2º Domingo do advento (ano C)
1ª leitura: Livro do profeta Baruc,
5, 1-9
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos
Filipenses, 1, 4-11
Evangelho: S. Lucas, 3, 1-6
A sabedoria dos
tempos diz que a nossa dor é o terreno mais fértil para semear e o
mais sólido para construir. As lágrimas são sinal da consciência dos
limites que nos afectam, mas também das virtualidades. Em cada
lágrima vai a nossa vida: a energia do trabalho, a força dos nossos
afectos, a sede de mais justiça e a alegria ou esperança de bons
momentos. Mais tristes ou mais alegres, as lágrimas soltam-se,
assim, de um abraço com a vida. E humedecem a terra em que devemos
florir e frutificar.
Por isso, se
soubermos semear «nas lágrimas», trabalharemos não «com lágrimas»
mas «com alegria».
S. Paulo (2ª
leitura) manifesta a alegria das suas lágrimas, durante uma das
várias «estadias» em prisão, incerto do seu destino: «Sempre que me
lembro de vós, dou graças a Deus» (1, 3), porque dais bom exemplo do
cuidado pelos outros e ganhais assim o fino sentido do que é melhor.
E a 1ª leitura fala-nos de Baruc,
secretário do profeta Jeremias, durante a deportação dos Judeus em
Babilónia, no séc. VI antes de Cristo. Deixou-nos orações de
esperança e poemas à Sabedoria. Chama a Jerusalém «Paz da Justiça e
Glória da Piedade», porque aprendeu a semear na humilhação e
sofrimento. Quem procura a Justiça encontra a Paz, com o esplendor
da «Piedade» – este conceito, hoje em dia com sabor a ridículo,
designava, na cultura do Antigo Testamento, uma relação mútua
implicando ajuda eficaz e fiel. Na relação com Deus, corresponde a
uma afeição filial confiante e alegre. No Novo Testamento, Jesus é
exemplo da autêntica piedade, reforçando o espírito filial para com
Deus e condenando expressões de hipocrisia.
«Voltaram
como filhos de reis», diz ainda Baruc. É o grande «regresso na
alegria», em que veremos como os cuidados deste mundo se foram
transformando em veredas direitas, agradáveis de percorrer, porque
trabalhámos para construir um digno «caminho do Senhor» – o
evangelho cita o profeta Isaías (40,3-5), mas este profeta salienta
que se trata de construir um caminho onde Deus se possa manifestar e
que as pessoas possam percorrer sem obstáculos que as desorientem.
Já é portanto um caminho feito com Deus, em que O tomamos por
conselheiro e «animador» dos trabalhos de «conversão» (mudança de
mentalidade, segundo o termo grego «metanóia»; porém, no Antigo
Testamento, sobressai o sentido bem concreto de tomar uma nova
direcção).
«Think positive»
– será o lema das leituras de hoje. Com efeito, não se referem
apenas à colheita «no fim dos tempos», mas ao semear e recolher
nesta vida. Fazendo dos cuidados do mundo o caminho de Deus,
descobrimos neles a alegria de quem se esforça pela Justiça. A
Justiça é o remédio que Deus parece propor para a cada vez mais
necessária «saúde mental». As depressões, não nascem elas da
injustiça que nos rodeia e da qual cada um de nós, «poderosos ou
humildes» pode ser conivente ou «abstencionista»?
A oração da
liturgia de hoje pede a Deus «que os cuidados deste mundo não sejam
obstáculo para caminhar generosamente ao encontro de Cristo». Porém,
o resto da oração mais parece pedinchar «um lugarzinho no céu». Com
ligeiras alterações, podia ficar assim: «que a sabedoria do Alto»
nos ajude a tirar bom proveito dos «cuidados deste mundo», sem nos
afundarmos neles nem perdermos o sentido das coisas.
Os «cuidados do mundo»
adquiriram, ao longo de milénios, o significado da excessiva
preocupação com o «mundano» que impede o progresso espiritual e
religioso. Os «Padres do Deserto», nos primeiros séculos do
cristianismo, quiseram libertar-se dos perigos do «mundo» e
«tentações da carne», do orgulho, ambição e de toda a maldade,
refugiando-se na solidão. Destas correntes e outras semelhantes,
nasceu uma visão terrivelmente pessimista e negativa sobre o
«mundo». O «mundo» continua a ser a «tudo aquilo que era bom» como
projecto de Deus (Génesis, 1, 3-25), mas é também o espaço-tempo
onde o ser humano tem que escolher entre o bem e o mal. Como Jesus,
os seus seguidores são «enviados ao mundo» para darem testemunho da
Justiça, mas serão perseguidos pelas forças do mal. Acontece que a
confusão deste mundo é tanta que chegamos a pensar nele só como
terreiro do mal.
Verdade é que
veríamos mais claro, se houvesse mais tempo para meditar e reflectir
– mas, «neste mundo», o tempo só é dinheiro para demasiada gente, a
começar pelos governos, empresários ou «patrões» de toda a ordem
(incluindo organizações religiosas), e a acabar nos que sonham não
ficar atrás deles. Muita gente não tem tempo para meditar e para
estar com a família, porque se vê obrigada a lutar doidamente pelo
mínimo de subsistência ou para manter a posição decente que
alcançaram – o eterno problema da justiça social; num pólo oposto,
há quem se julgue «superior» por não «dar tempo» aos outros.
Na base de tudo,
estará a preguiça de pensar... que nos impede a sabedoria de colher
alegria até nas lágrimas tristes.
Só dominamos e
ganhamos tempo, se dermos tempo à dimensão espiritual e religiosa e
ao convívio sincero, que transformam em vida e em alegria os nossos
«cuidados». |