Domingo de Pentecostes (ano C)
1ª leitura: Actos dos Apóstolos, 2,
1-11
2ª leitura: 1ª carta aos Coríntios,
12, 3-13 ou Romanos, 8, 8-17
Evangelho: S. João, 20, 19-23 ou 14,
15-16.23-26
Este domingo lembra um fulgurante
fogo de artifício depois de muitos dias de festa. E as girândolas
penduram-se no céu até quase juntinho ao Natal, durante os «domingos
depois do Pentecostes», que falam da nossa aventura pelos tempos e
lugares deste mundo.
Era a festa mais importante para
os judeus, depois da Páscoa, e até podemos imaginar os apóstolos a
sair do cenáculo, num dia cheio de sol e da poeira levantada por
milhares de peregrinos, das mais variadas proveniências, com quem
metiam conversa de maneira tão admirável, que a muitos pareciam
embriagados (Actos, 2, 12-13). Nem faltaria S. Pedro a explicar:
pareciam, sim, mas é porque deixaram que «o sopro de Deus» os
tocasse.
O «sopro» das leituras de hoje é
o mesmo «sopro» da criação do mundo. O mesmo sopro que pode
ressequir ou trazer as chuvas, matar ou trazer à vida. Com efeito, o
termo hebraico para "espírito" (ruah) designa o sopro do
vento e o sopro da respiração. Ambos estão ligados à morte e à vida,
mas particularmente à força vital (os conceitos de corpo, alma,
coração, carne e espírito têm, no Antigo e Novo Testamentos um
sentido por vezes bastante diferente do actual). É um sopro
continuamente criador e renovador.
Jesus Cristo deu particular
atenção ao «sopro de Deus». Os profetas do Antigo Testamento
desempenharam, por vezes de modo muito assinalável, um papel de
«conselheiros políticos» (não sem sofrerem as consequências de serem
honestos e defenderem a justiça). Jesus, porém, pouca ênfase deu à
situação política concreta – mas porque se quis preocupar com as
próprias raízes do bem e do mal.
Apontou-nos a direcção a seguir,
a que mais defendesse a dignidade de todos os seres humanos. Mas
deixou-nos o trabalho de descobrir, aprendendo com os erros, a
maneira concreta de realizar esse objectivo.
Os evangelhos de Mateus e Lucas
terminam sublinhando que Jesus Cristo continua presente em toda a
história humana. No evangelho de João, encontramos uma expressão
estranha (usada só 5 vezes): Jesus não nos abandona porque nos deixa
um «paráclito» – adjectivo que indica uma pessoa chamada para
«ajudar» (é este o sentido geral no grego clássico). O sentido
exacto do termo é dado pela explicitação do tipo de ajuda que vem
dar. E no evangelho, tem a função de nos «abrir a inteligência e o
coração» e apoiar as nossas forças. É o «Espírito de Deus»,
continuando a «ajuda» que Jesus nos deu.
Na verdade, Jesus ajudou-nos a
enfrentar a angústia fundamental da humanidade: sentir-se «órfã»
(termo usado em João, 14, 18), desamparada ao tomar consciência de
como tudo é frágil, de como desaparecem os mais estimados pontos de
referência, como desaparecem todos os que para nós são «pais».
Ajudou-nos, revelando Deus na linha da amizade e do amor humanos:
precisamos de nos reunir, de trocar ideias, de nos sentirmos bem… e
de nos sabermos abraçar sem forçar o caminho de ninguém. Revelou um
Deus que ajuda na alegria e na tristeza, no sofrimento e na morte;
um Deus que está presente na falta de lógica da vida. Ajudou-nos,
propondo uma oração em que se junta o céu com a terra e sobretudo
ensinou a «orar» – a exprimir, esclarecer e fortificar os nossos
desejos. Ajudou-nos a ter mais confiança em nós próprios, porque o
templo de Deus está em nós (João, 4, 23-24).
E assim deu toda a importância ao
programa da vida pessoal, dentro do grande “plano de expansão” que
se delineia nesta festa. A expansão da riqueza humana, como se veria
mais tarde na acção dos primeiros missionários da Idade Média,
protagonistas do desenvolvimento da cultura local; ou com os
primeiros missionários portugueses na América do Sul, no Japão e na
China, que trabalharam para comunicar o mais perfeitamente possível
com outros povos e valores, em mútuo enriquecimento e defendendo os
direitos humanos com a força do sopro de Deus.
Este respeito de Deus pela nossa
liberdade é fundamental na festa de hoje. Cabe a cada homem aceitar
e desejar ou não o Espírito de Deus; e quem quer que o aceite
recebe-o à maneira da sua personalidade, e só assim poderá fazer
render ao máximo os talentos que lhe cabem. Nesta concepção de
Espírito santo assentam as várias confissões religiosas de raiz
cristã. O tronco principal do cristianismo, porém, sublinha a
unidade de todos os homens porque e enquanto animados pelo mesmo
Espírito. É difícil para o Homem conciliar diversidade e unidade,
até a nível da educação e da política. E por isso somos atraídos por
Deus em quem se une a riqueza de todos os contrários.
A vitalidade característica da festa
de Pentecostes revela a força contagiosa da esperança – uma
esperança partilhada e que é nosso dever garantir, com todos os
meios do nosso génio inventor, transformando o mundo como artistas
inspirados pelo «sopro de Deus». |