15º Domingo do tempo comum (ano B)
1ª leitura: Profeta Amós, 7, 12-15
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Efésios, 1,
3-14
Evangelho: S. Marcos, 6, 7-13
Haverá estratégias para caminhar em terreno
minado? Mesmo com o estudo aturado do terreno em que nos queremos
aventurar, é imprescindível uma longa e discreta experiência. Quem
vai depressa demais, sem se preparar devidamente, arrisca-se a
desastrosas consequências.
Amós era consciente dos limites da sua
experiência: a de um agricultor entre muitos. Nem se queria
apresentar como profeta, tanto mais que pertencia ao reino de Judá,
separado recentemente do reino de Israel, com profundas rivalidades
religiosas. Mas fez uso do seu conhecimento e sensibilidade
política, e não se deixou levar pelas aparências: quando tudo
parecia correr bem, política e economicamente, para o rei de Israel
Jeroboão II (783-743), intuiu certeiramente que a calma dos inimigos
de Israel prenunciava a expansão do terrível poder assírio. Também
antes da tempestade vem a bonança…
O aumento aparente da riqueza nacional do
reino de Israel acompanhava-se de um fosso cada vez maior entre
pobres e ricos, de corrupção generalizada e de ostensiva opressão
dos mais desfavorecidos, por parte dos próprios tribunais.
Impunha-se basear a exigência de justiça no único fundamento
incorruptível e fiel: Deus.
Amós “professou” claramente esta exigência – e
foi acusado violentamente de agir como subversivo da situação
política. Tomar o partido de Deus não traz benesses.
Para exemplo desta liberdade que não se deixa
comprar, Jesus manda os seus discípulos avançar para o «terreno
minado» com a maior simplicidade possível. Quanto menos se leva,
mais leve se vai e menor é o perigo. Por outro lado, mais pessoas se
deixarão impressionar positivamente com este espírito de aventura,
aventurando-se elas também a abrir as portas. Perante aqueles que
não mostrarem ao menos curiosidade em ouvi-los, os discípulos
«sacudirão o pó dos pés» (símbolo de uma atitude de rompimento). Não
se deixariam enredar pelos horizontes fechados dessa sociedade.
Fazia mesmo falta o optimismo da carta aos
Efésios – muito provavelmente escrita por um discípulo de S. Paulo,
pouco tempo antes do martírio do «Apóstolo dos Gentios», que ocorreu
em 66 ou 67. Embora sob a forma de carta, há quem lhe chame o
primeiro «tratado teológico» do cristianismo. O pensamento do santo
aparece aqui na sua forma final: a «plenitude dos tempos» não se
refere tanto aos «últimos dias», como se o «juízo final» estivesse à
porta, mas sim ao tempo indeterminado depois de Cristo, em que «o
reino de Deus» vai crescendo lentamente e humanizando toda a
criação, através da acção dos que seguem a mensagem de Cristo. A
Humanidade é vigorosamente chamada a unir-se para fazer o que é bom.
A passagem escolhida deixa-nos sem fôlego: na
realidade, tem a estrutura de uma frase única, bem cadenciada,
repleta de antiquíssimas fórmulas litúrgicas e de imagens grandiosas
ao sabor do tempo, apenas compreensíveis para os familiarizados com
as ideias centrais do Antigo Testamento e da cultura greco-romana,
não faltando laivos de gnosticismo (como a ideia de mistério a custo
vislumbrável para alguns) e de estoicismo (o grande plano de Deus,
no qual tudo se ordena). Grandes ideias e poderosas imagens que
ainda hoje nos falam.
O coral da 9ª sinfonia de Beethoven reflecte a
fé de que o Universo é todo ele invadido pelo amor de um Pai. Com
Jesus Cristo, Deus assegura-nos que não estamos sozinhos nesta vida,
por mais tenebrosas e cruéis que algumas vidas se apresentem. O
terreno minado deixou de ser intransponível.
A 2ª leitura fala da «glória de Deus», para
cujo louvor cada ser humano seria feito (não fala de um céu a
cantar, depois de uma terra a chorar). A linguagem e imagens da
leitura já não nos dizem muito – mas não devemos olhar o texto
bíblico como um agregado de fórmulas mágicas, em vez de procurarmos
nelas «o espírito de Deus que enche a terra inteira» (Livro da
Sabedoria, 1, 7). Sentir este «espírito» é sentir «a glória» de
Deus, é reconhecer a presença de Deus que acompanha e incentiva o
nosso projecto de «um mundo novo». Ou nos fechamos «à espera de
Godot» ou nos aventuramos à procura da luz (ou glória) de Deus. É o
«santificado seja o teu nome» do Pai-nosso, expressão judaica que
significa «faz com que possamos conhecer quem tu és» – um desejo
expresso por João Bénard da Costa quando vivia entre nós.
Mas só podemos conhecer Deus se não nos
recusarmos à sua experiência. A «ideia de Deus» invade a história
dos seres humanos, em todos os tempos e espaços. Mas é uma ideia
extremamente vaga, polimorfa e manipulável. De certa maneira, é «o
outro elemento» com que cada ser humano, qualquer que seja o seu
tipo de vida, se sente «em luta» (seja ela a «luta pelo sucesso»).
Não é um inimigo – é um estímulo. Só que, quando não queremos
reflectir no que fazemos, o estímulo é sentido como inimigo.
A «carta aos Efésios» vê no fenómeno Jesus
Cristo a «importância de se chamar cristão». Jesus é a revelação da
vida que vence a morte, a garantia do sucesso final. A linguagem
usada até nos pode parecer ridícula ou megalómana, vendo a vida como
um folclore quase só divino. Mas este seria impossível sem se viver
a sério o folclore humano.
Muitas especulações teológicas caem na
tentação de viver «numa torre de marfim». Porém, sem gastar o
calçado e sem ferir os pés nos caminhos vulgares e poeirentos de
tanta gente e de tantos ventos, as mais belas ideias resolvem-se a
poeira. A beleza da 2ª leitura só é real no suor, no entusiasmo, nos
insucessos e sucessos de quem vai ao encontro dos outros.
O termo hebraico traduzido por «glória»
significa importância, peso do prestígio; o termo grego dá para os
sentidos de reputação, esplendor do poder, conveniência e ponto de
vista; o termo latino aplica-se à fama e renome.
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