SOB o título de
1.ª Comunicação
− Lourenço Anes
de Morais e uma parte da sua descendência
− enviámos, em
30 de Maio de 1921, ao Instituto Etnológico da Beira, o estudo que a
seguir publicamos e a que nos vemos obrigados a dar a primazia antes de
outro sobre Aveiro, no tempo do Prior do Crato, que a seguir
publicaremos.
Lourenço Anes
de Morais deve ter nascido em fins do século XIV, ou, quando muito, na
primeira década do século XV; porque duma escritura, cujo original se
encontra no arquivo da Casa da Borralha, consta que João Colaço e sua
mulher Constança Lourenço, moradores no burgo de Águeda, venderam ao
mesmo Lourenço Anes de Morais e a sua mulher Isabel Fernandes, moradores
na villa dauejro, em 26 de Outubro de 1432, a «Seyshoa das azenhas e
pisam e vinhas e debessa que nos auemos nas azenhas da Borralha».
Esta Isabel Fernandes era filha de Fernão Gonçalves da torre, segundo se
conclui da pública forma que mandou tirar Simão Fernandes de Carvalho,
no ano de 1596, (doc. do Arq. da C. da B.) de uma certidão de uma verba
do tombo do concelho de Recardães, em 23 de Março de 1460, onde se diz
que Lourenço Anes de Morais, escudeiro do Infante D. Henrique, «traz
duas azenhas e um pisam na Borralha, que os ouve por morte de fernão
Gonçalves da torre seu sogro e delle por compra», o qual Fernão Gonçalves foi vassalo de El-rei D. João I, porque o
era em 29 de Novembro de 1339, conforme se vê numa procuração feita em
Aveiro, onde morava, (documento do Arq. da C. da B;) que passou a seu
sobrinho Martin Anes, morador
/ 232 / e tabelião na mesma Vila, para tomar posse «e corporal possysom da
mjnha azenha da borralha termo de Recardaaes
com todas ssas perteenças a qual zenha a mjm ffoy dada e outorgada em
casamento per lourenço anes meu sogro segundo se melhor contem em
Scriptora publica que delo tenho.»
Este Lourenço Anes era pois o avô materno de Isabel Fernandes cujo pai, Fernão 'Gonçalves, devia ser pessoa de qualidade, porque era vassalo, ou então se teria a si próprio honrado por
feitos ou serviços à causa do mestre de Avis para alcançar tal
dignidade. Difícil é julgar naquela época as pessoas pelos seus cargos.
Até ao fim do reinado de D. Pedro I (1367) só aos fidalgos de linhagem
era dado este título que correspondia a certas quantias que recebiam em
troca do serviço militar, mas em 1408 já os havia da classe burguesa e
posteriormente a instituição por tal forma se vulgarizou que até
sapateiros e barbeiros eram vassalos de El-rei nos meados do século XV,
posto que os houvesse ainda de boa linhagem. (Elucidário, ou GAMA
BARROS na História da Administração Pública, 1.º VoI. pág. 409.
Não podemos
pois julgar com segurança se se trata de um fidalgo, mas temos, pelo que
fica dito, motivos para supor que pelo menos seria pessoa merecedora de distinção.
De seu genro, Lourenço Anes de Morais, não sabemos o papel que
representou na questão palpitante da época, tão delicada para os fidalgos e homens bons desta região, que levou à
tragédia de Alfarrobeira as duas mais generosas e espiritualmente alevantadas figuras da Cavalaria medieval portuguesa
−
o Duque de Coimbra
e o Conde de Avranches; mas o não encontrarmos carta de perdão, e o facto de, com a designação de
criado e escudeiro do Infante D. Henrique, lhe ser concedida, a 22 de
Fevereiro de 1451, carta de vedor das obras dos muros de Aveiro, (Chancel.
de El-rei D. Afonso V, liv. 37, folha 60 v.º) devendo somente obedecer
ao conde de Odemira, e a 14 de Abril do dito ano lhe ser feita mercê do
foro de umas vinhas e casas em Recardães «pellos serviços feitos»; e
logo, 6 dias depois, carta de Vedor dos Vassalos de Aveiro «como ataa qi
fora» (Ibidem liv. II, fI. 21 e fI. 61) leva-nos a crer que ou estaria do
lado do Rei ou, com maior probabilidade, se teria abstido de
entrar na contenda, seguindo nisso o Infante de cuja criação era.
Do zelo com que exerceu o cargo poderá julgar-se pelo incidente que
passo a relatar.
Durante a regência do Infante D. Pedro se determinara que cada um dos
moradores do concelho de Carvalhais pagasse em cada ano «tres quarteiros
de call» para as obras dos muros da Villa «da aveiro» , e sendo
necessário aos mesmos moradores fazer uma ponte no termo da dita terra,
para serventia dela e com «aprazimento» do Infante, no que gastaram um
ano, se resolveu este a desobrigá-los por seis meses desse pagamento,
/ 233 / ficando eles a dever os outros seis meses. Em
1 de Março de
1451, vieram os mesmos pedir ao rei para estes últimos seis
meses lhe serem relevados em virtude de os haver constrangido a pagar o Vedor Lourenço Anes de Morais, o qual apenas
sete dias antes fora nomeado para este cargo. (Chancel. de D.
Afonso V, liv.º II, fl. 4 v.º).
Quanto tempo viveu depois de 23 de Março de 1460, última data em que dele temos notícia, não o sabemos.
Em 21 de Outubro de 1508 «em o lugar da Boralha terra
do Senhor Nuno Martins da Sjllveira ffidalgo da Cassa deI Rey
nosso Senhor e do sseu consselho antre as portas das azenhas
de ssoejro de moraes estãdo hy (ho) homrado Marty Anes Jujz
ordenarjo por EI Rey nosso Senhor em o dito loguo e concelho
de Recardaes perante elle em pressença de my tabelliam e das
testemunhas adiante espritas cõpareceu Lourenço Anes de Moraes ffilho do dito Ssoejro de Moraes, Senhorio das ditas azenhas»,... (doc. do A. da C. da B.) o qual vinha requerer para
lhe serem entregues as mesmas azenhas pelo facto do moleiro Afonso Pires ter fugido, deixando de pagar as pensões que
montavam a oitenta alqueires de trigo e centeio, e 13 almudes
de vinho e de «correger» as azenhas ao ponto das casas se encontrarem em
ruína.
A repetição do nome, a posse da mesma propriedade, levam-nos à conclusão de se tratar dum neto daquele Vedor, o
qual deveria ter de 30 para 40 anos ao tempo.
Dele nada sabemos. Em 11 de Maio de 1513 «em ho lugar
dageda termo da vjlla daveyro terra e vjlla e jurdiçam do senhor Conde de faram dentro em as pousadas de mjm tabaliam
Em minha presença e das testemunhas ao diante nomeadas pareceram hj
−
a saber
− Joam Pjrez molleyro dazenha da borralha termo do Concelho de requardães com sua molher hjsabel aIvez ambos presentes e lloguo per elles foy dicto e que asy hera
verdade que elles traziam e pessujam as ditas azenhas da borralha e arrotas e pertenças todo instetuhjdo no dicto lugar da
borralha as quais azenhas e pertenças e arrotas heram de Joam
Roiz escudeiro morador no casahjnho debajxo que presente estava de sua molher fjllipa de Moraes
nam presente» as quais
possuíam por título de prazo; e por as não poderem repartir e
deverem certas pensões, nos senhorios as renunciavam.
O facto de terem decorrido só 4 anos e meio e de se tratar
de uma pessoa casada, nos faz supor que esta Filipa seja irmã
do segundo Lourenço Anes de Morais.
Em virtude das manifestas irregularidades que se revelam
na administração dos prédios que João Roiz possuía, o que claramente se deduz dos dois documentos acima citados,
este naturalmente se resolveu a ir viver para a Borralha, onde melhor
poderia cuidar dos seus interesses, e de facto aí o vimos encontrar
no ano de 1523 quando a 8 de Março lhe foi concedida
/ 234 / carta de Contador lnquiridor e Distribuidor do Almoxarifado
de Aveiro. (Chancel. D. João III, liv. 3.º, fI. 26).
Dele se sabe que faleceu antes de 1522, porque duma carta
concedendo o mesmo oficio a Aires de Pinho, escudeiro e morador em Avelãs de Caminho, em
11 de Janeiro de 1554, consta
que «...por morte de João Roiz morador na Borralha ficaram
vagos os oficios de contador e enqueredor e destribuidor dos
concelhos das Villas davellans de Caminho e de Cima do conº
de Ferreiros e do Conº São Lourenço e do Concº de São galhos e Oliveira dobairo e do Concelho de Barro e Auguada de
Cima e Anadia... nos quaes Conselhos haveria quatro centos
Vizinhos pouco mais ou menos e o Anno de cinquenta dois o Corregedor da
Comarca de Coimbra fora fazer correição nos
ditos conselhos e que os moradores cada hü em seus concelhos
se queixarão ao dito Corregedor dizendo que nos ditos Concelhos não havia enqueredor nem destribuidor nem Contador
soomente que os tabelliães contavam os feitos huns aos outros
o que era muito prejuizo das partes por levarem mais do que
se lhes montava» em virtude do que o dito Corregedor passou
uma provisão dos ditos ofícios ao referido Aires de Pinho.
(Chancel. D. João III, liv.º 53, fl. 3). No testamento que fez em
1580 (doc. do Arq. da C. da B.) Antónia de Morais, que foi Senhora das azenhas da Borralha, a qual primeiro foi casada com
um mestre de obras de Lisboa, cavaleiro da Ordem de Cristo,
cujo nome nos é desconhecido, e posteriormente o veio a ser
com Simão Fernandes de Carvalho (antes de 1568, prazo da
fonte Branca, doc. do Arq. da C. da B.) que nomeia seu herdeiro, se
declara ser irmã de João de Andrade, o qual era escudeiro e filho de João Rodrigues de Andrade, senhorio das mesmas
azenhas que devia ser o João Raiz de quem acima se fala. O
facto de não aparecer o apelido de Andrade nos documentos
das chancelarias, nada quer dizer, por que em geral só costumavam usar-se os patronímicos.
Antónia de Morais, devia ter idade para ser filha do primeiro João Roiz, e demais seu irmão João de Andrade já era
casado em 1548 com Maria Vinguas. Dois homens do mesmo
nome e do mesmo patronímico não é natural que fossem ao
mesmo tempo senhores da mesma coisa; além de que, o uso do apelido Morais em Antónia e em outro seu irmão de nome
Cristóvão, é concludente, porque não lhe provindo do pai, que
era Andrade, certamente lhe provinha da mãe, a qual, para nos
tirar as últimas dúvidas, ela dá a entender que era de' Aveiro,
pois lhe deseja trasladar os ossos para a capela de St.ª Catarina da mesma Vila.
Para melhor compreensão apresentamos o seguinte esquema:
/ 235 /
Esta Antónia de Morais, pelo seu testamento, documento
muito interessante, digno de ser publicado, e com muita clareza
escrito por seu confessor António Lemos, prior de Recardães,
deixa entrever que era uma viúva rica que não sabia escrever, casada com
um homem, mais novo do que ela, a quem deixou
seus bens, cuja posse procurou por todos os meios legais garantir, quer alardeando benefícios em contraposição a imaginárias alegações futuras de seu irmão Cristóvão, que lhe doara a sua
fazenda, quer legando dez mil réis de esmola a seu irmão
João, com expressa condição de não disputar a herança.
Daqui resulta, de duas coisas, uma: ou ter nos seus pouca
confiança, ou estar pouco segura da legitimidade moral das próprias disposições.
Não houve descendência deste casamento; mas Simão Fernandes de Carvalho, cuja larga vida (1530-1618) é cheia de
incidentes que sobremaneira interessam ao estudo da região,
curioso é que, por um segundo casamento, se encontra de novo ligado
a Aveiro na época das aventuras do Prior do Crato, através de alguém que
nela exerceu preponderância e cujos feitos, embora detalhada mente se
encontrem registados nas Chancelarias, ainda são ignorados dos
historiógrafos.
Deixemos porém
este caso para matéria de novo estudo.
CONDE DA
BORRALHA
Continua no vol. III, pág.
105
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