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VoI. I
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N.º 4
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1955]
Publicou O Arquivo do Distrito de Aveiro, na sua pág. 78, um documento do ano de Cristo de 1459, em
que o rei D. Afonso V autorizava o padre Fernão
de Sá a concluir uma marinha de sal, e dispor dela livremente. Esta salina estava situada, segundo o documento, no sítio
chamado Pero Maceira, termo da vila de Aveiro.
Uma cota do século XVIII, lançada no verso do documento, indicava que
este se referia a uma marinha situada em Vale de Maceira, e levava à
conclusão de que Vale de Maceira era a mais recente designação do lugar
de Pero Maceira. Mas no referido artigo perguntava-se ainda:
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Que
outro lhe corresponde na actualidade? Onde ficava, afinal, a marinha
do P.e Fernão Sá?
E convidavam-se os leitores do Arquivo a esclarecer o caso.
Os Ex.mos Srs. Dr. João Martins da Silva Marques e Padre Miguel de
Oliveira, amigos dedicados desta revista, aos quais nesta ocasião presto
as minhas homenagens, apressaram-se a fornecer alguns elementos que
esclarecessem o assunto.
Também eu tentei
colher elementos que contribuíssem para a solução do
problema, e bem feliz fui porque o resolvi completamente.
Como a marinha do P.e Fernão de Sá estava no termo de Aveiro, lembrei-me
de que no Tombo da Casa de Aveiro (Ducado), existente na Direcção de
Finanças de Aveíro, houvesse alguma referência ao lugar de Pero Maceira.
E lá estava. A páginas 125 verso do tomo I, deparei com o seguinte
título:
Auto de demarcação e medição entre as villas de Aveiro e a de Arada que
começa no sítio chamado P.º Masseira por Bayxo da lrmida do Apóstolo
Santiago donde se Diviza a demarcação
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322 /
da extremadura dos termos e Jurisdições das ditas villas de Arada e o
de Avr.º.
Este auto tem a data de 6 de Julho de 1690. Só pelo título
conjecturei a posição do sítio de Pero Maceira, pois que ainda
hoje existe a capela de Santiago. Mas a sorte bafejava-me,
pois o auto chamava ao sítio Porto de Pero Masseira. Tratava-se,
portanto, de uma zona alagada e funda da Ria de Aveiro, compreendida
entre o terreno de Verdemilho, pertencente então ao concelho de Arada,
hoje extinto, e o terreno de Santiago, já então, como hoje, pertencente
ao concelho de Aveiro.
Vejamos o passo do auto que se refere ao caso:
«Logo os ditos louvados declararaõ que neste sitio do Porto
de Pero Masseira adonde estavaõ umas estacas de Pinho antigas
e donde estava o passadouro da gente que vem de llhauo e uerdemilho
para as marinhas se fixasse um Marco como com efeito se fixou o qual he
de pedra branca de outil e tem as quinas Reais uiradas digo Riais na
frontaria entre o norte e o nassente virada
para a villa de Aveiro e as costas uiradas para o Mar e com o
hombro esquerdo vay ferindo entre as Marinhas que he a que
fica da banda do Mar do conde de Miranda Marqués de Arronches que tem
uinte e sinco Meyos e esta fica na partilha de Arada de sorte que pella
traue della vay dereito ao beio das Marinhas das freiras de Jesus que
pertencem a villa de Aueiro cujo esteiro se chama a vea de Arada e desta
marinha para a banda de Aveiro fica a Marinha que he dos herdeiros de
Nicullao Ribeiro picado que confina com os sobreditos uinte e sinco
Meyos da do dito Marques de Arronches e esta dos herdeiros de Niculao
Ribeiro Picado fica no termo da dita villa de Aveiro e o dito Marco com
o hombro dereito fica virado para Verdemilho e delle cordiando para a banda do dito lugar pello Muro da Marinha tem
doze varas athe a agoa do passadouro e dahy indo com a cara dereita
para a villa de Aueiro por sima do entre val da Marinha dos ditos herdeiros de Niculau Ribeiro picado e no fim
a sessenta
e huma varas que todas são de sinco palmos de medir panno declararaõ se
fixasse outro Marco.»
Está, portanto, perfeitamente determinada a situação do porto de Pero
Maceeira, cerca de um quilómetro ao sul do jardim público de Aveiro,
outrora alameda de Santo António.
Mas que relação haverá entre o Pero Maceeira ou Pero
Macejra, e o Vale de Maceira?
É que o porto de Pero Maceira fica na embocadura de um vale que corre
leste-oeste, e daqui designar-se o vale pelo nome do antigo senhorio
daquela parte da ria: Pedro de Maceeira.
Só me restava averiguar qual a designação actual do sítio
em questão. Por isso, lido o auto, dirigi-me ao sítio de Santiago,
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323 /
à beira das marinhas do tal porto, e aí, perguntando a um marnoto se conhecia o sítio de Pero Maceira, respondeu-me, corrigindo-me: a
Prumaceira, a Prumaceira, e de facto é assim que toda a gente chama ao
local. Vi, imediatamente, que esta Prumaceira era nem mais nem menos que
o Pero Maceira, de que já se havia perdido o primitivo significado. E
indicou-me a Pero Maceira, que é uma grande praia produtora de moliço,
que por não ser apanhado já há tempo, bem se descobria à tona de água.
Fica esta praia situada um pouco ao sul do esteiro da ponte de S. Pedro, e ao norte do esteiro do Eirô.
O antigo porto de Pero Maceira do século XV abrangia portanto a actual
praia deste nome, onde se fizeram salinas, entre as quais figura a do
clérigo Fernão de Sá, feita em 1459.
Esta praia, segundo o meu informador, era há algumas dezenas de anos
mais funda do que é hoje, pois lá pescavam ao botirão. Ela pertence
actualmente a diversos: a parte do norte pertence aos herdeitos do Dr.
Egberto de Mesquita; a do sul pertence a João Casal, de Aradas; a do
nascente pertence à casa Maia Alcoforado, de Ílhavo, e herdeiros do Dr.
Casimiro Barreto Ferraz Sachetti, e pertenceu também ao falecido Dr.
Manuel Maria da Rocha Madahil, assim se justificando a existência do
pergaminho de 1459 no arquivo da sua casa.
Mas não terminaram aqui as minhas investigações.
Passados dias, tendo voltado a examinar o arquivo da Direcção de Finanças, encontrei um pergaminho com a escritura de venda de
uma marinha de fazer sal, do mesmo P.e Fernão de Sá, que
ele tinha no
lugar de Pero Maceira, no termo da vila de Aveiro, e que vendeu por 110
mil reais brancos, em 16 de Maio de 1462, a Dona Micia Pereira, viúva de
Martim Mendes Berredo, e uma das fundadoras do mosteiro de Jesus de
Aveiro, autorizado por bula de Pio II de 1461.
A escritura de venda menciona as confrontações da marinha, que são
outras marinhas e a cale de Arada (call darada),
que não é senão a veia de Arada a que se refere o passo do
. auto que atrás transcrevemos.
Parece, portanto, que a marinha vendida em 1462, para as religiosas do
mosteiro de Jesus, por Fernão de Sã, é a marinha feita por este em 1459.
Aveiro, 7 de Novembro de 1935.
F. FERREIRA NEVES
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