29º Domingo do tempo comum (ano C)
1ª leitura: Livro do Êxodo, 17, 8-13
2ª leitura: 2ª Carta de S. Paulo a Timóteo, 3,
14-4, 2
Evangelho: S. Lucas, 18, 1-8
Não é verdade que as deixamos caídas,
demasiadas vezes? Seja por preguiça, seja porque achamos que não
vale a pena fazer nada… Outras vezes porque nos sentimos sós, sem
alguém que nos anime a levantar os braços.
Também custa dar um sentido aos textos de
hoje. Na 1ª leitura, Moisés sobe à montanha para rezar a Deus pela
vitória dos Israelitas que combatiam perto do monte. E só enquanto
tinha as mãos erguidas, é que os Israelitas venciam. Foi preciso que
os companheiros lhe sustentassem os braços. Só assim Israel derrotou
os inimigos.
Jesus Cristo conta a história da viúva
injustiçada por um juiz iníquo, mas que tanto e tanto importunou o
juiz que este, para se ver livre dela, lhe deu um despacho
favorável. E Jesus de concluir: se um mau juiz se rende à
persistência de uma injustiçada, «Deus não havia de fazer justiça
aos seus eleitos que por ele clamam dia e noite?»
Na linha da primeira leitura, é estranho como
a humanidade tem levado tanto tempo a deixar de ver em Deus um
parceiro das suas políticas de destruição (dos outros, e dos
próprios por tabela). Ainda hoje facilmente vestimos Deus com as
bandeiras nacionais.
Quanto ao evangelho, não é verdade que Deus
parece tão longe das nossas orações, daquelas mais desinteressadas,
pela paz, pelo amor entre os homens – como Jesus queria mais que
tudo? Não é verdade que nos sentimos oprimidos pelo silêncio de
Deus? A última pergunta de Jesus também inquieta: «Mas quando voltar
o Filho do homem, encontrará fé sobre a terra?»
Desta vez, é S. Paulo que parece falar mais
claro: «Proclama a palavra, insiste a propósito e fora de propósito,
argumenta, ameaça e exorta, com toda a paciência e doutrina». As
mãos que trabalham são as mãos que rezam, dizer a verdade já é
vencer – mas mesmo aqui, não basta o saber, é preciso muita
paciência. E só é muito paciente quem tem fé «como um grão de
mostarda» (cfr. o domingo passado), tão pequenino mas com tanta
energia que produz um arbusto frondoso.
A oração é o acto humano mais presente na
espiritualidade de todos os tempos e religiões. É aquele que mais
pode dignificar o ser humano, proporcionando a união com Deus.
A oração é de tal maneira tema central na
Bíblia, que esta perde o seu sentido se não é lida com espírito de
oração. Com efeito, toda a Bíblia é a oração de um povo que tanto
foge como procura o Deus de todas as horas, sem saber como levar uma
vida humana à mistura com uma experiência do divino – uma
experiência difícil de ser pensada, e ainda mais difícil de traduzir
na nossa vida em que se misturam guerras, crimes, amores e poesia.
«As Escrituras podem dar-te sabedoria», diz S. Paulo na 2ª leitura:
«podem», não dão automaticamente, porque é preciso lê-las com
vontade de um encontro com Deus. Lendo hoje os passos estranhos do
Antigo Testamento, lemos a nossa própria história, de cada um de nós
e de toda a humanidade: como é que nos temos havido com o Deus que
se quer juntar a nós, sem violentar a nossa liberdade e jogando com
todo o tipo das nossas limitações?
Justamente, uma das grandes limitações é o
cansaço, que nos faz perder a esperança. Talvez seja esse o sentido
da pergunta de Jesus: será que nós mantemos a nossa fé, apesar do
silêncio de Deus, por muito que Ele prometa que nos ouve? Quantas
gerações inteiras morrem sem gozar, aparentemente, da experiência da
paz e da justiça? Onde está a resposta de Deus? Será mesmo verdade
que «Deus dá o frio conforme a roupa»?
Não sou eu quem se atreve a responder. Mas não
posso deixar de pensar que esse Jesus do evangelho é o mesmo que
morreu sem sequer sentir a lealdade dos apóstolos; e na cruz, no
meio da dor e do ódio dos seus inimigos, não gritou ele: «Meu Deus,
meu Deus, porque me abandonaste?»
É a mesma pessoa que nos fala de um Pai que
nos quer bem como nenhum pai consegue querer; e que Lhe devemos
pedir a justiça e tudo o que é bom, sem nos cansarmos de pedir.
Quando já não temos forças para levantar as
mãos, temos o estímulo e o apoio dos nossos irmãos. Mesmo a nível
político, ambiental, afectivo, há muito que fazer para nos sentirmos
bem e mais saudáveis, justamente porque saímos da rotina que nos
impede a dimensão divina, a dimensão da nossa «salvação» de todo o
stress e maldade.
Talvez seja uma lição de Moisés: também há
«técnicas» para nos mantermos atentos a uma visão do mundo menos
parcelar ou egoísta e mais capaz de englobar a incómoda diversidade
das posições humanas. A «Liturgia das Horas» refere esta dimensão
ecuménica: em todo o momento, em todo o mundo, há sempre alguém a
levantar as mãos para Deus, «tendo esperança contra toda a
esperança». Sobretudo nos grandes momentos da vida, a oração, mesmo
só do ponto de vista psicológico, concentra toda a energia
espiritual, aumentando a própria resistência corporal. Mas, mais do
que isso, dá-nos um pouco da perspectiva divina, só ela capaz de dar
sentido ao que parece sem sentido. Só ela capaz de nos fazer sentir
«filhos», por muito que o Pai pareça ausente.
Até gostaria de terminar com o meu
«Padre-Nosso aldrabado: «Acreditamos que és nosso Pai, e por isso te
louvamos, reconhecendo que só tu és perfeitamente bom, e lutamos
para que reines sobre a terra, não à nossa maneira, mas à tua
maneira, embora frequentemente não percebamos o que isso quer dizer;
ajuda o nosso trabalho para viver esta vida que nos deste, em que
tentamos ser bons para todos (sem pôr de lado a justiça, embora
imperfeita, e cientes de que temos muito a perdoar uns aos outros);
anima-nos a lutar para que não falte a ninguém o essencial para
subsistir e se poder lançar na vida; quando a gente se distrai, não
te escondas muito e aumenta a nossa sagacidade e coragem para
escolher o bem.» |