Estou em crer que tem um amor violento, a lembrar o clássico «Rapto
das Sabinas». Mas gosta de todas elas. Por isso, não escolhe:
«cheira-lhe a flor» e lá vai ele enamorar-se e arrancá-la do ramo
que a protegia e alimentava. Há quem diga que secam no chão. Mas
isso que podemos ver por terra, por mais longe ou mais perto do
ninho de origem, não passa de discreto bilhetinho de despedida.
Partiram com o vento na mais desconhecida aventura. Todas as
virtudes do seu perfume e beleza vão ser espalhadas pelo mundo
inteiro e pelos tempos fora – por esse vento que «ninguém sabe de
onde vem ou para onde vai». Dei comigo a pensar naquele «Vento de
Deus» que percorria, desde o início do Universo, tudo o que vamos
descobrindo como um «campo de flores»…
Quem diz que as flores levadas pelo vento não dão fruto? São elas
que enchem o mundo de beleza, de esperança em sempre novos «jardins
do paraíso», e o seu perfume espalha a energia que transforma a
saudade em arte de «jardinagem da vida».
E os frutos maduros? Colhidos na boa hora ou caídos no chão,
alimentam tanto quem os saboreia como a própria terra que os acolhe.
É a missão das flores que parecem ter ficado – mas que a seu modo
vão partindo, à medida das caprichosas investidas do vento.
Uma história «muda»? Sim – se reconhecemos que «mudo» e «mistério»
vêm da mesma raiz. Não – se sabemos ouvir o vento, que até namorou
as conversas entre as flores e as ensinou a vibrar ao timbre de cada
qual, numa harmonia sempre antiga e sempre nova.
Só é perdido o tempo em que não sabemos falar sobre a beleza de
todas as flores, mais próximas ou longínquas, bem tratadas ou
resistindo ao pior dos climas.
Foram-se com o vento? É da nossa natureza sermos levados por esse
vento. Custa pensar nisso? Pois custa, como a quem sente os golpes
da poda geradora de mais flores e mais frutos. Mas vamos caindo na
conta de que «partir» e «ficar» são apenas os modos como sentimos os
«caprichos do vento». Os que «ficam» só amadurecem bem se aprendem a
voar com os que «partem»; e os que «partem» levam por todo o mundo e
por todos os tempos o carinho e o vigor dos que parecem «ficar».
À medida que o ramo se vai formando e engalanando, guarda a energia
capaz de proteger todas as flores, mesmo quando as vemos quase-quase
a serem levadas. E aprendemos a falar e partilhar a saudade: é assim
que nos sentimos todos juntos na «viagem-mistério» com o vento. Como
que numa nuvem, em que reconhecemos o perfume e as cores de cada
qual: a «essência» que apaixona o vento.
E vamos dizendo entre nós: é tão bom ser amigo, ser como pai e mãe,
menino e menina… Se há flores que pareceram mais bonitas, é porque
ainda não conhecíamos toda a beleza de uma flor.
Não haverá quem ouça bem e entenda bem esta conversa? Quem é que a
poderá ir inspirando, com uma sabedoria e amizade tão misteriosas
que parecem «caprichosas»? Não será mesmo ele – o «Vento de Deus»?
Aveiro, 10-05-2019 |