Corpo e Sangue de Cristo (ano C)
1ª leitura: Génesis, 14, 18-20
2ª leitura: 1ª carta aos Coríntios, 11, 23-26
Evangelho: S. Lucas, 9, 11-17
Ao entardecer… Jesus mandou sentar a multidão, para lhe distribuir
alimento (Evangelho).
Ao entardecer… Jesus sentou-se à mesa com os discípulos de Emaús,
abençoou e distribuiu o pão (Lucas, 24, 30).
Ao cair da noite… na última ceia, abençoou o pão e o vinho… (2ª
leitura e Lucas, 22, 14-20).
Ao entardecer… chega a hora das trevas, do cansaço, da fome, da
angústia e da solidão. Mas também a hora do convívio mais íntimo, da
restauração de forças, do carinho e do amor. E renasce a esperança
de um dia melhor.
Ao entardecer da era antes de Cristo… já os romanos cultos chamavam
«conviva» (mesma palavra em latim) a quem se sentava à mesma mesa,
sublinhando que o principal era a «partilha de vida» entre amigos.
A festa de hoje só foi instituída formalmente no século XIII.
Procurou-se assim dar mais relevo ao «momento eucarístico» já
celebrado na 5ª feira santa, mas que parecia perder a intensidade
própria, no meio do drama da paixão de Cristo. Por outro lado, o
antiquíssimo valor simbólico do pão e do vinho sustenta a dimensão
religiosa, particularmente na liturgia cristã, «em memória» de
Cristo (2ª leitura).
O pão sempre foi o alimento diário, simbolizando todos os bens
materiais que somos capazes de produzir – dando rendimento aos
nossos talentos (Lucas, 19, 11-27). Também simboliza o «alimento
verdadeiro», os bens de ordem espiritual, sem os quais não matamos a
fome própria de um ser humano.
Falta o vinho, símbolo da alegria própria de convivas. Na mitologia
religiosa, é a «bebida dos deuses», a fonte de inspiração poética
(um dom divino). Mas como «sangue da uva», simboliza igualmente a
morte e o sofrimento.
Pão e vinho são pois o alimento total. A sua consagração a Deus é
«sacramento» da Vida divina e sinal de «aliança» entre os seres
humanos e Deus.
Os discípulos de Cristo reconheceram, desde a primeira hora, a
importância do gesto de Jesus: a partilha do pão e do vinho, como
sendo a sua «carne e sangue» (lembrando antigos rituais bíblicos), é
um momento intenso do significado da sua vida e morte e da vida e
morte de cada pessoa. Não é só o momento de «dar graças» a Deus
(sentido de «eucaristia») mas especial «momento de graça» de Deus.
Na Eucaristia, partilhamos o desejo e vontade de viver a alegria que
não é falsa. Partilhamos com Deus, seguindo o exemplo de Jesus
Cristo, a angústia, o sofrimento, a desilusão… mas também o carinho,
a boa vontade, a sabedoria e a esperança de que não há vida nenhuma
sem valor divino. Como convivas a sério.
O Vaticano II sublinha que «a Eucaristia» é «toda a ceia», como um
convívio sem pressas, de linguagem acessível, leituras variadas, e
com os convivas a desempenhar cada vez mais parte activa. Onde a
cruz e a ressurreição estão ligadas no «mistério pascal». Onde se
deve estimular o serviço pelo bem de todos, simbolizado pelo
«lava-pés» na 5ª feira santa (João, 13, 1-17; Lucas, 22, 24-30).
Onde o nosso pão e o nosso vinho alimentam a união entre todos,
porque entre todos está Deus – manifesto naquele «Senhor Jesus» que,
partilhando o pão e o vinho, na véspera da morte, quis ser nosso
conviva até ao fim – até àquela «manhã» que se segue ao entardecer
da vida.
02-06-2013 |