Francisco Ferreira Neves, Subsídios para a história da revolução liberal, Vol. 1, pp. 57-60.

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA

DA REVOLUÇÃO LIBERAL DE 1828

ACÇÃO DOCUMENTADA DO DESEMBARGADOR JOAQUIM JOSÉ DE QUEIROZ, DO CORONEL JOSÉ JÚLIO DE CARVALHO E DO TENENTE-CORONEL MANUEL MARIA DA ROCHA COLMIEIRO

Diz SORIANO na sua História do Cerco do Porto que «Aveiro foi a primeira cidade onde apareceu de facto o primeiro grito de guerra contra as pretensões de D. Miguel, levantado na manhã do dia 16 de Maio pelo batalhão de caçadores 10 e por vários cidadãos com ele associados.»


De facto assim foi; em Aveiro se iniciou o movimento revolucionário de 16 de Maio de 1828, que também aqui foi organizado.


Predominava em Aveiro o partido liberal, no qual militavam muitas das principais pessoas da terra, e até o próprio bispo da diocese, D. Manuel Pacheco de Resende; o décimo batalhão de caçadores aqui aquartelado, também era manifestamente liberal.

A favor do absolutismo estava a maioria do clero regular, e secular da cidade, quase toda a nobreza, e o regimento de milícias.

Restabelecido o regime parlamentar em 1826, foram eleitos deputados pela província da Beira, de que Aveiro fazia parte, os desembargadores Joaquim José de Queiroz, natural do lugar de Verdemilho, do concelho de Aveiro; Francisco José Gravíto da Veiga e Lima com casa e família nesta cidade, e o superintendente das obras da barra de Aveiro, Dr. José Homem Correia Teles.

O infante D. Miguel chegou a Lisboa em 22 de Fevereiro de 1828, a assumir a regência do reino, mas Aveiro poucas provas de entusiasmo e regozijo mostrou por tal facto.

Por decreto de 13 de Março deste ano, D, Miguel dissolveu a Câmara dos Deputados. Joaquim José de Queiroz ainda tentou convencer os seus colegas do Parlamento a protestar
/ 58 / contra tal acto, mas não o conseguiu. Recolheu então à sua casa de Verdemilho, vencido mas não convencido; na sua mente já fermentava um plano de revolução contra a política anti-constitucional do infante regente, e a sua casa, e a de alguns seus amigos passaram a ser centros de permanente conspiração. Ele mesmo organizou o plano da revolta e o dirigiu, tendo como principais agentes Manuel Maria da Rocha Colmieiro, tenente-coronel reformado do regimento de milícias de Aveiro, residente em Esgueira; Francisco Silvério de Carvalho Magalhães Serrão, fiscal do real contrato dos tabacos, e Clemente de Morais Sarmento, sargento do décimo batalhão de caçadores aquartelado em Aveiro.

Conseguiu ainda o auxílio do desembargador e ex-deputado Francisco António Gravito da Veiga e Lima, e do corregedor da comarca de Aveiro, Francisco António de Abreu e Lima.

O desembargador Queiroz, firmado na adesão do batalhão de caçadores 10 ao seu plano revolucionário, enviou ao Porto Clemente de Morais Sarmento, a obter a adesão do comandante de infantaria n.º 6, por intermédio de liberais desta mesma cidade; a Lamego, enviou Evaristo Luís de Morais Sarmento, para informar o comandante do batalhão de caçadores de Aveiro, coronel José Júlio de Carvalho, do que se passava, pois que este batalhão se encontrava destacado em Lamego, e alguns emissários mais enviou para outras terras.

Entretanto os absolutistas iam-se animando em Aveiro e resolveram aclamar na Câmara Municipal, no dia 25 de Abril, D. Miguel como rei absoluto, e assim o fizeram executar. Idêntica aclamação se fez no Porto, no dia 29 deste mesmo mês. Em Coimbra e Lisboa fez-se também a aclamação de D. Miguel no mesmo dia em que foi feita em Aveiro.

O desembargador Queiroz sentiu que todo o seu plano se ia desmoronar em face destes acontecimentos e redobrou de actividade para que a revolução fosse um facto dentro do mais curto prazo de tempo, «senão que o povo e a tropa se habituava e perdia o entusiasmo», conforme dizia em carta a Magalhães Serrão, e mais, «que o batalhão de caçadores 10 devia ir ao Porto com segurança de apoio ali, pois quando a tropa desta mesma cidade não quisesse ou não pudesse anuir e obrar, então, saindo o mesmo batalhão de Aveiro e os de Braga de lá, e aparecendo ao mesmo tempo, ou o general se concentrava e ficava entre dois fogos ou saía a campo».

Na base de todo o plano revolucionário arquitectado por Queiroz estava a intervenção inicial do batalhão de caçadores 10 de Aveiro, da qual dependia a acção de outros corpos de tropas, e para acelerar os preparativos da revolução enviou ao Porto o tenente-coronel de milícias de Aveiro, Manuel Maria da Rocha Colmieiro.

Enquanto este batalhão andou por fora de Aveiro, mostrou-se
/ 59 / abertamente liberal; em certa altura, recebeu ordem de regressar de Lamego a Aveiro, e aqui chegou efectivamente no dia 3 de Maio, tendo formado na Praça do Comércio, «e aí soltou vivas a D. Pedro, a D. Maria II, ao infante regente e à Carta Constitucional, vivas que foram correspondidos pelo povo que ali concorreu a felicitar a tropa pelo seu regresso.» É evidente que a atitude do batalhão ia provocar represálias contra ele da parte dos absolutistas, e, para o momento, recebeu o comandante do batalhão ordem do general do Porto, Franco de Castro, de licenciar 12 ou 15 praças por companhia; naturalmente se faria o resto depois... O comandante Júlio de Carvalho respondeu opondo razões a tal ordem, do que resultou ter o general Franco ordenado que ficasse sem efeito o licenciamento das praças.

Entretanto, Rocha Colmieiro conseguia a adesão condicionada do comandante de infantaria n.º 6, Francisco José Pereira, e comunicava-a em carta de 14 de Maio a Magalhães Serrão, que a recebeu no dia seguinte.

Na noite de 15, vindo do Porto, chegou a Aveiro o tenente-coronel Colmieiro, fazendo-se acompanhar de onze barcos de Ovar para transportar pela ria o batalhão de caçadores 10 até àquela vila. Era também portador de «uma correspondência interessante» para o batalhão, no sentido de este partir rapidamente no dia seguinte para o Porto, em vez de partir no dia 17 como estava destinado, mas a marcha dos acontecimentos obrigava a antecipar de um dia a eclosão do movimento no Porto que devia ter lugar em 17. Estava iminente a exoneração do comandante de infantaria n.º 6.

O desembargador Queiroz, exultando de contentamento, reuniu-se na noite do dia 15 em casa de Francisco Gravito, situada na rua onde estava o Convento de Jesus, com José Júlio de Carvalho, Francisco António de Abreu e Lima e Francisco Silvério de Magalhães Serrão, e resolveram que se iniciasse a revolução em Aveiro no dia 16, e neste mesmo dia seguisse para o Porto o batalhão.

De facto, a revolução fez-se em Aveiro no dia marcado, mas também se fez no Porto no mesmo dia 16 à tarde, em virtude de ter sido exonerado o comandante de infantaria n.º 6, e, por este facto, ter vindo o regimento para a rua, ao qual se juntou infantaria n.º 18 e artilharia n.º 4

Na madrugada do dia 16, os conspiradores tomaram as últimas resoluções. Às 7 horas iniciou-se o movimento; formou o batalhão, e levantaram-se vivas à Carta Constitucional, a D. Pedro IV e à rainha D. Maria II; os primeiros vivas foram dados por Joaquim José de Queiroz. Efectuaram-se depois as prisões do governador militar, do juiz de fora, do comandante da companhia de veteranos Luís Estêvão Couceiro da Costa, e do escrivão da Câmara. A seguir fez-se na casa da Câmara a
/ 60 / deposição da vereação, e proclamou-se a soberania da rainha D. Maria lI, do que se lavrou um auto no livro de termos das vereações, o qual foi assinado pela maioria dos oficiais do batalhão e por muitos civis.

Entre os oficiais do batalhão assinaram o auto: Pedro António Rebocho, major; José de Vasconcelos Bandeira de Lemos, capitão, depois visconde de Leiria; João de Sousa Pizarro, capitão; João António Rebocho, capitão.

Assinado o auto, embarcou imediatamente o batalhão para Ovar no meio do maior entusiasmo, acompanhado pelo desembargador Joaquim José de Queiroz, chefe da revolução. No dia 17 entravam no Porto.

Estava terminada a acção directa de Aveiro na revolução de 1828. Mas a alguns dias de fagueiras esperanças e a algumas horas de alegria e triunfo, ir-se-iam seguir em breve longos anos de luto e tragédia. «O primeiro grito de guerra contra as pretensões de D. Miguel» ia ser sufocado na forca, na prisão e no exílio.

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No combate da Cruz dos Morouços, em 24 de Junho, o exército miguelista adquiriu vantagens sobre o exército constitucional, e neste combate perdeu a vida o capitão de caçadores 10, João de Sousa Pizarro, representante da ilustre Casa do Terreiro da cidade de Aveiro.

Estabeleceu-se o pânico em Coimbra, a ponto de a delegação da Junta do Porto ter abandonado esta cidade, no dia 27, e ordenado a retirada do exército constitucional. O desembargador Queiroz, membro desta delegação, chegou a Aveiro na tarde deste mesmo dia; e, depois de conferenciar com Magalhães Serrão, partiu para Albergaria-a-Velha a juntar-se às tropas liberais.

As notícias trazidas por Queiroz aterrorizaram os liberais aveirenses, que supuseram que os miguelistas viriam até Aveiro, onde praticariam tremendas represálias. De facto, a coluna da esquerda do Exército Realista entrou em Aveiro no dia 30 de Junho.

No dia 28 do mesmo mês deu-se o combate do Vouga, em Pedaçães, desfavorável para os constitucionais. Neste dia, de volta de Coimbra, onde tinha acompanhado a Delegação da Junta, veio a Aveiro Manuel Maria da Rocha Colmieiro, com alguns soldados de caçadores 10 e de cavalaria buscar o dinheiro que existia no cofre das obras da barra, guardado no Convento do Carmo, para evitar que dele se apoderassem os absolutistas.

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F. FERREIRA NEVES

 

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