1. O conceito bíblico de salvação enraíza-se nas
experiências e situações concretas: libertação de um perigo mais ou
menos grave, da prisão, da escravatura, de um erro judiciário, de
uma batalha (sobretudo de ser vencido).
2. A nação inteira também se sente necessitada de
salvação, como se vê particularmente nos tempos de exílio, de
destruição massiva pelos povos inimigos, etc. Os profetas e salmos
reflectem a dor e também a necessidade de tirar conclusões de âmbito
político e de justiça social.
3. Para os profetas, a conversão era condição prévia
para se dar a salvação. Posteriormente, a “tora” foi entendida como
meio seguro de salvação, bastando cumpri-la fielmente para se
ganharem merecimentos (Jesus e Paulo atacam este “negócio”, mas a
história da Igreja, até hoje, não dá bom exemplo). Por outro lado,
aparece a ideia de que só Israel gozará da salvação definitiva.
4. Pouco antes de Cristo (exemplo da comunidade de
Qumrán), esperava-se a “batalha” final entre os filhos das trevas e
os filhos da luz, dando lugar a um estado terreno de felicidade.
5. O termo grego usado no N.T. para salvação
(“soteria”) designa o bem-estar quer corporal quer espiritual, no
sentido ainda corrente, implicando o conceito de libertação. Mas
sempre que se gera bem-estar (como nos “milagres” de Jesus), entra
em jogo uma realidade mais profunda: a fé. Por isso se diz que com
Jesus chegou a salvação a todos os homens. Onde Deus é o Senhor, vai
desaparecendo o domínio do mal. O evangelho será “palavra de
salvação” (Act.13,26), “caminho de salvação” (Act.16,17), “força de
Deus para a salvação” (Rom.1,16).
6. Sobretudo para Paulo, a salvação presente consiste
na libertação, pela morte de Cristo, do pecado e da lei; no perdão
dos pecados e na filiação divina. É a “participação da glória de
nosso Senhor Jesus Cristo”(2Tess.2,13ss), que só será plena com a
vinda de Jesus no fim dos tempos (Rom.8,24). Mas a salvação é pura
graça de Deus (Rom.10,9ss), que porém se estende a todos os homens.
7. A História da salvação é a presença contínua de
Deus na nossa História. A libertação de situações negativas é já
uma experiência da salvação definitiva. Mas a comunidade cristã deve
esforçar-se por alcançar a salvação (Paulo diz que é uma luta ou
corrida de fundo). O evangelho não é apenas anúncio mas força,
sensível ao Espírito Santo, mediante a fé em Jesus Cristo, que se
torna assim o “líder” da salvação.
8. A experiência de salvação pode dar-se em qualquer
ser humano com atitude religiosa. Todo o mundo é salvo pelo amor de
Deus.
9. A natural necessidade de salvação está intimamente
ligada à nossa natural INSATISFAÇÃO – provocada desde o mais leve
mal-estar até ao extremo sofrimento. Por um lado, a insatisfação
gera curiosidade, criatividade, aventura, dedicação ao bem-estar da
sociedade... bem como à “sede de Deus” (religião natural); por outro
lado, leva à inveja, à violência... e a múltiplas estratégias
erradas, por vezes profundamente perversas, de “obter salvação”
eliminando “os outros” como sendo estes a maior ameaça à minha
liberdade (“o inferno são os outros”).
10. A Fenomenologia da Religião aponta a importância
do “filho” já nos primeiros tempos: ele é a esperança dos vivos e a
consolação dos mortos. O bom filho é salvação para o pai em qualquer
situação. O filho adquire uma dimensão divina (herói), representada
no poder benfazejo da Primavera – que deixa de ser uma força
meramente natural e que é sempre esperada no fim do mau tempo, como
“epifania” desse Herói. Qualquer Herói pode pois ser visto e
venerado como salvador (Evemerismo: os deuses são heróis
sacralizados pelos homens). Um traço importante do Salvador é a cura
de qualquer tipo de doença (Isaías,61,1-2; Lucas,4,18ss). O Herói
triunfa das potencias hostis à vida, mas também morre: Mas é como a
morte da Primavera que “ressuscitará” (“o grão tem que morrer para
dar muito fruto”, João,12,24). A figura histórica do Salvador é pois
a encarnação periódica do SALVADOR.
Um muito antigo “canto de apelo” à Primavera termina
assim:
Ó salvador, brota da terra!
Sentimo-nos asfixiados pelo pior sofrimento,
Os nossos olhos não vêem senão a morte eterna.
Ah! Vem! Com a tua mão forte que nos conduz
Da miséria à pátria.
11. O Cristianismo, como realidade (profundamente)
humana, não podia deixar de conter em si estas aspirações já dos
tempos mais antigos e que ainda hoje perduram com novas roupagens.
Pessoalmente, sinto-me bem com esta presença do divino como traço
fundamental da Humanidade, desde que há história. Jesus Salvador foi
“obediente” ao SALVADOR (Filipenses,2,8), dum modo talvez
inigualável.
12. Hoje, melhor do que salvação seria dizer
Libertação. Jesus propõe-nos viver uma liberdade desconhecida quando
diz: Vim para procurar e salvar os perdidos; Vim como Luz; Vim para
dar testemunho da Verdade; Vim trazer o Fogo; Vim para que tenham
Vida... Na sua dedicação a salvar os Homens, agiu como homem livre
que transmitia Liberdade. Já no Génesis, Deus criou o ser humano à
sua imagem porque o fez Livre para escolher e decidir. Para
colaborar na salvação de todo o ser humano.
_________________________________________________
BIBLIOGRAFIA em que me apoiei directamente:
BALZ, Horst ET AL. :
Diccionario Exegético
del
Nuevo Testamento. Ed. Sigueme,1998.
HAAG, Herbert: Liberdade aos Cristãos. Ed. Círculo de
Leitores, 1998.
SACRAMENTUM MUNDI, Enciclopédia Teológica.
Ed. Herder, 1978.
VAN DER LEEUW: La Religion dans son Essence et
ses
Manifestations.
Phénoménologie de La Réligion. Ed. Payot, 1970.
Aveiro, Páscoa de 2017. |