Domingo XV do tempo comum (ano C)
1ª leitura:
Deuteronómio, 30, 10-14
2ª leitura:
carta aos Colossenses, 1, 15-20
Evangelho: S.
Lucas, 10, 25-37.
Em letras bem
negras na alta tabuleta de cimento esbranquiçado, este aviso solene
previne quem se dispõe a atravessar as linhas do caminho de ferro.
Em meados do século XX, eram muito frequentes. Quando as via, quase
me sentia hipnotizado com a promessa de comboios gigantescos ou de
máquinas negras em «manobras» perto das estações. Olhava para um e
outro lado e nem hesitava em colar o ouvido aos carris, para ter a
certeza se algum comboio vinha a caminho.
Um bom treino para
a vida: Parava. Escutava. Olhava…
Na vida, há muito
mais «passagens de nível» do que viadutos ou túneis que evitem o
cruzamento. Aliás, o que interessa mesmo é encontrar passagens para
um nível superior… Sem provocar desastres!
Por isso, o livro
do Deuteronómio diz volta e meia: «Escuta!» O texto de hoje continua
a chamada de atenção do capítulo 6,4, onde encontramos o célebre
«Escuta Israel!» que anuncia Deus a caminho e aguça a nossa atenção.
Diga-se até que a leitura de hoje deixa bem claro que Deus não é um
«TGV» em linhas especiais… A qualquer hora e sem cerimónias pode-se
cruzar connosco e dar deixas para as «passagens de nível» da vida.
O Deuteronómio é
de facto um vasto e importantíssimo texto sobre a aliança entre Deus
e os Homens. Tão importante, que foi posto na boca de Moisés, como
testamento espiritual do grande guia do povo de Deus. Na realidade,
consiste num aglomerado de exortações e de aprofundamento de
conceitos centrais para o emergente judaísmo (palavra, lei, aliança,
mandamento, herança, sabedoria...), cada vez mais consciente do alto
nível da sua espiritualidade. O livro foi-se formando desde os anos
700 até 400 a.C.. E o «povo escolhido» não hesita em pôr na boca dos
outros povos palavras de admiração: «Que povo sábio e inteligente,
que tem um Deus tão perto, atento às suas orações e que traçou leis
e preceitos tão justos! (4, 1-14).
Por sua vez, S.
Paulo manda-nos parar, escutar e olhar – para Jesus Cristo, que é a
imagem deste Deus invisível. Vem tão mansamente que o maior perigo é
não se dar por ele. Vem com tanta determinação que nos leva a
perguntar: «mas que nos quer este homem?»
«Este homem», com
a simplicidade própria da verdadeira sabedoria, retoma o alerta do
Deuteronómio. Provavelmente, o doutor da lei (evangelho) tinha-se
ocupado tanto com decorar esse livro, que não teve tempo para
«parar, escutar e olhar», e deste modo descobrir o sentido profundo.
Se fosse dos nossos tempos, arriscava-se a «perder o comboio»… Por
isso, Jesus pôs-se ao lado dele na «passagem de nível» e lembrou que
a simplicidade de Deus se reflecte em cada ser humano, «feito à sua
imagem e semelhança». Deus faz-se visivelmente próximo, sempre que
cada um de nós se faz próximo de quem se sente abandonado. (Às vezes
temos vergonha de admitir, mas quem é que não deseja alguém que se
saiba aproximar?).
Por isso, não vale
a pena discutir academicamente «quem é o meu próximo». Basta que os
nossos passos e pensamentos sejam movidos pela procura da justiça
sem fingimento nem presunção.
Nem o sacerdote
parou para olhar e escutar o moribundo à beira do caminho, vítima de
assalto violento. Só um homem simples e arrojado na vida, sem
vergonha de ser samaritano (os habitantes da Samaria eram vistos com
algum desprezo), é que se soube aproximar. E investiu quanto podia
na restauração do valor daquele homem meio morto.
Até parece que já conhecia alguma tabuleta a dizer «Pare, Escute e
Olhe»…
14-07-2013 |