José Luciano Lobo, Sever do Vouga, Vol. 1, pp. 143-147.

SEVER DO VOUGA

O concelho de Sever do Vouga pertencente ao distrito de Aveiro é delimitado pelos concelhos de Albergaria-a-Velha, a poente, Oliveira de Frades a nascente, Águeda a sul e Vale de Cambra (Macieira de Cambra) a norte.

Com uma população aproximada a 14:000 habitantes, é formado como o ARQVIVO já indicou no seu 1.º número por oito freguesias, a saber: Cedrim, Couto de Esteves; Paradela, Pessegueiro, Rocas, Sever do Vouga, Silva-Escura e Talhadas.

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Este aprazível concelho, rico em tradições gloriosas e envolto em história brilhante, é terra fértil, linda e notável.

É fértil, porque, duma constituição geológica algo variada, de tudo produz.

Nos seus campos ou vales há centeio, trigo, aveia, cevada, azeite, frutos, e mormente vinho, feijão e milho; nas encostas e montes há eucaliptos, carvalhos, castanheiros, sobreiros, pinheiros em abundância, e alguns verdadeiramente gigantescos e belos, como esse pinheiro manso da Quinta do Sobral, em Pessegueiro do Vouga, que rivaliza com as grandes árvores do país.

É ainda terra linda e notável, linda pelas suas planícies encantadoras, pelo seu frondoso arvoredo, pelos seus foscos e viçosos vales, enfim, por toda essa variedade panorâmica que nos deleita e assombra; e é notável pela valentia e patriotismo de muitos dos seus antepassados, pelos sãos costumes e crenças sinceras da grande parte dos presentes, pelas suas curiosas lendas, pelas suas obras de arte, por muitas curiosidades, e... pelos seus monumentos alguns até dos recuados tempos da Pré-história. / 144 /

DÓLMEN DA CERQUEIRA

existente na freguesia de Couto de Esteves

/ 145 /  [Vol. I - N.º 2 - 1935]

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O dólmen da Cerqueira, por exemplo, sito na freguesia do Couto de Esteves, e cuja fotografia aqui se reproduz hoje, é um dos monumentos de Sever do Vouga.

Assim o compreendeu a Câmara deste concelho empenhando-se em o resguardar, para que jamais seja mutilado ou partido.

E com razão, porque este monumento e objectos vários encontrados aqui e além, tais como: machados de pedra, pedaços de mós, testos, cacos grosseiros, gravuras em pedra, instrumentos de sílex, fragmentos de grosseira louça dos crastos (objectos de cozinha) etc., são vestígios de indústria humana, relíquias venerandas, como lhes chama alguém, que denunciam a passagem por estes sítios de povos, de gerações, em tempos afastadíssimos que medeiam entre o aparecimento do primitivo homem e o começo da fase histórica.

Sim, os objectos encontrados no decorrer dos tempos (e que apenas constituirão uma pequena parcela do que existe escondido no subsolo, provam que o homem aqui existiu ou por aqui passou, se não na idade paleolítica, ao menos na neolítica, bem como nas idades de bronze e ferro (época dos metais ).

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Também não resisto à tentação de apresentar neste número a fotografia dum outro monumento, que é «A Pedra Insculturada do Arestal», também conhecida por «Forno dos Moiros», na Fonte Urgueira, junto ao caminho do Arestal na freguesia de Silva-Escura.

É um dos monumentos notáveis deste concelho.

Pessoas ilustres assim o compreendem.

A pedra do «Forno dos Moiros» foi objecto duma comunicação valiosa apresentada em Coimbra em 1930 no Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-histórica pelo ilustre director do Museu Nacional de Aveiro Sr. Dr. Alberto Souto.

Segundo o relato dos jornais de então começou assim a sua comunicação o ilustrado conferencista: «A arte rupestre assumiu neste congresso uma alta importância. Sente-se por tal motivo a evidência de que essa arte nos há-de fornecer novos elementos de estudo para a história do homem e do desenvolvimento das suas faculdades e das relações dos povos pré-históricos».

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E desenvolveu a sua comunicação afirmando:

«A pedra do Arestal é notável por apresentar a espiral e  o círculo concêntrico em várias combinações, sinais estes que se encontram no Mediterrâneo, Galiza, Bretanha, Irlanda, Escócia e Escandinávia.

«FORNO DOS MOIROS»

pedra insculturada do Arestal

Contudo estes sinais são raros e é preciso estudá-los e compará-los bem em todos os países onde apareçam, porque indicam afinidades étnicas dos povos que os gravaram. A arte rupestre galaico-Iusitana tem um carácter especial notado já pelos srs. Joaquim Fontes, Obermaier, Cabré, etc.

A pedra do Arestal é o monumento mais meridional dessa arte, no ciclo das espirais e dos círculos concêntricos e diferente de todas as outras ao sul do Douro. O orador pensa que se trata dum monumento ou dum santuário ao ar livre da idade do bronze, ou do princípio da idade do ferro, mas reserva o ensaio da interpretação destas insculturas para o futuro congresso, porque este estudo exige demorada exposição.

O que quero acentuar é a importância da gravura rupestre das espirais e dos círculos ligados por sulcos nas relações dos povos pré-históricos».

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Os mestres classificam este monumento de importante ou notável, e perante tal classificação nada mais queremos dizer.

Por aqui ficaremos hoje para não roubar mais espaço à nova Revista.

 

Pessegueiro do Vouga, Junho, 1935

Abade JOSÉ LUCIANO LOBO

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