2º Domingo do Tempo
Comum (ano A)
1ª leitura: Livro de
Isaías, 49, 3-6
2ª leitura: Carta de S.
Paulo aos Coríntios, 1, 1-3
Evangelho: S. João, 1,
29-34
«Cordeiro de Deus» é sem
dúvida uma expressão que fez fortuna na arte e no sentimento
religioso; mas que dificilmente terá, nos tempos de hoje, a
ressonância que lhe cabia na história do povo judeu.
A riqueza simbólica dos
animais acompanhou desde sempre a história humana. Em muitas
passagens bíblicas do Antigo e Novo Testamento, Deus mostra carinho
pelas animais e plantas. O homem sábio procura conhecer a natureza
dos animais e das plantas (Livro da Sabedoria, 7, 15-21) e estes
enchem as parábolas e visões do Novo Testamento. A díade
cordeiro-pastor adquire o alto simbolismo do cuidado eterno de Deus
para com aqueles que O seguem. E Jesus tanto é o pastor sem medo
como o cordeiro que se deixa prender.
O simbolismo do cordeiro
caracterizava «o servo de Javé» (que decidiu deixar-se conduzir por
Deus para melhor cooperar numa autêntica libertação de todos os
seres humanos). O termo utilizado no Novo Testamento para significar
“cordeiro” («amnós») é o mesmo com que se refere o cordeiro
sacrificado no culto judaico e o «cordeiro pascal» (Êxodo,12,7), que
não pode ter manchas nem defeitos, e no qual os primeiros cristãos
viram simbolizada a pessoa e missão de Jesus Cristo.
Curiosamente, o Livro do
Apocalipse utiliza outro vocábulo («arníon») que tanto pode
significar cordeiro como carneiro. Se ao cordeiro assenta bem a
mansidão, já o carneiro simboliza força, poder e sabedoria. Ora o
Apocalipse fala sobretudo da força, do poder e da glória do «arníon»,
esse animal cheio de superioridade e bravura. E de facto, em Jesus
Cristo parecem juntar-se as características de um e outro no mais
alto grau.
Com esta simbologia,
podem-se pois iluminar as facetas paradoxais da personalidade de
Jesus. Como «servo de Javé», deixou-se conduzir como um cordeiro,
mas sem receio de enfrentar a dor e a morte; e assim cumpria o seu
projecto de vida, tornando-se «luz das nações», que não desilude
quem põe nele a esperança. A mansidão juntava-se à energia com que
combatia o mal. Uma vida tão curta e tão circunscrita
geograficamente, mas uma palavra e acção tão fortes que ecoaram pelo
mundo inteiro.
Por isso, quando João
Baptista aponta Jesus como «o cordeiro de verdade» (a expressão «de
Deus» significa «a sério», «autêntico»), reconhece nele o começo de
uma nova relação com Deus, não baseada na oferta sangrenta de
animais mas no árduo esforço pela «justiça» (enquanto «verdade»,
reflexo de Deus). Deus não é mais um ser superior a ser apaziguado
por sacrifícios, mas sim um Pai que ama incondicionalmente e nos
espera continuamente (como na parábola do «filho pródigo», em que os
animais só são sacrificados para alimentarem a festa do encontro).
Para Jesus, o mais
importante era procurar o entendimento do que é «encontrar-se com
Deus». O «sacrifício da missa» será um lugar e um tempo especiais
para recordar o sentido da vida de Jesus, «conviver com ele» e
fortalecer o compromisso de «alinhar com ele».
Neste sentido é que se
pode chamar «o cordeiro que tira o pecado do mundo». Não é o bode
expiatório para todo o mal de que somos responsáveis (e de cuja
responsabilidade queremos fugir). Nem é por Jesus ter sido
crucificado que Deus nos ama: mas é porque Deus nos ama, que Jesus
quis dar exemplo desse amor, desse «espírito de liberdade» que
fortifica acima de toda a dor. Os profetas sofreram (Lucas,13,33-34)
porque eram «testemunhas da verdade» que liberta (João,8,32), porque
assumiam a condição humana com sua fraqueza mas sobretudo com a
grandeza que nos pode levar a «dar a vida pelos amigos»
(João,15,13). «Dar a vida» não significa «morrer» (o que acontece
quer queiramos quer não!). Significa pôr a vida ao serviço de mais
vida. Quanto estímulo não vem já de um sincero «obrigado» ou
sorridente «dar a passagem»!
Porque somos feitos para a alegria.
19-01-2014 |