Custava-me falar com ele, de tal
modo lhe sentia o esforço por se fazer compreender. Sempre o vi na
cadeira de rodas, às voltas com a paraplegia generalizada que só não
lhe tolhia a ebulição de ideias, de projectos e de uma intensa
relação afectiva. Ver isso podia aumentar a angústia de quem queria
mas não conseguia estabelecer um diálogo – a nossa impotência
faz-nos sempre sofrer. E o João sonhava com uma mais eficiente
resposta às necessidades de quem vivia com o mesmo sofrimento, e
conseguiu a mobilização para uma importante palestra sobre o tema.
Acostumei-me a vê-lo na Igreja dos
Congregados e noutros locais como o Centro Académico de Braga. Como
ele se sentia feliz com os abraços e palavras amigas, por mais
breves que fossem! Notava-se bem que desejava muito mais – mas não é
o caso de quase toda gente, embora muitos se esforcem por não dar a
entender esse desejo?
Gostava muito de usar o computador,
teimando contra a enorme dificuldade de acertar nas teclas. Nas
poucas vezes que o visitei em casa, tomei a decisão de consultar
especialistas sobre a possibilidade de teclados (ou equivalente)
adequados a limitações físicas como as dele. Recebi respostas
gentis, mas sem horizontes.
Mas são estes horizontes que me
fazem reflectir.
A vida do João era uma contínua
pergunta, e o mal seria a gente resignar-se a não conseguir dar
resposta, mesmo ficando doridos. Porém, se não podemos fazer tudo,
nem sequer tudo aquilo de que gostamos ou até nem aquilo que
sentimos fazer tanta falta às pessoas de quem mais gostamos, podemos
mostrar e fundamentar as nossas preocupações, tornando a sociedade
mais alerta para a solução dos problemas.
Não é só o problema dos paraplégicos
– é o problema de cada um de nós, que, quer de maneira escondida
quer dando nas vistas, precisamos de gestos amigos, por muito
simples que sejam.
Com o tempo, mesmo para além da
nossa vida (que é sempre curta), aumentam as probabilidades de
soluções, juntamente com a alegria de verificar como, apesar de tudo
e mesmo na dor e no silêncio, não há vida nenhuma que não seja
maravilhosa e que não ajude a multiplicar o bem.
Aos olhos humanos, o João selou
ontem a sua vida. Porém, não disse Jesus (Lucas, 20, 38) que «Deus
não é Deus de mortos mas de vivos, pois todos para Ele estão
vivos»?
Braga, 31 de Julho de 2009 |