Críticas a Igrejas que afastam de Deus

Recebi várias críticas ao artigo em referência, duas delas cuidadosamente analíticas. Organizo-as em parágrafos (vários deles pertencem ao mesmo crítico), seguidos de breve comentário:
1. Contrariamente ao que eu pareço dar a entender, há muitos Padres cultos e dialogantes.

2. É pena que a propósito da Igreja católica, e ao longo da sua história, se possa falar de hipocrisia.

3. A minha afirmação de que a procura de Deus é tanto mais credível quanto mais aprofundamos a história precisa de ter presente a falsidade (ou pobreza) intrínseca à História. Uma história onde abunda a crueldade e nos faz perguntar «mas onde está Deus?».

4. Ao afirmar que só compreende a religião quem compreende a separação, podia esclarecer que o «outro pólo» do ser humano é como o horizonte: quando parece próximo, ao nosso alcance, afasta-se continuamente, revelando a sua «diferença». A relação religiosa provém de uma aproximação continuada a esse Horizonte. Culto e devoções podem apoiar esta aproximação, mas também a podem travar. Culto e formulários de rezas facilmente se transformam em prisões.

5. Precisamos de alimentar a vontade de correr o risco de “separação”. Mas Religião é uma relação amistosa, mais do que conflituosa.

6. «A exigência religiosa não pode ser desculpada para “facilitar” a vida aos mais “responsáveis” – ou que assim se consideram». O pecado tem que ser assumido pelo pecador.

7. Será frutuosa a presença de leigos e leigas como formadores dos novos sacerdotes. De outro modo, perdem a capacidade de visão e atenção aos diversos ângulos que nos permitem conhecer e experimentar a realidade.

8. A minha «crença» é muito «romântica». «Se até para ser Papa há lutas eleitorais, o que será nas aldeias?»

9. Disse Jesus aos apóstolos: «Vós não sois deste mundo» - mas “harmoniosamente” inseridos nele. Porém, manifestam uma cultura eclesial, isolada; parecem viver numa redoma própria de quem é formado dentro do mundo seminarista, de casas religiosas, à sombra do Bispo… Por isso, muitos deles não têm jeito para visitar idosos, presos… nem entrar dentro dos problemas próprios da cultura do nosso tempo. Falta espírito crítico e mão na massa. Terão medo de perder os fiéis? Acabam por ser apontados como pessoas demasiado diferentes. E sentem-se sós. Agrava-se o problema quando os leigos não se preocupam com ajudá-los, espicaçá-los… e acolher nas suas próprias casas, nos cafés… e dizer claramente do que discordam.

Comentário final:


De facto, devo a muitos Padres uma excelente educação e formação. Mas também devo dizer que muitos outros falhavam, até perigosamente, no campo das relações humanas.

Ser culto está muito longe de ser uma «enciclopédia falante» (expressão condenatória, que ouvi a vários educadores meus e que por vezes repeti como professor). O que interessa é enriquecer permanentemente o nosso pensamento, o que implica «curiosidade por tudo o que é humano». Os Padres cultos sabem pedir ajuda a «especialistas», leigos ou não. E estes têm a obrigação de trocar ideias e factos com eles.
Na formação dos sacerdotes, há a sensação de faltar um conhecimento mais aberto em História das Religiões, sem distorções causadas pela perspectiva cristã ou católica. Frequentemente tomam posições rígidas quanto ao que pode ser a tendência religiosa e o que é, para o ser humano em geral, ser religioso (situando-se ou não entre as várias religiões).

Há ainda muitos Padres de autêntica vocação, com grande sabedoria para acompanhar as diversas facetas dos problemas ligados à vivência religiosa. E que no entanto podem não sentir afinidade com o aprofundamento de áreas do conhecimento. Mas o mais importante é que o dom de relações humanas faz deles eficazes enriquecedores da espiritualidade de quantos se cruzam e falam com eles; e por vezes basta a sua «simples» presença (manifesta pela simplicidade no enquadramento social) para provocar a Harmonia do Homem com Deus e com o Universo. A vida espiritual das pessoas consagradas é a grande qualidade: à semelhança de Deus, «que tudo abarca» e «em tudo está presente».

Como aceitam alguns teólogos, «a religião é uma invenção humana» - mas «in-venção», pela história da palavra, significa «vir ao encontro», nem que seja de um mistério (sentido ou não como Alguém). Atenda-se, porém, ao sentido pejorativo aplicável a invenção (mas já não a «invento»).

Na tradição cristã, Jesus Cristo aprofundou a bíblica imagem de Deus como Pai tão perfeito que contém todo o amor de Mãe. Um Pai que entregou à liberdade, que dele herdámos, o «Jardim do Paraíso», sem se cansar de nos incentivar a corrigir o mal, a promover o bem e a mostrar, como «filhos que saem aos pais», que também temos capacidade para criar coisas maravilhosas e vivermos todos como uma grande família.

Essa incansável presença paterna é a base de uma espécie de «teologia descendente»: a nossa relação com Deus é descrita e construída como efeito da «Palavra de Deus», revelada pelos tempos fora e sob as mais diversas formas, mas como «palavra inquestionável».

Hans Küng é bom exemplo da «teologia ascendente»: não nos compete dizer o que Deus é ou faz, como se ele nos tivesse ditado uma cartilha – mas sim como podemos penetrar infindamente no mistério de Deus, discretamente presente como o mais perfeito dos Pais. O que implica profundo conhecimento e reflexão sobre o que se faz e pensa neste mundo. À imagem desse Pai, também cada um de nós pode ser uma presença simples mas autêntica e amigavelmente questionante.

Aveiro, 23-09-2021

 

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