Mas, aos velhinhos, senhor...

…Por que lhes dais tanta dor

E tão sozinhos assim?

É bem intencionado arremedo à «Balada da Neve» de Augusto Gil, um poeta de estilo popular, combinando ritmo com leveza e profundo sentimento. Com toda a beleza própria da Língua portuguesa.

Com toda a beleza da imagem do envelhecimento que nos deixa a equipa liderada por Fátima Teles, vereadora de Ílhavo – e que encheu merecidamente duas páginas do Diário de 6 de Março corrente.

Mas não, não é Deus que dá. Somos nós que não temos vontade verdadeira de dar: atenção, ajuda, carinho… Como também descuramos dar exemplo de bons profissionais - médicos, gerentes de restaurantes, professores e prestadores dos mais variados serviços. Enfim, fazemos greve ao cuidado da nossa Casa comum.

E até são «os velhinhos» quem mais parece dar de verdade: carinho e guarda aos netos, casa e dinheiro aos filhos desempregados ou doentes, manutenção de bens dos outros… e muita experiência de “desenrascanço”. São os guardas dos netos e o refúgio de muita gente nova. Não só podem dar pontos de vista cheios de estudo e experiência, como ainda colaborar de modo ajustado em várias profissões, tornando mais rentável o tempo dos mais novos.

Por que é que os media preferem repetir o filme de incansáveis jogadores da bisca nas mesas de café? Será que os mais velhos já não podem ser olhados como símbolos da própria Humanidade – rodeados, acarinhados e «aproveitados» pelas outras gerações? Que podem ser?

Têm muito a contar e muitos dão gosto de ouvir. E se ficam chatinhos, há jeitos de sobra para os levar. E se são vistos em alegre galhofada, como é giro ver a gente nova atraída por essas «rugas» e antigas «histórias», aproximando-se como quem admira crianças a brincar.

Os mais velhos adquiriram uma visão global da vida – e ajuízam como tal. Por norma, são menos fanáticos. Se a sociedade der valor ao que dizem e fazem, não serão «burros velhos que não aprendem».

Falar de velhinhos leva a falar de Avós e netos. A origem da palavra «neto» é bem antiga: provém de «nepot», termo indo-europeu (antepassado das principais línguas), que significa qualquer descendente não directo – sejam sobrinhos, primos, ou netos. Infelizmente, «a corrupção do óptimo é péssima»: o carinho, ao transformar-se em proteccionismo irracional, deu origem ao conceito pejorativo de nepotismo.

De uma certa perspectiva, são os netos que fazem os avós, em linha directa ou não. São os nossos descendentes quem confirma o nosso ancestral papel na evolução da vida. Entrados na categoria de Avós (não só biologicamente), somos quais troncos sólidos alegremente ocultos pela cada vez mais florescente folhagem. Como diz um aforismo latino – velhíssimo avô de muitos outros pensamentos – «é próprio do amor estar em contínua expansão».

Por isso, os Velhos também são raízes – aparentemente longe dos olhos, mas contínuos geradores de seiva sempre nova. Precisamos, todas as gerações, de ter presente que a dolorosa imagem do «adeus à vida» tem por contra-face a misteriosa lei da Vida que resplendece em cada ser humano.

A sociedade precisa de ser mais criativa, para que todas as gerações promovam a Vida. E cabe especialmente aos mais velhos (de 5 irmãos, sou o mais novo, com 80 anos) evangelizar toda a gente de que a vida vale bem a pena – apesar de tudo!

A entrevista a Fátima Teles reconhece nos Velhos um marco vivo do «património cultural e social», os alicerces da imaginação ricamente criadora do futuro.

Se queremos reflorestar a terra, precisamos de que «os Velhos morram de pé, como as árvores» (quem pode esquecer Palmira Bastos na belíssima peça «As árvores morrem de pé»?). Mas precisam de sentir que os mais novos gostam de passear, brincar, sonhar e aprender nesse bosque de muita vida – aprender a carinhosa cerimónia da «passagem de testemunho». E assim também os mais novos perdem o medo de envelhecer e mais facilmente  aceitam que «o jogo da vida» (muitas vezes por descuido) parece pregar a partida de obrigar gente nova a «passar o testemunho» contra as regras do jogo, antes do seu tempo. Todos sofrem – e todos ganham: em todas as idades, podemos passar o testemunho de como é bom  apreciar a maravilha que é viver.

Aveiro, 07-03-2021

 

  Página anterior Página inicial Página seguinte