Liturgia Pagã

 

A «ressurreição» de cada dia

Domingo X do tempo comum (ano C)

1ª leitura: 1º livro dos Reis, 17, 17-24

2ª leitura: carta aos Gálatas, 1, 11-19

            Evangelho: S. Lucas, 7, 11-17

           

Elias salva da morte o filho da viúva em casa de quem se hospedara (1ª leitura); Jesus salva da morte o filho da viúva de Naim (evangelho); e S. Paulo salva-se de uma «vida morta» (2ª leitura)…                              

Toda a nossa vida, como indivíduos, como grupos humanos e até como humanidade no seu todo, tem fundamentalmente uma preocupação constante: salvar-se. Salvar-se de tudo o que é negativo, e até daquilo para que toda a gente diz que «não há remédio». E politicamente, não anda toda a gente à espera de um salvador?

S. Paulo reconhece Jesus Cristo como «salvador» da própria vida, mas tem o bom senso de se salvar a si próprio (como se já conhecesse o provérbio «fia-te na Virgem e não corras…»). Porém é muito consciente de que se apenas nos queremos salvar nesta vida, não vale a pena seguir Cristo. Só se a salvação é agora e para sempre, então é que encontramos em Cristo um bom «chefe», que vai à frente (1ª Coríntios, 15, 12ss).

É o tema da ressurreição, a que se podem dar dois sentidos radicalmente diferentes: a de uma pessoa morta que volta às condições da sua vida anterior; e o acesso a uma nova e permanente forma de vida. Quando a Bíblia relata acontecimentos no 1º sentido, podemos hoje dizer que estamos perante casos de morte aparente (de acordo com a própria exegese dos textos) e de intervenção de alguém com especiais poderes curativos. É o que terá acontecido nas leituras de hoje, a que podemos juntar casos semelhantes, como o de Eliseu, discípulo de Elias (2º Livro dos Reis, 4, 31-37); o da filha de Jairo (Marcos, 5, 22ss.) e os que se passaram com S. Pedro (Actos, 9, 40) e S. Paulo (Actos, 20, 8). Não se pode enquadrar nestes fenómenos a «ressurreição de Lázaro» (João, 11, 1), narrativa resultante de uma notável elaboração teológica.

No Antigo Testamento, o termo «ressurreição» apenas se aplicava à «elevação» dos justos (o novo Israel) a uma existência de nível superior. Nos últimos anos antes de Cristo e sobretudo com o cristianismo, desenvolveu-se a crença na «ressurreição individual», mas sem que isso significasse a mera restituição desta vida. Aliás, as «histórias de Jesus ressuscitado» apenas sublinham que se trata da mesma pessoa – num modo de vida que desconhecemos. 

Corrigindo certos pensadores, para quem «nascemos para a morte», diremos que «nascemos e morremos para sempre mais vida». Marcos, Mateus, Lucas, todos referem a discussão de Jesus com alguns saduceus, em que o Mestre conclui: «Deus não é Deus de mortos, mas de vivos; pois, para Ele, todos estão vivos» (Lucas, 20, 38).

Os evangelhos falam da percepção que os primeiros discípulos tiveram de que Jesus «não tinha nascido para morrer» e que a sua vitalidade era agora de nível incomparavelmente superior, e que foi «o primogénito» do ser humano na plenitude da vida (Colossenses, 1,18). Uma experiência que continua a dar-se pelos tempos fora, testemunhando a persistente presença entre nós do «Espírito da vida».

Na 2ª leitura, S. Paulo mostra que o essencial é adquirir um olhar tão penetrante que percebe Deus presente nos nossos dramas, presente nas nossas experiências de morte e sustentando a esperança de que a morte não é a última palavra sobre a vida.

E por que não olhar esta vida como ocasião de incessante «ressurreição» ou «elevação»? Quando tudo parece «acabado» – é então que mais importa «ressuscitar» para novos tempos, novas oportunidades, para a surpresa sem fim, para passagem de testemunho e para nos sabermos acompanhar nos bons e maus momentos. Com a garantia de ter a nosso lado o «Senhor da ressurreição».

A ressurreição de cada dia é lutar contra todas as formas do mal – é esta a forma verdadeira de louvar a beleza e bondade de Deus. E o pior exterminador é a injustiça. Resistir e combatê-la, e aventurar-se na incerteza própria de grandes projectos, é apostar na salvação, começando pela «ressurreição de cada dia».

09-06-2013


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