33º Domingo do tempo
comum (ano C)
1ª leitura: Livro do
profeta Malaquias, 3, 19-20
2ª leitura: 2ª Carta de
S. Paulo aos Tessalonicenses, 3, 7-12
Evangelho: S. Lucas, 21,
5-19
Na linguagem bíblica, como na linguagem primordial de várias
religiões, o Homem e a natureza estão necessariamente interligados.
Esta simbiose é que permite ao ser humano descobrir que o seu
próprio desejo é a forma consciente do «desejo» de todo o universo
por se transformar num mundo novo.
Devido a esta unidade fundamental, não pode haver salvação de uma
parte sem a outra. O próprio S. Paulo (Romanos, 8, 19) sente que
toda a criação «se encontra em expectativa ansiosa, aguardando a
revelação dos filhos de Deus». Com efeito, o difícil e lento
reconhecimento (a «descoberta») da «ressurreição» de Cristo
trouxe-nos a descoberta de um novo nível da nossa dignidade e de que
nos compete trabalhar e mudar o mundo de acordo com a nossa
responsabilidade para com toda a criação. Experimentamos não só que
todas as coisas no mundo se vão alterando, mas que a própria vida –
para nós «a coisa» mais preciosa – já começa a transformar-nos em
con-criadores de novos céus e de nova terra.
É deste mundo novo que nos falam os textos litúrgicos dos últimos
domingos. No Antigo Testamento, como em muitas religiões e
particularmente nas do Oriente, é frequente a constatação da
imperfeição e fragilidade deste mundo – e por isso se espera que
seja transformado num mundo novo. Esta ideia é expressa normalmente
por meio de cenários violentos e aterradores. Cenários e
especulações que não faltam nos nossos dias.
Sabemos que as imagens apocalípticas apenas nos pretendem chamar a
atenção para a mensagem simbolizada por descrições fictícias (mas
que atraem o gosto pelo espectacular) – o empenho de Deus para que
se atinja a forma perfeita da criação.
Com efeito, a «glória de Deus» só pode ter esplendor na felicidade
de todo o Universo... O cosmos inteiro encontra-se num processo de
renascimento – para um «mundo ressuscitado», sem catástrofes
naturais e humanas, sem lágrimas, sem injustiça alguma e sem nenhum
sinal de morte (Apocalipse, 21, 1-5). O profeta Isaías (65, 17-25)
fala poeticamente sobre a alegria de Deus com a criação deste novo
mundo.
O desejo e o impulso para contínuas descobertas é visceralmente
humano. É ele que nos leva a enfrentar a tentação da preguiça,
dores, perigos e angústias de toda a espécie. Ficou célebre o verso
de Fernando Pessoa, a propósito das descobertas portuguesas: «Quem
quer passar além do Bojador tem que passar além da dor».
No evangelho de hoje, que utiliza as expressões fantásticas dos
textos apocalípticos, são realisticamente apontadas as dificuldades
que esperam quem demanda um mundo novo; e é lançado o alerta para
que ninguém confunda qualquer brilho com o de uma pedra preciosa. A
quem «demanda» a sério, não faltará a sabedoria do «Criador de todas
as coisas».
O «mundo novo» é identificável com o «reino de Deus» (comparado, em
Mateus 13, 45-46, a uma pedra preciosa que se descobre!). O ano
litúrgico termina com a consideração de que a verdadeira realidade,
a verdadeira perfeição de todas as coisas, está sempre no horizonte
mas depende do nosso concurso. Por isso, o último domingo (o
próximo) apresenta Jesus como «o cristo de Deus», o Messias, na
qualidade de «rei» – isto é, aquele a quem Deus deu o poder de
«reger» o universo, justamente porque soube escutar (o mesmo que
«obedecer») o desígnio de Deus sobre toda a Criação. E assim mereceu
ser «ressuscitado», unindo intensamente com Deus todo o género
humano, em simbiose com toda a Criação (Romanos,6,4).
Com o espírito da ressurreição, «posso viver desde já completamente,
amar completamente e morrer completamente, porque estou certo que
ressurgirei completamente. Com esta esperança, posso amar todas as
criaturas, porque sei que nenhuma delas será perdida» (Jürgen
Moltmann).
Jerusalém, com todas as catástrofes que sofreu e continua a sofrer,
simboliza aquele espaço sagrado (ou «templo») em que o ser humano
entra «em simbiose com Deus». Mas a própria Jerusalém será renovada
(Isaías, 54, 11-14; Apoc. 21, 9-27). A morte é desagregação,
desunião. A vida é contínua reunificação. A vida com Deus é a
perfeição da vida – um mundo novo.
17-11-2013 |