Domingo XVI do tempo comum (ano C)
1ª leitura: Génesis, 18, 1-10
2ª leitura: carta aos Colossenses, 1, 24-28
Evangelho: S. Lucas, 10, 38-42
A cena do Evangelho é das mais conhecidas e discutidas: Marta é quem
se afadiga por preparar a Jesus uma boa refeição e estadia; Maria,
sua irmã, passa todo o tempo sentada ao pé de Jesus – e Jesus toma o
partido de quem "não faz nada"!
Ao menos, quer Abraão quer Sara, 2000 anos antes de Cristo, puseram
mãos ao trabalho para receberem três visitas, pelos vistos de boa
aparência, embora um tanto misteriosos. A hospitalidade era dever
social e religioso de primeira importância nas civilizações
orientais, cumprindo um ritual que facilmente nos parecerá
exagerado. Porém, ainda hoje é uma forma de sobrevivência em lugares
inóspitos ou de baixa densidade populacional, e também faz parte de
uma agradável tradição em várias das nossas regiões.
É certo que Abraão, Sara, Marta e Maria atravessavam momentos de
intensa experiência religiosa: os primeiros, como figuras centrais
de uma estranha aliança de Deus com os homens; as duas irmãs, como
testemunhas chegadas do momento mais alto dessa aliança – a presença
de Jesus Cristo. Ora, quanto mais rica é a vida espiritual de uma
pessoa, mais riqueza esta descobre em todas as outras e mais
profundamente penetra no para quê desta vida.
Os quatro protagonistas, cada um a seu modo, manifestam a alegria de
acolher os outros, mesmo os estranhos. Os nossos maiores amigos,
sobretudo se feitos na idade adulta, não começaram por pertencer ao
mundo dos “estranhos”? Se não nos abrimos aos outros, transformamos
os outros em grades da nossa própria prisão.
Há quem diga que os portugueses passam demasiado tempo em conversa
ou jogos de café. É grande a tentação para fugir da loucura do nosso
trabalho ou para gastar dinheiro nessa e noutras descompressões –
quando não é resultado de negação ao trabalho (às vezes reforçada
por um subsídio pouco criterioso…).
Mas quem nada faz, nem um café sabe tomar: apenas se atasca numa
mesa suja. Um bom café tem que ser um encontro de simpatia e boa
disposição; tem que ser uma pausa mais barata e mais eficaz do que o
mais afamado ansiolítico ou antidepressivo; tem que ser um momento
tão simples como a amizade mais sincera que dele se pode alimentar.
(Quando certos “patrões” ou “afins” não vêm o “cafezinho” com bons
olhos, não será porque temem uma espécie de “conversas subversivas”…
quando de facto até podem ser origem de mais originais e mais justos
empreendimentos?) Aliás, à mesa de café, partilha-se o desgosto de
uma vida ou o tesouro de um amigo possível – e descobre-se uma
mensagem de Deus.
Jesus tomou o partido de Maria. Há quem veja nisto a defesa do valor
da contemplação; ou a condenação do trabalho frenético, alienante
como a droga, que impede de pensar a sério e tomar decisões
honestas. O evangelho, porém, tem outro alcance: chama a atenção
para que uma pessoa equilibrada não trabalha como um escravo: gosta
sim de manifestar o seu pensamento, decisões e ideais; e dedica
alguns momentos do dia para poder olhar a vida com a perspectiva
mais perfeita e para melhorar os seus conhecimentos. E se recebe
alguém, fá-lo com a alegria da amizade e do amor, e não se preocupa
com recepções espaventosas e fatigantes – quantas vezes inibidoras
de amizades a sério. Por outro lado, não será que Jesus tentou
explorar os “ciúmes” de Marta, como quem diz: – E se te deixasses da
tua mania de ser imprescindível e persuadisses a tua irmã a trocar
contigo?
Os hóspedes de Abraão eram gente importante – Jesus era um simples
amigo. Bastaria uma simples bebida e alguns bolinhos para acompanhar
uma tarde de boa e profunda amizade... daquelas que ajudam a
planificar a vida com olhos saudáveis.
21-07-2013 |