13º Domingo do
tempo comum (ano B)
1ª leitura: Livro da Sabedoria, 1, 13-15; 2,
23-24
2ª leitura: 2ª Carta de S. Paulo aos
Coríntios, 8, 7.9.13-15
Evangelho: S. Marcos, 5, 21-43
O
evangelho fala do poder extraordinário de Jesus para sacudir as
pessoas, para as ajudar a «estar em forma» de maneira a melhor
saberem servir os outros. Muitas histórias de milagres terminam com
a indicação de que a pessoa acabada de curar se pôs logo a ajudar os
outros; ou se pôs logo a saltar e brincar, como a menina de doze
anos.
«Kum» é uma ordem imperiosa que significa literalmente «de pé!» Em
todas as culturas e ainda hoje, a morte é comparada ao adormecer e
ao sono. E os termos gregos com que o Novo Testamento refere a
ressurreição significam «acordar» e «pôr-se de pé». O evangelho de
hoje torna-se assim um símbolo da ressurreição, que só poderia ser
entendido pelos primeiros discípulos e divulgado depois de estes
terem experimentado a morte e ressurreição de Jesus.
E
que dizer daquela mulher, já desesperada e arruinada pelo insucesso
dos médicos, que «roubou» energia a Jesus, no meio da multidão que
se apertava contra ele? Jesus sentiu bem que, no meio dessa gente
toda entusiasmada com a sua figura carismática, só ela se aproximou
com o discernimento da fé: a percepção íntima de uma relação
especial com Deus. E Jesus Cristo elogiou a força dessa mulher que
soube ir ao encontro da força de Deus.
Ao curá-la da doença crónica, fez deste caso um símbolo também da
relação com um Deus que é Pai (no sentido inclusivo de Mãe), amigo
de cada pessoa e para quem a «salvação» do ser humano não se reduz à
pouco motivante consolação de «ir para o céu». Como sublinha a 1ª
leitura, Deus só pode querer a vida para os seres humanos e que os
seres humanos alcancem a melhor maneira de viver a vida, atentos a
que a vida é um bem comum e que só ganhamos na medida em que a vida
de cada um de nós é acarinhada por cada um de nós, com benefícios a
nível material e espiritual. A própria crueldade é perversão do
desejo de vida como poder destruidor da vida. Mas o bem e o mal
gerados gritam por uma vida de aventura com o Deus da «justiça
imortal».
Ao longo da história da humanidade, sempre se verificou um
sentimento multicultural de que a verdadeira realidade, a realidade
entrelaçada de divino e humano, implica a superação do sofrimento e
da morte; sentimento manifesto no desejo veemente, convertível em
fé, de que não seremos enganados quanto a esta promessa de
superação.
Como será isto? É o próprio Jesus Cristo quem nos aconselha a pôr de
lado tais especulações e a dedicarmo-nos de corpo e alma ao processo
desta superação: a luta pelo bem-estar de cada ser humano sem
excepção, sem jogadas tortas, sem hipocrisia (Lucas, 21, 7.34-36;
Mateus, 24, 36). Ele sabia bem como é arriscado ser a sério um homem
livre do jogo interesseiro das várias formas do poder. Livre –
perante aqueles que manipulam a própria informação, para melhor
encobrir a perversidade de acções aparentemente «salvadoras» e para
melhor amordaçar todos quantos querem anunciar e propor caminhos de
justiça. Jogada tanto mais capciosa quanto mais democráticos se
apregoarem esses poderes. É de facto muito difícil encontrar nos
detentores de poder – político, religioso, económico… – capacidade
crítica para ouvir os pontos de vista contrários e muito menos para
enfrentar acusações fundamentadas.
Pessoas com inteligência livre, que vêem como a defesa do interesse
comum redunda numa maior estabilidade e defesa dos próprios
interesses particulares. Seguindo o espírito de Jesus, S. Paulo, na
carta de hoje, incita os cristãos de Corinto a orgulharem-se e a
sentirem prazer na partilha judiciosa de bens materiais com as
comunidades mais pobres. S. Paulo deixa bem explícito que não
devemos ficar mal para ajudar os outros, e utiliza o conceito de
«igualdade» no uso dos bens deste mundo como ideal correspondente à
dignidade que cabe por inteiro a cada ser humano.
Quando temos coragem de agir racionalmente, elevamos o nível da
civilização, em todos os aspectos essenciais para uma vida com
qualidade: educação, saúde, economia, trabalho, religião, arte… Age
racionalmente quem se liberta (quem se «salva») da visão estreita
própria dos «irracionais». Um dos problemas do ideal acima referido
de «igualdade» é que muitos seres humanos agem irracionalmente.
Mesmo aqueles que falam «muito bem» e se gabam de uma agenda
carregada de projectos e eventos, muitos deles não estão de facto a
pensar. Nem falar nem agir são «pensar», e daí que muitos activistas
não passem de mistificadores das «massas» (designação do agrupamento
de gente que não pensa – ou se deixa levar para não terem que
pensar, ou porque é giro ou porque esperam alguma vantagem, ao modo
como as gaivotas seguem a pescaria).
A
2ª leitura é um apelo à generosidade. A mensagem de Cristo não é um
suspiro de resignação para com este mundo nem de saudade por uma
vida perfeita (própria de outro mundo, onde aliás não queremos
entrar tão depressa…). O final da primeira carta aos Coríntios
manda-nos entrar em acção vigorosamente: «Vigiai, sede firmes na fé,
sede homens, sede fortes, fazei tudo com amor» (16, 13). Jesus
Cristo condenou a preguiça do servo que não tirou proveito da sua
capacidade (Lucas, 19, 11-27) e «assusta» as raparigas doidivanas
que se deixaram adormecer sem se terem preparado para a noitada duma
despedida de solteiro: «De pé! Acordai, que o noivo está mesmo a
chegar!» (Mateus, 25, 1-13).
A
grande partilha é assim a partilha de mais vida. Como fez Jesus
Cristo. |