Liturgia Pagã

 

Começa a história de um menino judeu

Apresentação do Senhor (ano A)

1ª leitura: Livro de Malaquias,3,1-4

2ª leitura: Carta aos Hebreus,2,14-18

Evangelho: S. Lucas,2,22-40

 

Judeu dos quatro costados, pela raça e pela fé.

A religião judaica invadia todos os aspectos e situações da vida. A dignidade de cada pessoa implicava o reconhecimento da sua ligação «estrutural» com o Senhor da Vida. Esta união com Deus era mais explicitada e profundamente vivida nas várias festas e celebrações religiosas ao longo do ano e em momentos especiais. Assim, todo o primeiro ser vivo a nascer, animal ou homem, era oferecido ao Senhor da Vida, em memória da libertação do Egipto (Êxodo,13,11-16).

Os pais de Jesus, ao apresentarem-no no templo, professaram publicamente esta ligação a Deus, e como sinal dessa atitude também ofereceram uma pequena dádiva. A alegria do amor alimenta-se dos «sacrifícios» que por ele fazemos. Foi este o primeiro acto público na vida de Jesus, nos termos históricos da lei judaica (o nascimento ficou envolto pelo imaginário religioso).

(Bem vistas as coisas, a «apresentação» é que corresponde ao actual baptismo das crianças e a «confirmação» corresponde ao baptismo de Jesus adulto).

Características desse acto foram a singeleza e ausência de duplicidade. Daí o paralelo com a 1ª leitura, em que Malaquias (nome que significa «meu mensageiro») anuncia um verdadeiro «sacerdote» (=«dedicado ao sagrado», ao mistério da Vida), que purificará os comportamentos falsos e indignos. Quase todo o pequeno livro deste profeta condena a hipocrisia ou duplicidade daqueles sacerdotes que parecem tentar enganar o próprio Deus. De tal modo que o povo se pergunta se Deus premeia a injustiça e desampara os que procuram a justiça. (Lembre-se, contudo, que Jesus foi um simples leigo e não fundou nenhuma classe sacerdotal).

Outra manifestação pública de «bom judeu», profundamente religioso, foi o baptismo de Jesus, a que se seguiu o retiro no deserto. Quis assim enfrentar lucidamente (relacionar com Lucas,14,28-32) os desafios da missão especial a que se sentia chamado. O «reino de Deus», a que se iria dedicar, que tipo de «reino» seria? Dominado pela ostentação e poder? Ou aceitava ser «o servo de Javé» (Isaías,42,1-4; 53,1-12)? Notoriamente, toda a «vida pública» de Jesus será um conflito com o mal, tanto a nível físico como espiritual.

A avaliar pela variedade de gente com quem se dava – homens e mulheres, ricos e pobres, «gente bem» ou «nem por isso»… – era uma pessoa agradável e cativante, gerando profundas amizades. Firmemente verdadeiro, sem acepção de pessoas, maravilhosamente livre para defender «ideias novas», se necessário com palavras e até acções «chocantes» para os comodistas ou apegados às vantagens do poder, tinha forçosamente que criar inimigos. Não queria o templo desleixado mas dizia que o verdadeiro templo está dentro de nós.

Era patente a harmonia entre a sua vida e as suas palavras, ciente de que assim «o reino de Deus» se ia manifestando e crescendo como árvore frondosa. Até ao último suspiro, mostrou que não há maior alegria do que ver a nossa vida gerar mais vida e que isso é a maior prova de amor.

Sentindo o cerco mortal por parte dos que o perseguiam, aproveitou o tempo da Páscoa para uma refeição íntima com os amigos mais chegados. Não é verdade que, se queremos salvar os outros, precisamos de ter força para ver a nossa vida a sangrar?

O menino apresentado no templo foi supliciado com pouco mais de 30 anos, deixando para a história um impressionante processo de condenação. Muito cedo, os discípulos viram que, ao ser crucificado pelo «reino de Deus», foi por Deus chamado a «sentar-se à sua direita», como «Filho muito amado», tornando-se o centro de uma nova fé em Deus. De tal modo que identificamos «o Espírito de Deus» com «o Espírito de Jesus».

É verdade que os temas de libertação e morte tecem o drama da existência humana. Porém, o Senhor da Vida é igualmente o Senhor da Alegria. Por isso, a festa da Apresentação, ao contrário de certas opiniões mais inclinadas ao aspecto lúgubre da existência e da religião, é uma festa de Luz, de «candeias»… Também por isso, dois milénios depois, se diz (Evangelii Gaudium, 167) que acreditar na missão de Jesus e segui-lo é algo «verdadeiro, justo e belo, capaz de preencher a vida de um novo esplendor e de uma alegria profunda mesmo no meio das provações».

02-02-2014


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