Nada mais nada menos do que de 1906.
Acabara de enviar a minha recente reflexão sobre «O
meu divórcio e o voto de pobreza», quando um amigo me veio oferecer
as maravilhosas «DIVAGAÇÕES DE UM TERCEIRO» do muito ilustre
pensador Aveirense Jaime de Magalhães Lima.
Publicadas pelo autor em 1906, e reeditadas pela
Câmara Municipal de Aveiro em 1956, com um prefácio de D. João
Evangelista. São uma longa meditação sobre «a revolução
franciscana», que chegou a partilhar com o bispo de Aveiro. O Santo
de Assis era para ele o grande revolucionário de toda a civilização
na sua complexidade. E logo nas primeiras páginas, enriqueceu deste
modo a pobreza das minhas perguntas latentes:
Porque além de uma religião e de uma moral, além de
uma solução das nossas responsabilidades com Deus e com os homens,
esse princípio da pobreza determina uma ordem das coisas sob a nossa
dependência, prescreve uma ciência, uma higiene e uma estética, e
sobretudo uma economia, só por si regrando uma disposição perfeita
das realidades terrenas, de harmonia com as realidades psicológicas
imperativas que previamente a exigiram e traçaram. O que para o
Santo fora em seu arrojado início um ímpeto de amor cristão, tinha
de ser e foi, pela expansão natural da sua energia o princípio e
base de uma filosofia, e o alento de uma arte, e o largo e
inabalável alicerce de um sistema económico das sociedades, mais
seguro em seus bens que quantos outros diversos havíamos conhecido.
Usando palavras do “meu comentador”, a ruptura dos
«esponsais da Igreja da Idade Média com a pobreza» quebrou o
florescimento de uma nova civilização.
Em toda a conjuntura, porém, a condição económica
será o índice e o definidor da condição religiosa, e a religião
esvai-se em mero delírio e inanidade final, se não logrou
transfundir-se no governo constante da nossa existência concreta e
se não lhe deu uma forma, não só expressiva e simbólica, confessando
a aspiração íntima, mas também activa e tangível, impondo uma ordem
das coisas tangíveis.
Bem-haja, meu ilustríssimo amigo e que nos continue a
acompanhar nessa eterna BOAS FESTAS e nesse eterno ANO NOVO.
Aveiro,
18-12-2021 |