André dos Reis, Relembrando a Curia, Vol. 1, pp. 148-152.

RELEMBRANDO A CURIA

No conjunto da matéria criada, e no campo das ideias e opiniões, nada existe que subtrair-se possa às  leis fatais da transformação e da morte.

Tudo se modifica; tudo se altera; tudo se estiola, se esvai e extingue...

Alteram-se, no transcorrer das idades, as penedias e as serras, mercê das convulsões sísmicas, que as sacodem; dos ciclones violentos, que as fustigam; das tempestades desabridas, que as afligem; das chuvas torrenciais, que as carcomem.

Modificam-se, dia a dia, o ferro, o cobre, a prata e, enfim, toda a matéria, ainda a mais resistente.

O próprio diamante se consome, a pó se reduz, não obstante a sua natural rigidez.

Gastam-se, a pouco e pouco, os homens e as gerações para ficarem substituídos por outros que deles não têm sido (tantas vezes!) mais do que obscurecido reflexo.

Não temos, por ventura, visto povos inteiros, anteriormente. cheios de robustez e pujança, de saúde e brilho, como, por exemplo, as repúblicas romana e as da Grécia antiga, os impérios do Ocidente e do Oriente, cedendo ao predomínio daquelas leis, tombarem com o desandar dos séculos e o perpassar dos tempos?

Leis fatais, inflexíveis, as de transformação e de morte!

Tout passe, tout casse, tout lasse.

Sobre os escombros de velhos alvitres, novos pareceres, novos conceitos; sobre as ruínas de vetustas ideias, novas doutrinas, novas teorias; sobre os destroços de proposições de outrora, novos princípios; sobre normas e regras do Passado, novas leis, novos usos, novos costumes, no Presente.

Após a saúde e a opulência de energias, a doença, o cansaço, a prostração, o definhamento, o fim.

E, também, após a glória e o triunfo, a decadência, a ruína, o olvido.

É que tudo neste mundo é tão efémero...

Transitória é a saúde; vive um dia o triunfo; rapidamente se desfaz a glória.

Eterna, a Morte; eterna, a Ingratidão; eterno, o Ódio; eterna, a Intriga; eterno, o Mal!

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Eterna, a luta do homem contra os elementos que o circundam, e a todo o instante o procuram aniquilar, desde o ser vivo infinitamente pequeno, até o seu semelhante, dele homem: Homo homini lupus...

Eterna, porém bendita, a penitência imposta à Humanidade para ganhar o pão cotidiano, como suor do seu rosto.

Ao lado daquelas leis irresistíveis de transformação e de morte, o dever se nos impõe de procurar ampliar tanto quanto possível a peregrinação à face da terra, buscando manter as forças com que a Natureza nos haja dotado, melhorá-las mesmo, reavivá-las quando as circunstâncias o permitam, por meio de um alto horário anual, em repouso honesto e bem ganho, de seguida às canseiras e lutas da vida, a fim de que as energias, acaso abaladas, se restaurem para novos trabalhos, novas lides, sem desfalecimentos, com firmeza em qualquer sector da actividade humana.

Medicina e higiene o sugerem; a Natureza o aponta.

Não repousa, também, essa potência criadora de todas as coisas, depois de haver enriquecido as veigas, os prados, serras e outeiros, de verduras; os jardins, de flores, e de frutos os pomares?

Não descansa, igualmente, o Sol, em torno do qual gravitam a terra, os planetas e os cometas, depois de haver iluminado mundos?

Não dorme a Primavera, quando lhe sucede o Verão; o Estio, quando o Outono começa; este, quando o Inverno chega e o Inverno quando a Primavera ressuscita?

Não sossegam os ventos, quando a calma sobrevém, e as tempestades, quando surge a bonança?

Um repouso, um descanso anual é sempre frutificador. Onde ir procurá-lo?

Para nós, aveirenses, filhos ou habitantes desta região que

desde as serras de Arouca até a Bairrada

é de tantas belezas adornada,

não é difícil a resolução do problema.

Não há para nós, em tal assunto, aquele: «hoc opus hic labor est, do vaticínio de Deifobeia, − a sibila de Cumes de que nos fala Vergílio, ao profetizar a Eneias a dificuldade dele voltar dos Infernos.

Não há, repetimos, na escolha busilis algum.

Para os aveirenses, e para seu repouso, bem perto de Aveiro, uma esplêndida região se encontra a Curia de belos arredores, sem elevações que fatiguem, cheia de arvoredo, com sombras deliciosas; de ar bom e seco; a dois passos de Coimbra, do Buçaco, da linda vila de Anadia, servida pela linha da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses; com um grande parque / 151 /

CURIA

Balneário (rés-do-chão) e Casino

 / 152 / encantador e bem cuidado; um lago e uma piscina; com abundância de hotéis e Casas de pensão, confortáveis e decentes, onde aos aquistas é servida alimentação simples e sadia.

A par de suas belezas naturais, possui a Curia, também, um balneário moderno, destinado ao tratamento dos doentes atacados de litiase renal, sob todas as suas formas: úrica, cálcica, oxálica; de todas as doenças de nutrição, como reumatismos crónicos, a gota, a obesidade, as asmas e as dermatoses de origem endotóxica e anafilática, antigamente atribuídos ao artritismo.

Os serviços clínicos são dirigidos por dois médicos distintos, os srs. drs. Luís Navega e Manuel Joaquim Pires que, altamente especializados, dispensam aos doentes e visitantes o maior carinho e deferências, em tudo se revelando duma muito apreciável urbanidade.

Da aplicação das águas resultam incontestáveis benefícios na variedade de doenças acima referidas.

A sua indicação predominante é a da litíase renal; a sua acção local está indicada nas pielites e cistites crónicas, e é devido à sua acção directa sobre o sistema nervoso abdominal e o pélvico que a água da Curia permite a expulsão de cálculos de volume superior aos dos que aparecem em doentes não submetidos a esta cura hidrológica.

Além disso, é devido também à sua acção geral como estimulante do metabolismo, que ela actua de um modo propício e brilhante sobre todas as doenças de nutrição atrás mencionadas.

Por observação directa e pela leitura de registos, existentes nos arquivos da secretaria da Empresa, e de declarações escritas, e firmadas por médicos notáveis e doentes de elevada categoria social, podemos garantir que as águas em questão constituem uma maravilha.

Na Curia, sem dúvida alguma, frui-se um proveitoso descanso; restaura-se a saúde abalada, ganham-se forças e novas energias.

Falamos por experiência própria.

Tendo ali chegado após grave doença, ao regressarmos, o estado geral havia melhorado consideravelmente; estávamos outro; havíamos remoçado.

Por isso, bendizemos a Curia; por isso a todos a aconselhamos e tal dizemos acreditem os que lerem este desataviado artigo sem ter em mira quaisquer interesses, que resultar possam do balanço anual da Empresa das Águas, a que somos absolutamente estranho.

          Aveiro 16-6-1935

ANDRÉ DOS REIS

 

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