Estará quase a
chegar? Há quem diga mesmo que vai chegando sempre pelos tempos
fora…
«Advento»
significa «chegada», sobretudo no sentido presente ou passado: já
chegou ou está a chegar. Os quatro domingos antes do Natal
preocupam-se com um caso estranho: alguém chegou e ainda está a
chegar. Alguém muito importante para toda a história humana e que,
pelo facto de ter chegado e ainda estar a chegar, abana fortemente a
consciência de quem desse caso tem conhecimento e quer pensar a
sério.
Romanticamente,
pensamos no nascimento de um menino como outro qualquer, mas que
está muito e muito longe de ser um menino como outro qualquer. De
tal maneira estranho se revelou esse menino, que ao longo de muitos
anos e dois milénios ainda é centro de reflexão sobre o impacto
deste ir chegando – um impacto na identidade de cada pessoa e
eventualmente em toda a Criação no seu conjunto.
No evangelho,
Jesus fala de uma vinda – de um «Filho do homem». Essa figura,
misteriosa já no Antigo Testamento, é afinal a criancinha
recém-nascida que o profeta Simeão pegou ao colo, dizendo: «Este
menino está aqui para ser sinal de contradição. Assim hão-de
revelar-se os pensamentos de muitos corações» (S. Lucas, 2, 34-35).
Para Cristo, conta apenas a decisão livre de cada qual,
independentemente de estarmos juntos a fazer o mesmo trabalho, de
sermos ou não socialmente importantes, de ganharmos a vida desta ou
daquela maneira. Os Evangelhos testemunham frequentemente esta
liberdade da parte de Deus e da parte do Homem. Seja nas acções mais
solenes ou nas mais comuns do dia-a-dia, vai amadurecendo e ganhando
consistência a escolha livre do sentido que queremos dar à nossa
existência e que queremos partilhar.
Os primeiros
cristãos, e Paulo especialmente como autor dos primeiros escritos
sobre Cristo, sentem que o «tempo da salvação» já chegou, como já
chegaram e estão a chegar os «últimos tempos», ou «a era
escatológica». É o tempo em que vai aumentando, sob a acção contínua
do «Espírito de Deus», a responsabilidade de cada um de nós em
participar no acto criador de Deus, opondo-se a tudo o que é
«tenebroso». (2ª leitura).
Temos este tempo
para abandonar as obras das trevas e segurar bem as armas da luz.
Esse Deus que está sempre a chegar e a encontrar-se com cada um de
nós, «nos ensinará os seus caminhos» – e estes são tão fáceis de ver
e tão naturais para o ser humano, que bem podemos dizer que Deus
«será juiz no meio das nações e árbitro de povos sem número» (1ª
leitura). Qual é a simplicidade destes caminhos? O trecho da carta
de S. Paulo liga-se estreitamente com o versículo anterior: «Amarás
o teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo. Assim
é no amor que está o pleno cumprimento da lei». Temos que dar provas
desse amor, de outro modo não estamos a aproveitar o tempo da
salvação. Só assim é que «as espadas se converterão em relhas de
arado» (1ª leitura). Que melhor tempo do que o Natal para quebrar
espadas?
Com a vinda de
Jesus, a razão humana tem vindo a ser cada vez mais consciente do
sentido da Criação inteira e da história da humanidade. Os «últimos
tempos já chegaram» porque nos foi revelada a raiz da nova
esperança: Deus criou a vida para que a vida «atinja a sua
plenitude»; e o mundo, tal como o percebemos, “acelerou” o processo
de libertação da sua fragilidade, como um eterno prolongamento da
ressurreição de Cristo, orientado para um mundo em que se vive a
plenitude da justiça e do amor.
A iminência de
uma súbita “chegada de Deus” foi um sentimento característico das
primeiras comunidades cristãs (e de outras dos últimos séculos!),
muito marcadas pela ainda então recente presença material de Jesus e
pela crença na instituição material de um reino de justiça presidido
pelo Messias – o milénio anterior ao fim do mundo (é o tema das
ideias «milenaristas»).
O pensamento
teológico e a espiritualidade cristã descobrem nessas e noutras
semelhantes reacções uma espécie de “choque” com o mistério de Deus
(cap. III do Livro do Êxodo).
Doravante,
podemos sentir mais profundamente uma mistura de dor e esperança com
a morte e sofrimento ao nosso lado, sobretudo dos «entes mais
queridos». E a expansão do nosso conhecimento ao que se passa no
mundo inteiro mais pode agudizar a nossa consciência de que «os
últimos tempos» estão continuamente a chegar, e a exigir que o nosso
amor não fique escondido.
Comentário a esta leitura |