Conde da Borralha, Águeda. Subsídios para a sua história, Vol. 2, pp. 231-235.

ÁGUEDA

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DE AVEIRO DESDE O SÉC. XV

V

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SOB o título de 1.ª Comunicação Lourenço Anes de Morais e uma parte da sua descendência enviámos, em 30 de Maio de 1921, ao Instituto Etnológico da Beira, o estudo que a seguir publicamos e a que nos vemos obrigados a dar a primazia antes de outro sobre Aveiro, no tempo do Prior do Crato, que a seguir publicaremos.

Lourenço Anes de Morais deve ter nascido em fins do século XIV, ou, quando muito, na primeira década do século XV; porque duma escritura, cujo original se encontra no arquivo da Casa da Borralha, consta que João Colaço e sua mulher Constança Lourenço, moradores no burgo de Águeda, venderam ao mesmo Lourenço Anes de Morais e a sua mulher Isabel Fernandes, moradores na villa dauejro, em 26 de Outubro de 1432, a «Seyshoa das azenhas e pisam e vinhas e debessa que nos auemos nas azenhas da Borralha».

Esta Isabel Fernandes era filha de Fernão Gonçalves da torre, segundo se conclui da pública forma que mandou tirar Simão Fernandes de Carvalho, no ano de 1596, (doc. do Arq. da C. da B.) de uma certidão de uma verba do tombo do concelho de Recardães, em 23 de Março de 1460, onde se diz que Lourenço Anes de Morais, escudeiro do Infante D. Henrique, «traz duas azenhas e um pisam na Borralha, que os ouve por morte de fernão Gonçalves da torre seu sogro e delle por compra», o qual Fernão Gonçalves foi vassalo de El-rei D. João I, porque o era em 29 de Novembro de 1339, conforme se vê numa procuração feita em Aveiro, onde morava, (documento do Arq. da C. da B;) que passou a seu sobrinho Martin Anes, morador / 232 / e tabelião na mesma Vila, para tomar posse «e corporal possysom da mjnha azenha da borralha termo de Recardaaes com todas ssas perteenças a qual zenha a mjm ffoy dada e outorgada em casamento per lourenço anes meu sogro segundo se melhor contem em Scriptora publica que delo tenho.»

Este Lourenço Anes era pois o avô materno de Isabel Fernandes cujo pai, Fernão 'Gonçalves, devia ser pessoa de qualidade, porque era vassalo, ou então se teria a si próprio honrado por feitos ou serviços à causa do mestre de Avis para alcançar tal dignidade. Difícil é julgar naquela época as pessoas pelos seus cargos. Até ao fim do reinado de D. Pedro I (1367) só aos fidalgos de linhagem era dado este título que correspondia a certas quantias que recebiam em troca do serviço militar, mas em 1408 já os havia da classe burguesa e posteriormente a instituição por tal forma se vulgarizou que até sapateiros e barbeiros eram vassalos de El-rei nos meados do século XV, posto que os houvesse ainda de boa linhagem. (Elucidário, ou GAMA BARROS na História da Administração Pública, 1.º VoI. pág. 409.

Não podemos pois julgar com segurança se se trata de um fidalgo, mas temos, pelo que fica dito, motivos para supor que pelo menos seria pessoa merecedora de distinção.

De seu genro, Lourenço Anes de Morais, não sabemos o papel que representou na questão palpitante da época, tão delicada para os fidalgos e homens bons desta região, que levou à tragédia de Alfarrobeira as duas mais generosas e espiritualmente alevantadas figuras da Cavalaria medieval portuguesa o Duque de Coimbra e o Conde de Avranches; mas o não encontrarmos carta de perdão, e o facto de, com a designação de criado e escudeiro do Infante D. Henrique, lhe ser concedida, a 22 de Fevereiro de 1451, carta de vedor das obras dos muros de Aveiro, (Chancel. de El-rei D. Afonso V, liv. 37, folha 60 v.º) devendo somente obedecer ao conde de Odemira, e a 14 de Abril do dito ano lhe ser feita mercê do foro de umas vinhas e casas em Recardães «pellos serviços feitos»; e logo, 6 dias depois, carta de Vedor dos Vassalos de Aveiro «como ataa qi fora» (Ibidem liv. II, fI. 21 e fI. 61) leva-nos a crer que ou estaria do lado do Rei ou, com maior probabilidade, se teria abstido de entrar na contenda, seguindo nisso o Infante de cuja criação era.

Do zelo com que exerceu o cargo poderá julgar-se pelo incidente que passo a relatar.

Durante a regência do Infante D. Pedro se determinara que cada um dos moradores do concelho de Carvalhais pagasse em cada ano «tres quarteiros de call» para as obras dos muros da Villa «da aveiro» , e sendo necessário aos mesmos moradores fazer uma ponte no termo da dita terra, para serventia dela e com «aprazimento» do Infante, no que gastaram um ano, se resolveu este a desobrigá-los por seis meses desse pagamento, / 233 / ficando eles a dever os outros seis meses. Em 1 de Março de 1451, vieram os mesmos pedir ao rei para estes últimos seis meses lhe serem relevados em virtude de os haver constrangido a pagar o Vedor Lourenço Anes de Morais, o qual apenas sete dias antes fora nomeado para este cargo. (Chancel. de D. Afonso V, liv.º II, fl. 4 v.º).

Quanto tempo viveu depois de 23 de Março de 1460, última data em que dele temos notícia, não o sabemos.

Em 21 de Outubro de 1508 «em o lugar da Boralha terra do Senhor Nuno Martins da Sjllveira ffidalgo da Cassa deI Rey nosso Senhor e do sseu consselho antre as portas das azenhas de ssoejro de moraes estãdo hy (ho) homrado Marty Anes Jujz ordenarjo por EI Rey nosso Senhor em o dito loguo e concelho de Recardaes perante elle em pressença de my tabelliam e das testemunhas adiante espritas cõpareceu Lourenço Anes de Moraes ffilho do dito Ssoejro de Moraes, Senhorio das ditas azenhas»,... (doc. do A. da C. da B.) o qual vinha requerer para lhe serem entregues as mesmas azenhas pelo facto do moleiro Afonso Pires ter fugido, deixando de pagar as pensões que montavam a oitenta alqueires de trigo e centeio, e 13 almudes de vinho e de «correger» as azenhas ao ponto das casas se encontrarem em ruína.

A repetição do nome, a posse da mesma propriedade, levam-nos à conclusão de se tratar dum neto daquele Vedor, o qual deveria ter de 30 para 40 anos ao tempo.

Dele nada sabemos. Em 11 de Maio de 1513 «em ho lugar dageda termo da vjlla daveyro terra e vjlla e jurdiçam do senhor Conde de faram dentro em as pousadas de mjm tabaliam Em minha presença e das testemunhas ao diante nomeadas pareceram hj a saber Joam Pjrez molleyro dazenha da borralha termo do Concelho de requardães com sua molher hjsabel aIvez ambos presentes e lloguo per elles foy dicto e que asy hera verdade que elles traziam e pessujam as ditas azenhas da borralha e arrotas e pertenças todo instetuhjdo no dicto lugar da borralha as quais azenhas e pertenças e arrotas heram de Joam Roiz escudeiro morador no casahjnho debajxo que presente estava de sua molher fjllipa de Moraes nam presente» as quais possuíam por título de prazo; e por as não poderem repartir e deverem certas pensões, nos senhorios as renunciavam.

O facto de terem decorrido só 4 anos e meio e de se tratar de uma pessoa casada, nos faz supor que esta Filipa seja irmã do segundo Lourenço Anes de Morais.

Em virtude das manifestas irregularidades que se revelam na administração dos prédios que João Roiz possuía, o que claramente se deduz dos dois documentos acima citados, este naturalmente se resolveu a ir viver para a Borralha, onde melhor poderia cuidar dos seus interesses, e de facto aí o vimos encontrar no ano de 1523 quando a 8 de Março lhe foi concedida / 234 / carta de Contador lnquiridor e Distribuidor do Almoxarifado de Aveiro. (Chancel. D. João III, liv. 3.º, fI. 26).

Dele se sabe que faleceu antes de 1522, porque duma carta concedendo o mesmo oficio a Aires de Pinho, escudeiro e morador em Avelãs de Caminho, em 11 de Janeiro de 1554, consta que «...por morte de João Roiz morador na Borralha ficaram vagos os oficios de contador e enqueredor e destribuidor dos concelhos das Villas davellans de Caminho e de Cima do conº de Ferreiros e do Conº São Lourenço e do Concº de São galhos e Oliveira dobairo e do Concelho de Barro e Auguada de Cima e Anadia... nos quaes Conselhos haveria quatro centos Vizinhos pouco mais ou menos e o Anno de cinquenta dois o Corregedor da Comarca de Coimbra fora fazer correição nos ditos conselhos e que os moradores cada hü em seus concelhos se queixarão ao dito Corregedor dizendo que nos ditos Concelhos não havia enqueredor nem destribuidor nem Contador soomente que os tabelliães contavam os feitos huns aos outros o que era muito prejuizo das partes por levarem mais do que se lhes montava» em virtude do que o dito Corregedor passou uma provisão dos ditos ofícios ao referido Aires de Pinho. (Chancel. D. João III, liv.º 53, fl. 3). No testamento que fez em 1580 (doc. do Arq. da C. da B.) Antónia de Morais, que foi Senhora das azenhas da Borralha, a qual primeiro foi casada com um mestre de obras de Lisboa, cavaleiro da Ordem de Cristo, cujo nome nos é desconhecido, e posteriormente o veio a ser com Simão Fernandes de Carvalho (antes de 1568, prazo da fonte Branca, doc. do Arq. da C. da B.) que nomeia seu herdeiro, se declara ser irmã de João de Andrade, o qual era escudeiro e filho de João Rodrigues de Andrade, senhorio das mesmas azenhas que devia ser o João Raiz de quem acima se fala. O facto de não aparecer o apelido de Andrade nos documentos das chancelarias, nada quer dizer, por que em geral só costumavam usar-se os patronímicos.

Antónia de Morais, devia ter idade para ser filha do primeiro João Roiz, e demais seu irmão João de Andrade já era casado em 1548 com Maria Vinguas. Dois homens do mesmo nome e do mesmo patronímico não é natural que fossem ao mesmo tempo senhores da mesma coisa; além de que, o uso do apelido Morais em Antónia e em outro seu irmão de nome Cristóvão, é concludente, porque não lhe provindo do pai, que era Andrade, certamente lhe provinha da mãe, a qual, para nos tirar as últimas dúvidas, ela dá a entender que era de' Aveiro, pois lhe deseja trasladar os ossos para a capela de St.ª Catarina da mesma Vila.

Para melhor compreensão apresentamos o seguinte esquema:
/ 235 /

Esta Antónia de Morais, pelo seu testamento, documento muito interessante, digno de ser publicado, e com muita clareza escrito por seu confessor António Lemos, prior de Recardães, deixa entrever que era uma viúva rica que não sabia escrever, casada com um homem, mais novo do que ela, a quem deixou seus bens, cuja posse procurou por todos os meios legais garantir, quer alardeando benefícios em contraposição a imaginárias alegações futuras de seu irmão Cristóvão, que lhe doara a sua fazenda, quer legando dez mil réis de esmola a seu irmão João, com expressa condição de não disputar a herança.

Daqui resulta, de duas coisas, uma: ou ter nos seus pouca confiança, ou estar pouco segura da legitimidade moral das próprias disposições.

Não houve descendência deste casamento; mas Simão Fernandes de Carvalho, cuja larga vida (1530-1618) é cheia de incidentes que sobremaneira interessam ao estudo da região, curioso é que, por um segundo casamento, se encontra de novo ligado a Aveiro na época das aventuras do Prior do Crato, através de alguém que nela exerceu preponderância e cujos feitos, embora detalhada mente se encontrem registados nas Chancelarias, ainda são ignorados dos historiógrafos.

Deixemos porém este caso para matéria de novo estudo.

CONDE DA BORRALHA

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