveiro António Taveira de Carvalho Pinto de
Menezes, cartista.
Apesar das pressões dos cartistas, conseguiram ser eleitos por Aveiro
José Estêvão Mendes Leite, Rocha Colmieiro, e Pereira Brandão.
Em Dezembro de 1840 foi
este administrador exonerado,
sem deixar saudades nos seus administrados.
José Estêvão refere-se a
ele nos seguintes termos, na sessão da câmara dos deputados de 4 de Junho de 1840:
«Efectivamente, os povos
do meu distrito são os mais pacíficos, e os mais obedientes à lei; mui
poucos crimes se têm ali cometido; só ultimamente se matou um homem; tem
grande amor a seus brazões de liberdade que são maiores que em todos os
outros distritos; porque de dez indivíduos enforcados no Pôrto cinco
eram do meu distrito ou tinham lá servido; ufanos por êsses serviços,
não podem aturar uma autoridade sempre de espada à cinta, e juntando a
isto um orgulho como um hospedar da Grécia. O que é certo é que uma
autoridade, pôsto que excelente, em perdendo a confiança dos
administrados é incompatível, e torna inúteis tôdas as suas boas
qualidades.
Em tal caso está o administrador geral d'Aveiro...»(1)
Em Janeiro de 1842, efectuou-se no Porto uma revolução,
com Costa Cabral, o qual restaurou a Carta Constitucional, com
a promessa de a reformar. Costa Cabral tomou conta da pasta do reino.
Em Maio deste ano era governador civil de Aveiro José Cardoso Braga, de
quem se queixavam os setembristas aveirenses, os quais faziam guerra ao
novo governo.
Ignoro quando
este governador abandonou a chefia do distrito, mas o que
é certo é que as lutas políticas iam acesas, conforme se vê das duas
seguintes circulares, datadas de 1843, sem indicação de mês e dia, em
que o secretário do governo civil, D. J.º d'Azevedo participa que havia
pedido a demissão deste cargo para no parlamento poder combater o
Ministro do Reino:
Ill.mos Srs.
Aveiro de
de 1843.
FACTOS, que não é esta a occasião de relatar, mas de que a Nação haverá
noticia, trouxeram-me por ultimo á indestructivel convicção de que não
há moralidade admissivel em quanto o actual Ministro do Reino permanecer
â testa dos Negocios. Uma vez convencido d'esta verdade, e reconhecendo
que devia como Deputado combatê-lo no Parlamento, era forçoso
demitir-me.
/ 238 /
Assim o fiz, e lisongeio-me de que fazendo-o levo comigo uma parte
copiosa de saudade dos Cidadãos meus administrados. Muitos d'elIes,
muitos de VV. SS. me deram d'isto mesmo um inequivoco testemunho
reunindo-se espontaneamente comigo a combaterem sobre a arena eleitoral
em defesa do partido que aquelIe Ministro representa. Dignaram-se então
coadjuvar-me; dignem-se tambem hoje dar-me credito. Entre o homem e o
partido cresce de dia para dia uma barreira immensa que os separa. O
partido representa a nacionalidade, a ordem, e a justiça; o homem não
retrata senão a immoralidade, a impudencia, o patronato, e o compadrio.
− Se pois ainda em alguma occasião tivermos de reunidos pelejar em face
da Urna eleitoral, seja a divisa de VV. SS., como o será constantemente
a minha, − debellar o homem para defender o partido. − Este é o
pensamento da Nação, e este, se compraz em acreditar que o será
igualmente de todos os Cidadãos d'esse Municipio, quem présa em muito
assignar-se
De VV. SS.
Am.º e V.or Attencioso
(a) D. J.º d'Azevedo.
lIl. mos Srs. Presidente e Vereadores da Camara Municipal de
llI.mo Sr.
TODO o Cidadão se deve ao seu partido; porém mais do que a elle á
moralidade do Governo, que o representa. Quando estes dous princ!pios se
combatem é forçoso optar pelo último. O contrario seria preferir homens
a cousas, o interesse de individuos a interesses de Nação, a causa do
oppressor á defesa dos opprimidos. Convencido pois d'este axioma de
virtude cívica, assim como o estou de que não ha moralidade admissivel
em quanto o actual Ministro do Reino se conservar á testa dos negocios,
resolvi abandoná-lo como subdito, e retirar-lhe a minha confiança como
Deputado. − Dernittindo-me espontaneamente do Cargo de Secretario Geral
d'este Governo Civil, lisongeio-me de que, durante o tempo que o servi,
nem um só de VV. SS. deixou de considerar-me muito mais como um amigo,
do que como um Chefe. O Chefe desappareceu, mas o amigo continua. Alguns
houve que chegaram mesmo a cõmunicar-me a intenção em que estavam, de
conjunctamente comigo se retirarem do serviço. A estes peço que desistam
d'esse intento, e a todos em geral que, dignando-se conservar illesos os
laços d'estima que nos unem, simplesmente me permittam acreditar, que no
momento em que a Nação o reclamar não deixarão de unir os seus aos meus
esforços, e aos dos verdadeiros amigos de raiz, para que levantados como
um só homem diante da Urna eleitoral, possamos triunfantemente
convencer, não o Ministro da Coroa, nem do Estado, mas o do patronato e
compadrio, que não ha Governo sustentavel, senão o que se basêa na
Legalidade, e na justiça.
Tal é o voto, e o pensamento de quem se présa ser
De V. s.ª ,
Am.ª Affectivo e Obgd.ª
(a) D. J.º d'Azevedo.
Aveiro de
de 1843.
Para substituir
este secretário geral foi nomeado Nícolau~Anastácio de Bettencourt, por decreto de 15 de Novembro de
/ 239 /
1843, devendo exercer também, interinamente, as funções de governador
civil.
As duas seguintes circulares de
11 de Dezembro, de n.os 27 e 36, mostram
as suas intenções e desejos:
CIRCULAR N.º 36
−
1.ª Repartição.
Ill.mo Sr.
Em virtude do preceito consignado no art. 223 do Cod.
Adm.º, cabe-me
fazer as vezes de Governador Civil deste districto, ao entrar no
exercicio
do cargo de Secretario Geral, que o Governo de S. Magestade acaba de
conferir-me por Decreto de 15 de novembro ultimo.
Dirigindo a v. s. esta communicação, prevaleço-me da opportunidade para
lhe significar, que o governo domestico ou a administração mal poderá
applicar-se ao bem estar commum dos moradores, sem q haja perfeito conhecimento dos recursos, e das necessidades de todas as porções do
territorío, a q ella tem de estender a sua benefica acção.
É pois dos Magistrados e Corpos Administrativos dos concelhos, q eu
espero esclarecimentos preciosos, para me habilitarem a desempenhar a
missão que me está commettida.
V. s. collocará sem duvida o seu maior empenho, e fundará um titulo
de gloria, no exercicio util das importantes funcções q lhe estão
confiadas;
−
velando sobre a commodidade
e segurança dos seus administrados fazendo concorrer a todos para o bem da sociedade
−
expondo em quadro
fiel as suas precisões
−
e constituindo-se, como é proprio do caracter das
attribuições inherentes ao cargo que exerce, o verdadeiro bemfeitor dos
seus concidadãos.
Pela minha parte, por mui feliz me darei, se na minha zelosa dedicação
ao serviço publico, e aos melhoramentos do distr.º interinamente a meu
cargo, eu for coadjuvado, como muito confio, por todas as Auctoridades
Administrativas, dependentes do Governo Civil: porque só este leal
concurso, e a decidida boa vontade dos Agentes da administração,
poderá tornar effectiva, em grande parte, a prosperidade deste paiz, a
cujo interesse especial devemos consagrar nossos esforços.
Deus g.e v. s. Governo civil d' Aveiro
11 de dezembro de 1843.
O Secr.º Geral servindo de
Governador Civil
lll.mo Sr. Adm.or do Concelho d
(a) (N. A.
Bettencourt)
CIRCULAR N.º 27
−
1.ª Repartição.
Ill.mos Srs.
Entrando hoje no exercicio do cargo de Secretario Geral do Governo Civil
d'Aveiro, para q fui nomeado por Decreto de 15 de novembro ultimo,
cabe-me fazer as vezes de Governador Civil, conforme dispõe o art. 223
do Cod. Adm.º
Ao dirigir a vv. ss. esta communicação prevaleço-me da opportunidade
para lhes significar, q por mui feliz me darei se na minha zelosa
dedicação ao serviço publico, e aos melhoramentos do distr.º
interinamente a meu cargo, eu for coadjuvado, como espero, pelas
Corporações Municipaes, com a efficacia q deve derivar-se do patriotismo
dos seus Membros.
Só este leal concurso e a decidida boa vontade de todos os Corpos e
Auctoridades Administrativas, no mesmo sentido dirigida, poderão tornar
effectivos em grande parte, o bem estar commum dos habitantes, e a
prosperidade
/ 240 /
deste paiz, a cujo interesse especial devemos consagrar nossos esforços.
Deus g.e a vv. ss. Governo civil d'Aveiro 11 de dezembro de
1843.
O Secr.º Geral servindo de
Governador Civil
Ill.mos Srs. Presidente e Vereadores
da Camara Municipal
de (a) (N. A.
Bettencourt)
A oposição ao governo de Costa Cabral era formidável.
Em 15 de Abril de 1846 inicia-se contra ele a revolução popular, chamada revolução da Maria da Fonte.
Formaram-se juntas patrióticas por todo o país. A do
distrito de Aveiro era constituída por José Henriques Ferreira, Alberto
Ferreira Pinto Basto, e Francisco Joaquim de Castro
Côrte-Real.
O seguinte documento mostra-nos como ela foi constituída:
CIRCULAR N.º 1
Illm.º Sr.
A Junta Governativa d'este Districto organisada na conformidade da
auctorisação abaixo transcripta, participa a V. S. que se acha
installada n'esta Cidade, e nomeou para Governador Civil do mesmo
Districto ao primeiro de seus membros José Henriques Ferreira de
Carvalho, a quem V. S. deve dirigir todas e quaesquer participações.
Deus guarde a V. S. − Aveiro 21 de Maio de 1846.
«A Junta Governativa de Coimbra, delega plenos podêres no Illm.º Sr.
Antonio Augusto Coelho de Magalhães, para installar a Junta Governativa
em Aveiro, e proceder em tudo o mais como se tem feito em Coimbra.
Coimbra 18 de Maio de 1846.
José Alexandre de Campos.
Franc.º de Lemos Ramalho d'Azevedo Cout.º
Manoel Paes de, Figueiredo e
Souza.
Manoel Joaquim de Quintella Emaux.
José Maria do Casal Ribeiro.
Antonio José Maria da Costa.
Para o IlIm.º Sr. Antonio
Augusto Coelho de Magalhães.
Illm.º Sr. Presidente da Camara
Municipal de
Em 31 de Maio de 1846, esta junta publica um manifesto
em que dá a conhecer o seu ponto de vista político.
Este manifesto, já reproduzido por Marques Gomes, no seu
livro «Cincoenta anos de vida pública», era assim redigido:
A Junta Governativa do Districto d'Aveiro, reconhecendo o grande
proveito e até necessidade, que ha para se não malograrem os esforços e
sacrificio do Povo de marcharem de commum acordo todas as Juntas dos
differentes districtos na honrosa lucta em que se acham empenhadas da
liberdade e
/ 241 /
bem estar da Nação contra a tyrannia d'uma facção vil e infame, que, por
espaço de seis annos o opprimio e ludibriou; − tem a honra de se dirigir
a cada uma das Juntas dos differentes Districtos, expondo-lhe franca e
lealmente seus sentimentos, e a firme resolução em q está de os manter;
esperando de cada uma a exposição dos seus, para que marchem unanimes e
unidos em um só pensamento.
Esta Junta, zelosa pela causa do Povo, que em suas mãos depositou a
direcção e gerencia dos seus mais caros interesses, receia hoje, mais
que nunca, de seu bom exito. Diante da Nação levantada cahio a tyrannia,
e a força desapparecêo; porém uma lucta mais terrivel, por disfarçada se
lhe apresenta hoje: − as suggestões e promessas cavilosas. − Timeo
Danaos, et dona ferentes, − A causa que defendemos, e em q
nos achámos empenhados, não é uma causa de Partido, é uma causa
inteiramente Nacional, porque a facção derribada não tinha côr politica:
o predominio e o roubo eram seus unicos fins: duas palavras abrangem
todos os seus principios − MANDO E OURO. − Seus projectos diabolicos,
postos em acção por espaço de seis annos, a todos foram bem claros, e
ninguem poderá dizer de boa fé, que os 'ignorava. A Nação, opprimida e
tyrannisada, em vão reccorrêo a todos os meios, que lhe garantia a
sofismada CARTA: representou, supplicou, dêo todos os signaes de seu
descontentamento, de sua aflicção e soffrimento; mas qual foi o
resultado? Refinamento de tyrannia, requintado ludibrio! Reccorrêo
finalmente ao ultimo dos recursos: levantou-se em força, E como não ha
forças, que resistam a uma Nação decidida e unanime em sua vontade, foi
então, e só então, porque não podia deixar de ser, que seus gritos foram
ouvidos! Recorre-se porém agora, para a subjugar, ás insinuações e
promessas: − Mas são sinceras estas promessas'? Não são ellas uma
continuação do escarneo? Eis ahi na primeira organisação ministerial o
nome do presidente da facção assassina! − A pilula era grosseira, e não
podia facilmente engolir-se. − Seu nome desapparecêo da lista, e uma
recomposição se nos apresenta. Mas quaes são as garantias que nos
offerece esta nova organisação? Que nos recommenda a melodiosa e poetica
exposição do novo Ministro do Reino? Que larguemos as armas, − em quanto
que a força oppressora se conserva armada, e nas ruas assassina
diariamente os Cidadãos inermes! Que deixemos as Auctoridades, que por
acclamação elegêo o Povo, e nos entreguemos áquellas q nos havia imposto
a força! E isto para que? Para ter-mos, diz o novo Ministro, uma
representação nacional, verdadeira e sincera! Não é isto uma pura
irrizão? Pois não pode ser livre se não a eleição feita debaixo da
influencia de todas as molas da facção oppressora? Ignora alguem, como
foram levantados todos esses corpos, que se dizem de eleição popular?
Miseravel sofisma! A Nação quer garantias nas cousas e nas pessoas. É
necessario que o Povo esteja armado, ou que se desarme a força militar.
É necessário que um Congresso constituinte, filho d'eleição livre, e
desassombrada, expresse o voto Nacional. É necessario que, para isso, se
desmontem todas as rodas d'essa machina ruinosa, que, sem perder um
momento, ha seis annos se tem estado organisando. − É necessario que
seja debandado todo esse exercito de publicos empregados, antes arpias,
espalhado por todo o Reino. A Nação quer ser governada, e não
tyrannisada; quer liberdade sem excessos, mas liberdade real; quer um
Governo moral e economico, e não vê nos actos nem nas pessoas da nova
Administração sufficientes garantias. − Esta Junta tem todo o acatamento
e respeito pelo Throno, mas não quer ver polluido o mesmo Throno pela
aproximação de pessoas que o desacreditam e poem em perigo.
Aveiro 31 de Maio de 1846.
José Henriques Ferreira.
Alberto Ferreira Pinto Basto.
Francisco Joaquim de Castro Corte Real.
/ 242 /
Costa Cabral é demitido em Maio de 1846, e foge em 20
para Espanha.
Organiza-se um
governo com Saldanha e Terceira, presidido
por Palmela, político moderado.
Praticam-se abusos e violências contra os vencidos.
No distrito de Aveiro intervém o governador civil Custódio
Rebelo de Carvalho, como se vê do documento seguinte:
GOVERNO CIVIL
d' Aveiro.
Repartição
G.C.
Sendo a conservação da ordem e tranquillidade publica o objecto que em
todos os tempos deve merecer ás Autoridades maior cuidado e desvelo, por
isso que das desordens e perturbações não pode resultar senão a confusão
e anarchia, e apoz della a destruição de todos os elementos
organisadores de uma boa administração; convindo que as mesmas
Autoridades procedão sobre tão importante assumpto com o zelo,
actividade e decisão que elle demanda, sem todavia se desviarem das
regras e limites que lhes estão prescritos pelas leis e regulamentos
vigentes: chamo a attenção de V. S. e muito lhe recommendo o seguinte.
Como Administrador do Concelho, e Autoridade benefica encarregada de
proteger todos os seus moradores, V. S. tem a seu cargo o ramo de
policia, o qual deve exercer de modo que mantenha a segurança individual
e real, isto é a segurança das pessoas e das propriedades, evitando pelo
uso de uma policia preventiva bem regulada que se commettão crimes,
delictos ou contravenções, e empregando, quando se pratiquem, os meios
estabelecidos pelas leis para o descobrimento, aprehensão e castigo dos
seus authores, a fim de que a punição lhes sirva de escarmento, e de
exemplo aos outros.
Á sociedade interessa mais em que não hajão crimes, do que em que sejão
castigados depois de perpetrados, e por isso a verdadeira sciencia do
Administrador, e que deve ocupar todos os seus cuidados, consiste em
impedir por meio de medidas preventivas adequadas que aquelles se
commettão. Má idéa dá na verdade de si, e nenhuma confiança inspira, a
Autoridade policial de uma terra onde os crimes se commettem com
frequencia, embora essa Autoridade seja depois activa em procurar provas
para se formar culpa aos criminosos, e serem punidos.
A rigorosa execução das Leis e Regulamentos sobre passaportes e porte de
armas é um dos meios de evitar os crimes, e por tanto deve V. S. por si,
pelos Regedores de Parochia e Cabos de policia do seu Concelho vigiár
que não transitem por elle individuos suspeitos ou armados, que não
estiverem munidos dos competentes passaportes ou licenças, para o que é
mister também fazerem-se amiudadas visitas ás Hospedarias, Estalagens e
mais casas publicas onde se recebem viandantes, procedendo á captura
daqueles que não se acharem munidos de documentos legaes, a fim de serem
remettidos á Autoridade judicial, e castigados na conformidade das leis.
Os ultimos accontecimentos politicos dão honra á Nação pelo modo
pacifico e discreto com que se conduziram os povos, e fazem conceber
esperanças de grandes melhoramentos em todos os ramos da administração
publica; mas para elles se levarem a effeito é indispensavel que haja
socego, que se respeitem as leis, e obedeça ás Autoridades.
Durante aquelles accontecimentos, e no meio da effervescencia das
paixões, que uma Revolução sempre produz, serião desculpaveis até certo
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ponto alguns excessos da parte do povo; porem se elles não tiveram lugar
então, mal podem ou devem ser tolerados agora depois de restabelecida a
ordem e o imperio da lei.
Desgraçadamente em algumas, ainda que poucas, terras deste Districto se
tem praticado factos que pela sua natureza são altamente criminosos, e q
sendo reproduzidos podem trazer comsigo graves consequencias,
desmoralisando os póvos e accostumando-os a fazer justiça por suas
proprias mãos. Terras ha onde tem sido espancados Cidadãos e Empregados
publicos, outras onde tem sido attacada a propriedade, outras onde os
Parochos tem sido insultados e ameaçados pelos seus proprios freguezes,
e outras finalmente onde se tem pertendido exigir tumultuariamente a
restituição de contribuições já pagas, e lançadas em virtude de leis
existentes, Quaes serião as consequencias de tão funestos exemplos, se
elles não fossem stigmatizados pela sensatez da grande maioria dos pó
vos, que conhecem que nada se oppõe mais ao seu bem estar e aos seus
verdadeiros interesses do que são semelhantes excessos praticados contra
a segurança pessoal e real?
Os póvos, em geral, são dotados de uma indole pacifica, obedientes ás
leis e ás Autoridades, e por isso aquelles actos só podem ser
commettidos por alguns amotinadores ou desvairados, que julgão que na
confusão e desordem estão os elementos da felecidade publica. Para que
aquelles ou outros excessos acabem por uma vez, e não sejam repetidos em
parte alguma deste Districto, cumpre que V. S. tome no seu Concelho as
medidas preventivas que forem reclamadas pelas circunstancias; e quando
acconteça que não obstante ellas ainda sejão renovados, convem que V. S,
averigue com todo o escrupulo e a maior exactidão possivel quem sejam os
authores ou instigadores de taes attentados para proceder com esses, e
só com esses, na forma das leis, autuando-os e relaxando-os ao Poder
Judicial, a fim de serem processados e punidos como de direito for.
E porque algumas Autoridades Administrativas teem exorbitado das suas
atribuições no que toca a prisões, abusando do seu poder, e
estabelecendo conflictos com as Autoridades Judiciaes, de que tem
resultado manifestas violações das leis, e graves prejuizos ao serviço
publico, previno a V. S. que á excepção dos casos de alta traição, furto
violento ou domestico, homicídio, e levantamento de fazenda alheia, em
que pode prender, ou mandar prender sem a prévia formação de culpa, nos
outros casos só o pode fazer em flagrante delicto, entendendo-se por
este não só aquelle que se está commettendo, ou se acabou de commetter
sem intervallo algum, mas tambem o caso em que o delinquente acabando de
perpetrar o crime foge do lugar delle, e é logo continua e
sucessivamente seguido pela Justiça, ou por qualquer do povo.
Em todos os casos referidos V. S. dará parte da prisão ao Juiz
competente formando em seguida um auto de investigação dos factos, no
qual mencionará as testemunhas que os podem confirmar, e todas as
circumstancias que sirvão para esclarecer a justiça, remettendo-o com
informação sua ao Ministerio Publico, A formação daquelle auto tem
tambem lugar todas as vezes que ao seu conhecimento chegar a noticia de
qualquer crime, delicto ou contravenção, embora não tenha procedido á
prisão do seu author.
Deus guarde a V. S. Aveiro 1 d'Agosto de 1846.
O Governador Civil
(Custodio Rebello de Carvalho)
Em 6 de Outubro dá-se um golpe de estado; cai o ministério Palmela
por, imposição da rainha e de Saldanha; forma-se um governo cartista,
presidido por Saldanha que vem a conservar-se no poder até 18 de Julho
de 1849.
Os revolucionários de Maio e os seus amigos, vendo o
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caminho que os negócios políticos iam tomando, puseram-se alerta. O
Porto insurge-se no dia 9 de Outubro.
O seguinte documento mostra a disposição em que se encontravam as
autoridades administrativas:
HABITANTES DO DISTRICTO DE AVEIRO!
O pronunciamento nacional verificado no mez de Maio ultimo está
ameaçado.
Como Autoridade nomeada depois desse pronunciamento, e com elle
identificado, é do meu dever sustentá-lo.
Para o conseguir empregarei os meus esforços, e conto com a
cooperação das Autoridades e habitantes deste Districto.
A todos recommendo ordem e respeito ás leis.
Aveiro 11 d'Outubro de 1849.
O Governador Civil
Custodio Rebello de Carvalho.
Rebenta a guerra civil.
Resistem os setembristas, mas Saldanha derrota-os na acção de Torres
Vedras, em Dezembro de 1846. Em 25 de Janeiro de 1847 distribuía o
governador civil interino António Barreto Ferraz de Vasconcelos a
seguinte proclamação:
PROCLAMAÇÃO.
HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO.
O genio do mal empenhado em destruir e devastar este Reino, acaba
de descarregar sobre nós os golpes mais terriveis e desastrosos: fazendo
reviver antigos odios, accendendo de novo o quasi extincto fogo da
discordia, conseguio derramar por toda a parte os funestos effeitos da
anarquia, e o horroroso flagello da guerra civil.
No meio do conflicto de paixões mesquinhas, suscitado pelos
calculos vis de alguns ambiciosos, o povo, de quem estes se inculcavão
protectores; o povo cujos interesses e direitos fingem hypocritamente
defender; o povo que só quer paz e justiça, sem a qual não ha verdadeira
liberdade, é arrastado e illudido pelas suggestões de seus falsos
amigos, e por elles excitado a commetter excessos que repugnão ao
caracter pacifico e bondozo dos Portuguezes, ao respeito que sempre
tributárão aos seus Augustos Soberanos, e á obediencia que habitalmente
professão ás leis, e ás authoridades legitimas.
As consequencias fataes, mas inevitaveis, de tão criminosos
procedimentos ahi estão patentes, e todos nós as sentimos: eIlas
conduzirião rapidamente a Nação a um profundo abismo, se a mão poderoza
e bemfazeja da nossa Augusta Rainha não a sustivesse á borda do
precipicio.
Animada dos heroicos sentimentos que abriga em seu maternal
coração, desenrolou a nossa gloriosa bandeira que tem por divisa −
RAINHA E CARTA − e chamando em defeza d'este sagrado paladio de nossas
liberdades todos os Portuguezes amigos do Throno e da ordem legal,
comprehendêo todo o programma do seu Governo em duas unicas palavras −
justiça e dever. −
Habitantes do Districto d'Aveiro, os votos e os desejos da nossa
Augusta
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Soberana não podem nem devem ser desattendidos; sua voz maternal ha-de
encontrar echo no coração dos verdadeiros Portuguezes; os homens probos
e honestos de todos os partidos, excitados pelo sincero amor da patria,
hão de formar uma barreira invencivel contra os excessos de anarquia, e
contra as violencias do despotismo: é tempo de terminar: por uma vez os
malles que opprimem a Nação, e que ameação destruir todos os vinculos
sociaes: sacrifiquemos no altar da patria nossos odios, nossas
vinganças, e nossas miseraveis ambições, origem funesta de nossas fataes
discordias: respeitemos o imperio dos factos consumados, e 'seguindo com
prudencia a marcha lenta, mas progressiva, do tempo, não queirâmos fazer
reviver as opiniões e idéas do passado, nem antecipar precipitadamente
as do futuro.
Aveirenses, dai credito ás minhas palavras, e não menos aos meus
dezejos e boas intenções: nascido e creado entre vós, ligado a este
Districto pelos vinculos do parentesco, de amizade, e até pelos meus
particulares interesses, tenho direito a merecer a vossa confiança; sem
esta, mal poderei desempenhar a importante commissão de que Sua
Magestade Houve por bem encarregar-me, e que eu acceitei porque não
costumo desobedecer ás Suas Reaes Determinações; por que nas
circumstancias em que nos achâmos, não devia recuzar o fraco contingente
dos meus serviços a bem da causa publica, e finalmente por que julguei
que me seria possivel fazer algum beneficio aos meus patricios, e á
terra em que nasci. Vós conheceis os principios que professo, sabeis que
detesto as violencias e as injustiças, seja qual fôr a sua origem, e os
seus authores: ainda não ha muitos mezes que a minha voz se levantou no
Parlamento para censurar os excessos commettidos n'esta Cidade; conforme
estes mesmos principios respeito e tolero todas as convicções sinceras,
bem como todas as opiniões, em quanto estas não se manifestão por factos
que ataquem ou compromettão a segurança publica; mas se os meus dezejos
e inclinação me excitão a proteger e defender os innocentes e opprimidos,
os deveres do meu cargo me impõem a obrigação de promover o justo
castigo dos opressores e criminosos: estes deveres hei-de eu
religiozamente cumprir: a impunidade dos delictos é também um delicto,
de que são responsáveis as Authoridades, a quem a lei impõe a obrigação
de os prevenir e castigar; pela minha parte farei, quanto em mim coubér,
para não incorrer n'essa responsabilidade, outro tanto espero que todas
as Authoridades d'este Districto, e será sempre com a maior satisfação
que eu me apressarei a levar ao conhecimento de Sua Magestade, a certeza
de que, por effeito do fiel desempenho de seus deveres, em todo elle se
acha completamente restabecido o imperio da lei, mantida a ordem e a
tranquilidade publica.
Aveiro 25 de Janeiro de 1847.
O Conselheiro António Barreto Ferraz de Vasconcellos −
Governador Civil interino.
Em virtude da intervenção
estrangeira, a guerra civil termina com a convenção de Gramido de 29 de
Junho de 1848 em que cartistas e constitucionais se congraçaram,
continuando Saldanha no poder até 18 de Julho de 1849.
Aveiro, 18 de
Agosto de 1937.
FRANCISCO FERREIRA NEVES
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