Francisco Ferreira Neves, Vale de Maceira e Pero Maceira, em Aveiro, Vol. 1, pp. 321-323

VALE DE MACEIRA E PERO MACEIRA

EM AVEIRO

 [ VoI. I N.º 4 1955]
Publicou O Arquivo do Distrito de Aveiro, na sua pág. 78, um documento do ano de Cristo de 1459, em que o rei D. Afonso V autorizava o padre Fernão de Sá a concluir uma marinha de sal, e dispor dela livremente. Esta salina estava situada, segundo o documento, no sítio chamado Pero Maceira, termo da vila de Aveiro.


Uma cota do século XVIII, lançada no verso do documento, indicava que este se referia a uma marinha situada em Vale de Maceira, e levava à conclusão de que Vale de Maceira era a mais recente designação do lugar de Pero Maceira. Mas no referido artigo perguntava-se ainda:
Que outro lhe corresponde na actualidade? Onde ficava, afinal, a marinha do P.e Fernão Sá?


E convidavam-se os leitores do Arquivo a esclarecer o caso.


Os Ex.mos Srs. Dr. João Martins da Silva Marques e Padre Miguel de Oliveira, amigos dedicados desta revista, aos quais nesta ocasião presto as minhas homenagens, apressaram-se a fornecer alguns elementos que esclarecessem o assunto.

Também eu tentei colher elementos que contribuíssem para a solução do problema, e bem feliz fui porque o resolvi completamente.


Como a marinha do P.e Fernão de Sá estava no termo de Aveiro, lembrei-me de que no Tombo da Casa de Aveiro (Ducado), existente na Direcção de Finanças de Aveíro, houvesse alguma referência ao lugar de Pero Maceira. E lá estava. A páginas 125 verso do tomo I, deparei com o seguinte título:


Auto de demarcação e medição entre as villas de Aveiro e a de Arada que começa no sítio chamado P.º Masseira por Bayxo da lrmida do Apóstolo Santiago donde se Diviza a demarcação
/ 322 / da extremadura dos termos e Jurisdições das ditas villas de Arada e o de Avr.º.


Este auto tem a data de 6 de Julho de 1690. Só pelo título conjecturei a posição do sítio de Pero Maceira, pois que ainda hoje existe a capela de Santiago. Mas a sorte bafejava-me, pois o auto chamava ao sítio Porto de Pero Masseira. Tratava-se, portanto, de uma zona alagada e funda da Ria de Aveiro, compreendida entre o terreno de Verdemilho, pertencente então ao concelho de Arada, hoje extinto, e o terreno de Santiago, já então, como hoje, pertencente ao concelho de Aveiro.

Vejamos o passo do auto que se refere ao caso:


«Logo os ditos louvados declararaõ que neste sitio do Porto de Pero Masseira adonde estavaõ umas estacas de Pinho antigas e donde estava o passadouro da gente que vem de llhauo e uerdemilho para as marinhas se fixasse um Marco como com efeito se fixou o qual he de pedra branca de outil e tem as quinas Reais uiradas digo Riais na frontaria entre o norte e o nassente virada para a villa de Aveiro e as costas uiradas para o Mar e com o hombro esquerdo vay ferindo entre as Marinhas que he a que fica da banda do Mar do conde de Miranda Marqués de Arronches que tem uinte e sinco Meyos e esta fica na partilha de Arada de sorte que pella traue della vay dereito ao beio das Marinhas das freiras de Jesus que pertencem a villa de Aueiro cujo esteiro se chama a vea de Arada e desta marinha para a banda de Aveiro fica a Marinha que he dos herdeiros de Nicullao Ribeiro picado que confina com os sobreditos uinte e sinco Meyos da do dito Marques de Arronches e esta dos herdeiros de Niculao Ribeiro Picado fica no termo da dita villa de Aveiro e o dito Marco com o hombro dereito fica virado para Verdemilho e delle cordiando para a banda do dito lugar pello Muro da Marinha tem doze varas athe a agoa do passadouro e dahy indo com a cara dereita para a villa de Aueiro por sima do entre val da Marinha dos ditos herdeiros de Niculau Ribeiro picado e no fim a sessenta e huma varas que todas são de sinco palmos de medir panno declararaõ se fixasse outro Marco.»


Está, portanto, perfeitamente determinada a situação do porto de Pero Maceeira, cerca de um quilómetro ao sul do jardim público de Aveiro, outrora alameda de Santo António.

Mas que relação haverá entre o Pero Maceeira ou Pero Macejra, e o Vale de Maceira?


É que o porto de Pero Maceira fica na embocadura de um vale que corre leste-oeste, e daqui designar-se o vale pelo nome do antigo senhorio daquela parte da ria: Pedro de Maceeira.

Só me restava averiguar qual a designação actual do sítio em questão. Por isso, lido o auto, dirigi-me ao sítio de Santiago, / 323 / à beira das marinhas do tal porto, e aí, perguntando a um marnoto se conhecia o sítio de Pero Maceira, respondeu-me, corrigindo-me: a Prumaceira, a Prumaceira, e de facto é assim que toda a gente chama ao local. Vi, imediatamente, que esta Prumaceira era nem mais nem menos que o Pero Maceira, de que já se havia perdido o primitivo significado. E indicou-me a Pero Maceira, que é uma grande praia produtora de moliço, que por não ser apanhado já há tempo, bem se descobria à tona de água.


Fica esta praia situada um pouco ao sul do esteiro da ponte de S. Pedro, e ao norte do esteiro do Eirô.


O antigo porto de Pero Maceira do século XV abrangia portanto a actual praia deste nome, onde se fizeram salinas, entre as quais figura a do clérigo Fernão de Sá, feita em 1459.

Esta praia, segundo o meu informador, era há algumas dezenas de anos mais funda do que é hoje, pois lá pescavam ao botirão. Ela pertence actualmente a diversos: a parte do norte pertence aos herdeitos do Dr. Egberto de Mesquita; a do sul pertence a João Casal, de Aradas; a do nascente pertence à casa Maia Alcoforado, de Ílhavo, e herdeiros do Dr. Casimiro Barreto Ferraz Sachetti, e pertenceu também ao falecido Dr. Manuel Maria da Rocha Madahil, assim se justificando a existência do pergaminho de 1459 no arquivo da sua casa.


Mas não terminaram aqui as minhas investigações.

Passados dias, tendo voltado a examinar o arquivo da Direcção de Finanças, encontrei um pergaminho com a escritura de venda de uma marinha de fazer sal, do mesmo P.e Fernão de Sá, que ele tinha no lugar de Pero Maceira, no termo da vila de Aveiro, e que vendeu por 110 mil reais brancos, em 16 de Maio de 1462, a Dona Micia Pereira, viúva de Martim Mendes Berredo, e uma das fundadoras do mosteiro de Jesus de Aveiro, autorizado por bula de Pio II de 1461.


A escritura de venda menciona as confrontações da marinha, que são outras marinhas e a cale de Arada (call darada), que não é senão a veia de Arada a que se refere o passo do . auto que atrás transcrevemos. Parece, portanto, que a marinha vendida em 1462, para as religiosas do mosteiro de Jesus, por Fernão de Sã, é a marinha feita por este em 1459.


Aveiro, 7 de Novembro de 1935.

F. FERREIRA NEVES

 

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