Liturgia Pagã

 

Oração de «indignados»

Domingo XVII do tempo comum (ano C)

1ª leitura: Génesis, 18, 20-32

2ª leitura: carta aos Colossenses, 2, 12-14

Evangelho: S. Lucas, 11, 1-13

 

A indignação provém do sentimento de justiça, ao levantar a voz contra situações escandalosas. O mal pode vir de todas as partes, por vezes de onde menos se espera. E se não levantamos os problemas, como é que estes se podem resolver? Porém, não basta gritar: é preciso agir. Os nossos bons propósitos só serão levados a sério se dermos exemplo de querer modificar aquilo que está mal (a começar por nós) – e se agirmos como seres racionais.

Sentimo-nos feitos para um mundo perfeito que lamentamos não conseguir realizar, mas que mantém e orienta a esperança da nossa acção. E experimentamos que a realidade não é apenas «isto», mas que há «um lado de lá para tudo isto». Um lado de lá tão estranho que é também o fundamento de «tudo isto».

Para Abraão este «fundamento» é o Deus da Bíblia – tão real que pode ser tratado como pessoa e mesmo discutir-se com ela.

Abraão indigna-se e não cede perante a "intransigência" de Deus, que parece não se importar que os justos sofram o castigo dos injustos. Como bom homem de negócios, regateia fortemente, e Deus teve que lhe dar a entender que já estava a dar o preço mínimo. Nos salmos, nos profetas, no Livro de Job, por exemplo, são inúmeras as passagens em que o Homem se revolta  contra Deus, ao ver a injustiça do sofrimento, da morte, da “vida boa” dos desonestos –  em contraste com o insucesso dos que procuram ser honestos. E queixam-se do silêncio de Deus. O silêncio é sempre angustiante.

Também os discípulos desejavam saber falar com Deus, com o à-vontade de Jesus. Então, Jesus ensinou-os a orar: deu-lhes um «guião» que os ajudasse a cumprir o dever da indignação, reconhecendo que Deus é o grande motor da luta pela justiça.

Nascera  o «Pai nosso».

A versão de S. Lucas é mais sintética do que a de Mateus. Dava para breves cartazes numa «marcha de indignados»:

À frente, uma palavra só: «Pai». Tradicionalmente, a palavra «pai» designa a junção perfeita de amor e poder – infelizmente, na história da humanidade, a balança inclinou-se perigosamente para o poder, com os efeitos conhecidos. Investigações em psicologia mostram que a Deus se atribuem tanto características masculinas como femininas – a plenitude desejada para o ser humano. É a indignação contra o desespero, contra a solidão, contra a falta de amor.

Logo a seguir: «Santificado o teu nome». É a indignação contra a vergonha de reconhecer publicamente quem é mesmo bom e nos ajuda a ser bons; contra a vergonha de nos darmos com uma pessoa tão estranhamente amiga.

E um cartaz esquisito: «Venha o teu reino». Não, não se põe em perigo a república nem os Governos (por muito que desgovernem). É a indignação por a sociedade humana não se deixar reger pela tal união perfeita de amor e poder. É o «reino da Justiça».

«Fora com o que está mal!» «Pecado» significa «falha» no esforço para que tudo ande melhor.

Um cartaz mais pequenito diz que a gente também esquece as falhas dos outros e mal ficaria que Deus não fosse melhor que nós… É a indignação contra o desprezo do perdão e das atitudes e comportamentos de correcção (nos outros e em nós próprios, é claro).

«Abaixo a mentira!» – a fechar. É a indignação contra a falta de segurança, as falsas promessas e o acenar enganoso de muita coisa só boa para quem a «vende»; mas também contra a ingenuidade ou egoísmo de quem se «deixa cair na tentação». Muitas tentações nascem da gente não se indignar sabiamente contra o que está mal.

E quem vê a marcha da janela pode acrescentar: Amen!

28-07-2013


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