Francisco Ferreira Neves, A elevação da vila de Aveiro a cidade em 1759, Vol. I, pp. 21-27

A ELEVAÇÃO DA VILA DE

AVEIRO A CIDADE EM 1759

Aveiro é conhecida como cabeça de concelho desde o meado do século XIII, e conseguiu prosperar tanto, que no século XVI figurava entre as mais importantes povoações de Portugal, em virtude da sua grande população, comércio, nobres que nela habitavam e seus donatários de sangue real.

Já Filipe I de Portugal reconhecera a importância de Aveiro, e de vila simples que era, elevou-a à categoria de vila notável, por provisão de treze de Maio de 1581.

Mais tarde, el-rei D. José elevou-a de vila notável a cidade, por alvará de onze de Abril de 1759.

As razões desta mercê constam do próprio alvará e carta de elevação a cidade, datada de vinte e cinco de Julho do mesmo ano, tendo talvez influído no ânimo do rei, para fazer tal concessão, a atitude que a vila tomou em face do regicídio de três de Setembro de 1758, cuja responsabilidade foi atribuída ao duque de Aveiro, donatário desta vila, e a outros nobres e populares.

Em 6 de Janeiro de 1759 a Câmara prestou juramento de fidelidade ao monarca, em nome do povo da vila, perante o prior da freguesia de S. Miguel, e todas as classes representaram que não queriam que a vila continuasse a ter por donatário «o homem que havia atentado contra a vida do seu rei e senhor.»

A 13 deste mesmo mês era executado o duque de Aveiro, os marqueses de Távora e restantes implicados no atentado.

A vila de Aveiro não pediu que o rei a elevasse a cidade, mas ele entendeu que devia fazê-lo. Houve quem escrevesse que simultaneamente com a subida de categoria se mudou o nome de Aveiro para Nova Bragança, para que assim desaparecesse totalmente a lembrança dos Aveiros. Di-lo, por exemplo, PINHO LEAL, na sua obra «Portugal antigo e moderno», acrescentando que a rainha D. Maria I restabeleceu o velho nome de Aveiro, quando subiu ao trono. Ora isto é inteiramente falso como se prova pelo texto do alvará e carta de elevação a cidade, e pelos termos das vereações que sempre mencionam «cidade
/ 22 / de de Aveiro» em substituição da locução «mui nobre e notável vila de Aveiro.»

Na sessão de 1 de Junho de 1759 a vereação resolveu agradecer ao rei a mercê concedida a Aveiro pelo alvará já referido, e para isso encarregou o aveirense João de Sousa Ribeiro, cavaleiro professo na Ordem de Cristo e capitão-mor de Ílhavo, de beijar a mão a Sua Majestade e de lhe pedir dispensa do pagamento dos direitos da mercê. O dito Sousa Ribeiro aceitou o encargo, e em 29 de Setembro do mesmo ano, em sessão da Câmara, estando presentes a nobreza e muito povo da vila, deu conta da missão de que fora incumbido, informando que Sua Majestade havia perdoado os direitos, conforme provava pela carta régia que apresentava, passada nos termos do alvará e datada de 29 de Julho de 1759.

Lida a carta, ficou Aveiro desde esse momento considerada cidade de facto, e em sinal de regozijo, resolveu-se que, à noite e nas duas seguintes, houvesse luminárias e festas, e ainda, em acção de graças e pela saúde e felicidades do rei D. José se fizeram no mesmo dia da sessão festas de Igreja e procissão.

A "Gazeta de Lisboa", n.º 44, de 1 de Novembro de 1759, em correspondência de Aveiro, assim, descreve todas estas festas:

«Aveyro 6 de Outubro.

Havia se aqui espalhado a voz de que o nosso Augusto Soberano pela sua inata e natural grandeza queria elevar esta Povoação ao titulo de cidade, e esperavam já os seus moradores com grande alvoroço esta mercê, mas foi inexplicavel o jubilo no dia 29 de Setembro, quando Joam de Souza Ribeiro da Silveira cavaleiro professo da Ordem de Cristo e Capitão mór da Vila de Ilhavo, e um dos nossos principais cohabitantes, entrando na Camara do nosso magistrado, onde se achavam juntos todos os membros de que ela se compoem, entregou a carta régia desta erecção, intimando lhes o desempenho da obrigação com que se achavam de beijar a mão a Sua Magestade Fidelissima por esta honra, e pela generoza magnanimidade com que ao mesmo tempo os excusava de pagar os direitos novos, na Chancelaria mór do Reino, por esta especial graça, que logo se publicou nos lugares costumados e se aplaudiu com infinitas
aclamações de vivas de todo- o Povo.

Feita a publicação sairam todos para a Igreja de S. Miguel Matriz desta cidade, onde se celebrava solenemente no mesmo dia da festa deste gloriozo Arcanjo e se achava exposto o Santissimo, e havendo concorrido ali toda a Nobreza e quantidade inumeravel de Povo, se cantou com boa musica uma missa solene, e orou com admiravel estilo o M. R. P. M. Fr. Bernardo de S. José Magalhães da Sagrada Religião dos Pregadores. De
/ 23 / tarde houve o mesmo concurso de gente. Cantou-se o Te Deum e se fizeram varias preces pela duração da vida, saude, e felicidades do nosso inclito Soberano; a que se seguiu uma pomposa Procissão por varias ruas, que estavam custosamente ornamentadas.

Bordavam toda a frontaria da Casa da Alfandega as ordenanças da cidade. Estava formado o Batalhão do Regimento de Infantaria da Praça de Chaves; e todas estas tropas ao recolher se a Procissão fizeram varias descargas não só das suas Armas, mas de dois canhões que disparavam continuados tiros.

Achavam-se os animos destes moradores triplicadamente gostosos, pela nova graduação da sua Patria, por se lhes haver acabado a importante finta da siza que anualmente pagavam, e por se haver arrematado a renda da Massa na esperança da introdução do comercio, pela nova barra que á sua custa abriu o mesmo Joam de Souza Ribeiro da Silveira; a qual sondou e examinou muito bem primeiro o arrematador.

Houve na mesma noite e nas duas seguintes, luminarias, iluminações de diferentes e vistosos arteficios, e encamisadas de primorosa idea. Correram se em algumas tardes touros, e tudo se fez com galantaria e grandeza. Se o canal se conserva limpo como se espera e se estabelecer com aumento o comercio, esperamos ver ainda levantar uma estatua ao seu bemfeitor, com a Epigrafe de Pater Patriae

A primeira sessão da Câmara depois da que estamos tratando foi em 3 de Outubro de 1759, e no respectivo termo da vereação já se emprega a designação de «cidade de Aveiro», que continuadamente se tem usado até nossos dias.

Aveiro ficou sendo, por ordem cronológica a 17.ª cidade de Portugal, pois que já existiam as seguintes: Braga, Coimbra, Évora, Lamego, Lisboa, Porto, Viseu, Bragança, Elvas, Tavira, Beja, Faro, Leiria, Miranda, Portalegre e Lagos.

D. José elevou ainda a cidade as vilas de Penafiel (1770), Pinhel (1770), Castelo Branco (1771) e Portimão (1773), não se tendo, porém, efectivado a elevação desta última. A seguir publicamos a carta de elevação de Aveiro a cidade, e os termos das vereações que a este facto se referem.

F. FERREIRA NEVES

DOCUMENTOS

Os referidos documentos encontram-se aqui reproduzidos no formato PDF, correspondendo às páginas 23 a 27. Para a sua leitura, clicar na hiperligação:

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