Se há «cristãos que abandonam a missa», também há
muitos que não vão à missa porque vêem e sentem nela uma
deterioração da dignidade própria da pessoa humana e do cristianismo
– que desejam viver profundamente, como adultos e não como crianças.
Precisamos de criar ambiente propício às
«experiências religiosas», tendo presente que estas são de índole
intimamente pessoal. Esta autonomia da experiência religiosa explica
em parte o choque entre místicos e instituições religiosas, nos
vários níveis: a institucionalização não consegue fugir a uma certa
dogmatização – na medida em que estabelece «princípios
axiomáticos»de organização e acção. Estratégia prudente mas que
produz afastamento das situações reais; e elimina ou trava o
concurso criativo e crítico de cada pessoa. Além de que facilita
jogadas de poder, por parte de quem sabe servir-se «do que está
escrito» para proveito próprio.
Não admira pois que seja mal vista a tentativa de
abordar o fenómeno religioso com a nossa liberdade e razão. Todas as
gerações se esforçam por descobrir as "traves mestras" dessa
milenária preocupação humana, penetrando o universo simbólico.
Esforço jamais satisfeito. Mas só haverá frustração se as pessoas
embarcam na ideologia de «objectivos a \»: porque o grande objectivo
da experiência religiosa e da evangelização é, quase inversamente,
sentir o prazer de jogar às escondidas com o que se esconde por trás
de tudo o que existe – inatingível por definição, e como tal
permanentemente cativante (lembrando a histórica expressão latina:
mysterium tremendum et fascinans: o mistério que nos faz tremer
porque nos fascina).
A catequese é responsável por desenvolver a
capacidade espiritual que nos permite fundamentar e saborear esse
valor. E sem medo de «relativizar» os conceitos religiosos: Deus é
«absoluto», mas as nossas ideias sobre Deus não são absolutas! São
contínuo esforço de «educação»!
A obsessão ocidental por avançar depressa impede a
meditação preliminar sobre o projecto e quais as necessárias
disposições espirituais. Sem este esforço, a planificação
pormenorizada não tem alma.
Para colaborar na salvação de todo o ser humano, a
Humanidade vai-se enriquecendo ao descobrir novos valores e
melhorando os antigos. Por outro lado, quem é incapaz de se expor
aos perigos e angústias do explorador, muita coisa lhe fica fora do
campo visual.
Portanto, se a Igreja tiver como objectivo directo
formar elites e líderes, funcionará como instituição elitista e de
orientação autoritária. Se quiser definir «evangelização» com
«exactidão e clareza», estará a dogmatizar e a deitar fora o valor
da criatividade pessoal e de se ser «livre» de tudo o que impede o
pensamento plenamente humano e o agir congruente.
O que importa é promover a mais completa «educação»
possível no ambiente de «grupo perfeito» (tema tratado noutros
artigos). Deste modo, mais espontaneamente pode surgir no grupo o
desejo efectivo de se quererem libertar de uma religião infantil; e
mais naturalmente despontam as pessoas com as qualidades de
liderança – nomeadamente a sabedoria de orientar os diferentes tipos
de caminhantes. Serão estes os «evangelizadores»: para quem o
evangelho, como «boa notícia»,não pode ser fonte de tristeza,
humilhação, perturbação interior e social e de modo algum violência.
Evangelizar terá como força de expansão a sabedoria
de partilhar a alegria e que vale a pena não ficar «a meio do
caminho desejado e projectado»; e não excluindo outros tipos de
«experiência religiosa»,como pretendi dizer no artigo «Beleza e
Ecumenismo».
A missa não atrairia naturalmente se nela nos
pudéssemos sentir no «agradável convívio», onde se ouve com clareza
e agrado «Boa nova para todos»?
Aveiro, 15-01-2020 |