No conjunto da matéria
criada, e no campo das ideias e opiniões, nada existe que subtrair-se
possa às leis fatais da transformação e da morte.
Tudo se modifica; tudo se altera; tudo se estiola, se esvai e
extingue...
Alteram-se, no transcorrer das idades, as penedias e as serras, mercê
das convulsões sísmicas, que as sacodem; dos ciclones violentos, que as
fustigam; das tempestades desabridas, que as afligem; das chuvas
torrenciais, que as carcomem.
Modificam-se, dia a dia, o ferro, o cobre, a prata e, enfim, toda a
matéria, ainda a mais resistente.
O próprio diamante se consome, a pó se reduz, não obstante a sua natural
rigidez.
Gastam-se, a pouco e pouco, os homens e as gerações para ficarem
substituídos por outros que deles não têm sido (tantas vezes!) mais do
que obscurecido reflexo.
Não temos, por ventura, visto povos inteiros, anteriormente. cheios de
robustez e pujança, de saúde e brilho, como, por exemplo, as repúblicas
romana e as da Grécia antiga, os impérios do Ocidente e do Oriente,
cedendo ao predomínio daquelas leis, tombarem com o desandar dos séculos
e o perpassar dos tempos?
Leis fatais, inflexíveis, as de transformação e de morte!
Tout passe, tout casse, tout lasse.
Sobre os escombros de velhos alvitres, novos pareceres, novos conceitos;
sobre as ruínas de vetustas ideias, novas doutrinas, novas teorias;
sobre os destroços de proposições de outrora, novos princípios; sobre
normas e regras do Passado, novas leis, novos usos, novos costumes, no
Presente.
Após a saúde e a opulência de energias, a doença, o cansaço, a
prostração, o definhamento, o fim.
E, também, após a glória e o triunfo, a decadência, a ruína, o olvido.
É que tudo neste mundo é tão efémero...
Transitória é a saúde; vive um dia o triunfo; rapidamente se desfaz a
glória.
Eterna, a Morte; eterna, a Ingratidão; eterno, o Ódio; eterna, a
Intriga; eterno, o Mal!
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Eterna, a luta do homem contra os elementos que o circundam, e a todo o
instante o procuram aniquilar, desde o ser vivo infinitamente pequeno,
até o seu semelhante, dele homem:
−
Homo homini lupus...
Eterna, porém bendita, a penitência imposta à Humanidade para ganhar o
pão cotidiano, como suor do seu rosto.
Ao lado daquelas leis irresistíveis de transformação e de morte, o dever
se nos impõe de procurar ampliar tanto quanto possível a peregrinação à
face da terra, buscando manter as forças com que a Natureza nos haja
dotado, melhorá-las mesmo, reavivá-las quando as circunstâncias o
permitam, por meio de um alto horário anual, em repouso honesto e bem
ganho, de seguida às canseiras e lutas da vida, a fim de que as
energias, acaso abaladas, se restaurem para novos trabalhos, novas
lides, sem desfalecimentos, com firmeza em qualquer sector da actividade
humana.
Medicina e higiene o sugerem; a Natureza o aponta.
Não repousa, também, essa potência criadora de todas as coisas, depois
de haver enriquecido as veigas, os prados, serras e outeiros, de
verduras; os jardins, de flores, e de frutos os pomares?
Não descansa, igualmente, o Sol, em torno do qual gravitam a terra, os
planetas e os cometas, depois de haver iluminado mundos?
Não dorme a Primavera, quando lhe sucede o Verão; o Estio, quando o
Outono começa; este, quando o Inverno chega e o Inverno quando a
Primavera ressuscita?
Não sossegam os ventos, quando a calma sobrevém, e as tempestades,
quando surge a bonança?
Um repouso, um descanso anual é sempre frutificador. Onde ir procurá-lo?
Para nós, aveirenses, filhos ou habitantes desta região que
desde as serras de Arouca até a Bairrada
é de tantas belezas adornada,
não é difícil a resolução do problema.
Não há para nós, em tal assunto, aquele: «hoc opus hic labor est,
do vaticínio de Deifobeia,
− a
sibila de Cumes
−
de que nos fala Vergílio, ao profetizar a Eneias a dificuldade dele
voltar dos Infernos.
Não há, repetimos, na escolha busilis algum.
Para os aveirenses, e para seu repouso, bem perto de Aveiro, uma
esplêndida região se encontra
−
a Curia
−
de belos arredores, sem elevações que fatiguem, cheia de arvoredo, com
sombras deliciosas; de ar bom e seco; a dois passos de Coimbra, do
Buçaco, da linda vila de Anadia, servida pela linha da Companhia dos
Caminhos de Ferro Portugueses; com um grande parque
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CURIA
Balneário (rés-do-chão) e
Casino |
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encantador e bem cuidado; um lago e uma piscina; com abundância de
hotéis e Casas de pensão, confortáveis e decentes, onde aos aquistas é
servida alimentação simples e sadia.
A par de suas belezas naturais, possui a Curia, também, um balneário
moderno, destinado ao tratamento dos doentes atacados de litiase renal,
sob todas as suas formas: úrica, cálcica, oxálica; de todas as doenças
de nutrição, como reumatismos crónicos, a gota, a obesidade, as asmas e
as dermatoses de origem endotóxica e anafilática, antigamente atribuídos
ao artritismo.
Os serviços clínicos são dirigidos por dois médicos distintos, os srs.
drs. Luís Navega e Manuel Joaquim Pires que, altamente especializados,
dispensam aos doentes e visitantes o maior carinho e deferências, em
tudo se revelando duma muito apreciável urbanidade.
Da aplicação das águas resultam incontestáveis benefícios na variedade
de doenças acima referidas.
A sua indicação predominante é a da litíase renal; a sua acção local
está indicada nas pielites e cistites crónicas, e é devido à sua acção
directa sobre o sistema nervoso abdominal e o pélvico que a água da
Curia permite a expulsão de cálculos de volume superior aos dos que
aparecem em doentes não submetidos a esta cura hidrológica.
Além disso, é devido também à sua acção geral como estimulante do
metabolismo, que ela actua de um modo propício e brilhante sobre todas
as doenças de nutrição atrás mencionadas.
Por observação directa e pela leitura de registos, existentes nos
arquivos da secretaria da Empresa, e de declarações escritas, e firmadas
por médicos notáveis e doentes de elevada categoria social, podemos
garantir que as águas em questão constituem uma maravilha.
Na Curia, sem dúvida alguma, frui-se um proveitoso descanso; restaura-se
a saúde abalada, ganham-se forças e novas energias.
Falamos por experiência própria.
Tendo ali chegado após grave doença, ao regressarmos, o estado geral
havia melhorado consideravelmente; estávamos outro; havíamos remoçado.
Por isso, bendizemos a Curia; por isso a todos a aconselhamos e tal
dizemos
−
acreditem os que lerem este desataviado artigo
−
sem ter em mira quaisquer interesses, que resultar possam do balanço
anual da Empresa das Águas, a que somos absolutamente estranho.
Aveiro 16-6-1935
ANDRÉ DOS REIS
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