João Domingos Arede, Amuleto fálico da época neolítica do castro de Recarei, Vol. 1, pp. 111-114.

AMULETO FÁLICO DA ÉPOCA NEOLÍTICA

DO CASTRO DE RECAREI

Como remate duma vida nobremente consagrada à Arqueologia e à História locais, o Rev. Abade João Domingues Arêde dotou com um interessante e prometedor Museu a recente vila de Cucujães, terra que durante 32 anos pastoreou e para o engrandecimento da qual muito tem contribuído.

A simpática e meritória iniciativa, que pode apontar-se como exemplo e incentivo a tantos outros Municípios do Distrito, ricos de Arqueologia e de História, mas pobres de boa vontade, será devidamente pormenorizada nesta revista quando nos ocuparmos dos Museus do Distrito, que são, presentemente, os de Arouca, Aveiro, Buçaco, Cucujães e Ílhavo.

Possui, já, o referido Museu de Cucujães catálogo impresso das suas colecções, prefaciado com muita propriedade e justo enaltecimento pelo ilustre professor e sábio arqueólogo Dr. Mendes Correia, e nele inscreveu o seu benemérito organizador, sob o n.º 2 da secção da época neolítica período proto-histórico − «um amuleto que as devotas traziam por superstição».

Como exemplar que é da maior raridade em Portugal (o Rev. João Domingues Arêde crê, mesmo, ser o único encontrado no nosso país), quis agora o ilustre arqueólogo ter a bondade de desenvolver no Arquivo a breve rubrica do catálogo do seu Museu acima transcrita, enviando-nos a nota aqui junta.

A época atribuída por Sua Rev.cia ao que classifica de amuleto parece excluir a possibilidade de se tratar dum fragmento de estátua, hipótese a considerar se, por exemplo, a época romana pudesse ser apontada no caso sujeito.

Como o Rev. Arêde termina a sua interessante notícia solicitando o depoimento de três categorizados e notáveis arqueólogos, cumpre-nos apenas declarar que o Arquivo do Distrito de Aveiro, dentro do programa que para sua acção traçou, põe / 112 / as suas páginas inteiramente ao dispor de Suas Excelências para cabal esclarecimento de tão curioso problema da Arqueologia e da Etnologia do nosso distrito.

Segue-se a notícia do ilustre arqueólogo e organizador do Museu de Cucujães.

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O amuleto encontrado no Monte Crasto, de São Martinho da Gandra, próximo do Couto de Cucujães, do concelho de Oliveira de Azeméis, é o símbolo de uma crença supersticiosa entre os povos idólatras da alta antiguidade.

Esses povos, de ideias rudes e dominados pela superstição, atribuíam virtude e poder a pedras, ou a outros objectos inanimados, somente por semelhança inteiramente superficial, como o amuleto aqui reproduzido.

 

Amuleto encontrado no Monte Crasto
próximo de Cucujães (de grandeza natural)

 

Extremidade superior do amuleto

Tinham, pois, o seu culto todos os objectos considerados como amuletos, e de uma maneira mais extravagante os do mesmo género do encontrado na proximidade de Cucujães, como, consta:

/ 113 /   [Vol. I − N.º 2 − 1935]

a) De muitos escritores gregos e latinos.

Os Índios lhes celebravam festas; os Egípcios os esculpiam em seus monumentos; os Gregos lhes levantavam altares, e estátuas que designavam muitas vezes com o nome de Hermes, as quais serviam até de marcos nas estradas em honra de Mercúrio, núncio dos deuses e da ciência; e os Romanos, como imitadores dos Gregos, lhes prestavam também fervoroso culto.

E destas imagens fizeram as mulheres egípcias, que depois foram imitadas pelas romanas, um objecto de enfeite.

(Vide ANACREONTE, BION, S AFO, OVÍDIO, SALÚSTIO, VIRGÍLIO, HORÁCIO, JUVENAL, PLAUTO, SUETÓNIO, TERÊNCIO, etc. citados por A. DEBAY).

 

b) Da Bíblia sagrada.
Nos templos bíblicos o povo, dominado também pela superstição, entregava-se à idolatria, como se lê no Levítico − Cap. XXVI − I: Ego Dominus Deus vester: Non facietis vobis idolum et sculptile, nec titulos erigetis, nec insignem lapidem ponetis in terra vestra, ut adoretis eum: ego sum Dominus Deus vester.

Quer dizer: Eu sou o Senhor vosso Deus: Não fareis para vós ídolos nem imagens de escultura, nem levantareis colunas, nem na vossa terra poreis pedra assinalada para a adorardes: porque eu sou o Senhor vosso Deus.

Daqui a proibição ordenada por Deus aos Hebreus de erigirem colunas e levantarem pedras, a fim de lhes tirar toda a ocasião de idolatrarem.

 

c) De um comentário ao mesmo versículo bíblico sobre a expressão − pedra assinalada para a adorardes.

OUKELOS traduz − pedra de adoração. O TARGO DE JERUSALÉM − pedra de erro. O INTÉRPRETE SAMARITANO − pedra que sirva de guia ou de sinal. Os SETENTA, e com eles TERTULlANO − pedra que sirva de alvo.

 

Todas estas versões coincidem no mesmo, que é designar umas pedras que se erigiam nos caminhos ou nos cabeços, quais ESTRABÃO atesta que vira muitas no Egipto, e quais o mesmo autor diz que havia muitas no Monte Líbano.

Eram como colunelos de pedra negra e dura, postos sobre outra pedra mais grossa que media cerca de doze pés de diâmetro.

No Egipto e na Síria se tinham estas pedras em tal respeito que chegava a adoração.

Os Gregos imitaram esta superstição nos montes de pedra que punham nas estradas em honra de Mercúrio. Chamavam-lhes Hermes (Bíblia sagrada, trad. do P.e António Pereira de Figueiredo, ed. de 1852. pág. 212).

/ 114 /
Do exposto podemos concluir que a raça primitiva da Lusitânia, à imitação dos antigos egípcios e de alguns antigos colonos gregos e dos romanos, adoptou a mesma crença supersticiosa, tendo prestado também o seu culto fálico.

O referido amuleto pre-histórico, encontrado nesta região, não provará esta asserção?

Nesses remotíssimos tempos a mesma crença não teria tido uma base comum entre raças de índole e civilização diferentes?

Têm a palavra os ilustres arqueólogos portugueses Dr. José Leite de Vasconcelos, do Museu Etnológico de Lisboa, Dr. Mendes Correia, da Faculdade de Ciências, do Porto, e José de Pinho, de Amarante.

       Couto de Cucujães, 10 de Junho de 1935.

O Abade aposentado, JOÃO DOMINGUES ARÊDE

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BRASÃO DA VILA DO COUTO DE CUCUJÃES

De negro com um leão de prata segurando nas mãos um báculo de ouro.

Em chefe o escudete de armas de D. Afonso Henriques.

 

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