Liturgia Pagã

 

«Mas o senhor que é que vem cá fazer?

Baptismo do Senhor (ano A)

1ª leitura: Livro de Isaías, 42, 1-7

2ª leitura: Actos dos Apóstolos, 10, 34-38

Evangelho: S. Mateus, 3, 13-17

  

«Então não vê que tem demasiadas habilitações? Até a mim, que sou o chefe, é que o senhor podia dar lições! Francamente, acha mesmo que se deve pôr na fila única desta boa gente?!»

Se fosse nos dias de hoje, João Baptista precisaria mesmo de ser muito santo para fazer perguntas como estas ao ver Jesus «pôr-se na fila» dos que iam receber o baptismo…

Um acontecimento que marcou profundamente os discípulos de Jesus (é referido em pormenor pelos quatro evangelistas). Na tradição judaica, o ritual do baptismo só aparece pouco antes da nossa era (nomeadamente na comunidade de Qumran, que terá influenciado João Baptista). A água adquiriu, na generalidade das culturas, profundo simbolismo: origem da vida mas também de destruição e morte (dando origem a nova vida). O próprio acto de lavar é «destruir» a sujidade. Não admira que tenha tanto significado a nível religioso.

Se queremos uma nova vida, é porque reconhecemos que as coisas não andam bem. Mas se não identificamos claramente o que vai mal, sem medo de chamar as coisas pelo nome, não sairemos «da cepa torta». Jesus Cristo não se cansou de desmascarar falsas atitudes religiosas e de injustiça social.

Porém, em toda a sua acção, Jesus não pede o mesmo modo de pensar nem de se relacionar com os outros e com Deus. Não impõe o seu estilo de vida: insiste na atitude fundamental de procura da verdade, tendo como critério o «amor ao próximo». Para podermos organizar uma sociedade sólida, atenta aos erros de perspectiva, precisamos de nos sabermos ouvir uns aos outros, sem preconceitos (2ª leitura). Pois é com o «talento» próprio de cada qual, com o estilo de vida de cada qual, que melhor nos podemos aproximar de mais profundo conhecimento de Deus e de uma relação mais justa entre todos. Um grupo em que se tenha medo de tomar posição ou de deixar que os outros tomem posição é um grupo que atrofia em vez de libertar.

Mas quantos serão capazes de ajudar os outros a multiplicar os «talentos», sobretudo quando isso implica deixar para eles o primeiro plano? E contudo é esta a principal e difícil missão de quem pretende ser «educador».

Jesus tomou a decisão adulta de ser baptizado, por volta dos 30 anos (o tradicional baptismo infantil valoriza a responsabilidade da sociedade adulta, representada pelos pais e padrinhos). Deu valor ao ambiente estimulante de fé, próprio de um acto litúrgico, começando por pedir com todos os outros a presença do Espírito de Deus e a vontade de o querer como fundamento de todas as nossas esperanças e projectos.

(O papa Francisco, ao aparecer em público como «o escolhido», começou por se curvar perante todos, para que todos o ajudassem a entender e viver o Espírito de Deus).

Partilhando da maneira comum de viver, Jesus começou a cumprir a estranha vocação do «servo de Javé» (1ª leitura) – consagrou a vida, e enfrentou o perigo de ser profeta da verdade, para que sejamos livres de «vistas curtas». E assim como Deus glorificou este «servo», também dotou Jesus do seu «espírito» (sopro divino que tudo renova), declarando-o «o filho muito amado».

Jesus Cristo caminhou «no nosso grupo» e quis estar sempre connosco. A vida está cheia de «baptismos» mais ou menos solenes mais ou menos custosos: uma nova amizade, uma viagem, um novo amor, golpes de sofrimento… são provas da coragem e aptidão para levar em frente aquilo para que nos sentimos chamados. Como «lembretes» de que cada um de nós tem muito a fazer ao «caminhar em grupo» para a Verdade.

12-01-2014


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