16º Domingo do tempo comum (ano
B)
1ª leitura: Profeta Jeremias, 23,
1-6
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos
Efésios, 2, 13-18
Evangelho: S. Marcos, 6, 30-34
Profetas e
pastores são temas frequentemente badalados nas leituras dominicais.
Eles são «o sal da terra», na expressiva comparação dos evangelhos,
levantando um problema de legitimidade e honestidade presente já no
Antigo Testamento e praticamente em todos os livros do Novo
Testamento.
Mas não se pode
confundir profetas e pastores.
De um modo geral,
mesmo fora da cultura judaico-cristã, chama-se profeta a quem tem o
dom de tornar inteligível o que é misterioso, a quem consegue ver o
que a maioria não consegue (e que muitas vezes recusa ver). É alguém
particularmente sensível à esfera divina, podendo falar «em nome de
Deus», com a sabedoria e autoridade próprias de quem se aproxima do
mais fiel ângulo de visão. Faz coisas extraordinárias, mas não é
necessariamente um milagreiro nem adivinhador do futuro (embora
estes atributos sejam os mais mediáticos…). Precisa, isso sim, de
uma razoável cultura e conhecimento da situação real do seu povo
(dos problemas sociais em geral, e nomeadamente do âmbito político e
religioso). Por tudo isto, e frequentemente pelas originalidades do
estilo de vida, é alguém que “dá nas vistas”.
O valor simbólico
do pastor já é reconhecido nas antigas civilizações do Médio
Oriente. Explora sobretudo a característica de dedicação e
proximidade com o rebanho, de tal modo que este confia cegamente na
voz familiar que o dirige; por sua vez, o pastor chega a arriscar a
vida para defender a vida do rebanho. Reis e deuses eram chamados de
pastores. Mas na religião hebraica, o título aplica-se sobretudo aos
dirigentes do povo (reis, sacerdotes, juízes…) – e na maioria das
vezes para referir a incompetência, egoísmo e malvadez de muitos
eles. Não se preocupam com a justiça porque têm medo de pedir a
sabedoria de Deus para olhar o mundo. Jesus Cristo desde o início
que foi visto como exemplo do «bom pastor».
Mas à diferença
do profeta, que é mais franco-atirador, o pastor segue ou elabora
uma “quadrícula” do terreno, onde constam rios e prados, penhascos e
caminhos. Facilmente se reduz a um papel administrativo,
limitando-se a fazer passar ou impor a cartilha enquanto se entrega
ao mundo dos seus negócios (e quantas ovelhas não terá esfolado
vivas…). Contra estes se erguem os profetas e até Jesus usou
palavras bem duras.
Esta redução da
religião (e de todo o sistema ético) a fórmulas escritas elimina a
riqueza própria do encontro entre pessoas, impossibilitando que os
medos, dúvidas ou descobertas sejam partilhadas e condimentadas com
uma espécie de arte de família.
Segundo os
estudiosos, foi devido ao excesso picuinhas da legislação na vida do
povo de Israel, que o movimento profético quase desapareceu no s. V
antes de Cristo: para quê ser inquietado por profetas, se me posso
livrar do trabalho de pensar, com a ajuda de um código de
comportamento?
Pelos vistos, não
havia quadrícula ou código que satisfizesse os que queriam ouvir
Jesus. E por isso Jesus se comoveu ao vê-los de olhar perdido,
porque nada lhes era dito que desse sentido e sabor à vida de cada
dia.
Faltava-lhes a
medida justa de sal, que se desfaz para abrir o sabor genuíno de
todos os prazeres e de todas as dores. E para afugentar o azedo.
Pastores ou
profetas, espera-se que nos façam aproximar de um Deus que seja o
libertador de todos os sabores que podemos experimentar, ensinando a
ver a vida até quando esta se parece esconder (lembre-se que o termo
grego para “verdade” significa “des-ocultação”).
(E Deus, não terá
um sabor próprio? Não o sentiremos nós naquele “sabor de estranheza”
que acompanha todos os outros sabores?)
O sal não se quer
nem de menos nem de mais. Só acerta com a medida quem tem mão de
mestre. E só tem mão de mestre quem ouve “o mestre” e liberta a mão
para a saber estender. |