É o que fico a pensar, depois de ouvir certas
conversas…
Por isso, apreciei muito a sugestão do Conselho
Diocesano de Pastoral (no CORREIO DO VOUGA, a 23 de Outubro):
«escutar as pessoas sem medo do que disserem».Mas… E se as pessoas
têm medo de dizer o que lhes vai na alma? E não seria igualmente
importante perguntar «Por que é que vai à missa»?
Sintetizando as questões: Será porque «a catequese
não está a cumprir a sua missão de iniciação cristã»? Por
«desconsideração do sacramento da Confissão ou determinados tipos de
pregação»? Porque a Igreja não é «capaz de criar elites ou líderes
cristãos»? Porque não é «suficientemente audaz»? Porque não há
consenso sobre os «objectivos de evangelização»?
À1ª pergunta, preferia dar um jeitinho: «Será que a
catequese cristã não está a cumprir a sua missão de iniciação?»
Todas as religiões têm catequese própria – a que não
devia faltar a mais cativante «iniciação» ao contínuo «crescimento»
de cada pessoa. Valorizando em cada qual o jeito de trepar mais alto
e de admirar o mundo a toda a volta. Dessa altura se descobrem as
infinitas formas de beleza e do bem, que as próprias sombras fazem
sobressair. E também se aprende a dominar escarpas tenebrosas. Com
esta abertura de visão, é que sabemos dar o devido valor à
«civilização cristã»: manifesta no viver do dia-a-dia, nos modos de
amar, de aumentar o bem-estar da sociedade, de se cultivar… na arte,
na ciência, no pensamento e sobretudo na sabedoria. Tomamos
consciência de que ser «cristão» é ser uma pessoa bem formada.
Uma das ideias fortes nos evangelhos é como Jesus nos
quis ensinar a abrir os olhos para todos os horizontes e aí
descobrir que o «trabalho de Deus» é o «nosso trabalho em parceria
com Deus»: enraizar a boa-nova do «reino de Deus». Esta expressão,
nuclear à mensagem de Jesus, simboliza o mistério da presença
«activa» de Deus no mundo. Como tal, é indefinível. Aliás, «Deus»,
por si, não pode ser definido – e «reino» não pode ter os sentidos
correntes. Será como uma expressão poética, tão simples quanto
profunda.
Crentes ou não, simpatizantes ou não… toda a gente
podia reconhecer o alcance da mensagem. Como «boa notícia»,
anunciava a esperança em que esta vida pode ser cada vez mais
agradável. As multidões entusiasmavam-se e sentiam que valia a pena
«embarcar» no projecto que tinha força para transformar a vida de
todos os tempos, exigindo «apenas» a transformação da maneira de
viver de cada um de nós – «Deus só ajuda a quem se ajuda!»
No tempo de Jesus, atribuir a Deus o nome de «Pai»
era usar um símbolo poderoso: da «fusão» entre amor, justiça,
atitude de respeito e de escuta…; e de se esforçar por «sair ao
Pai»: sempre disposto a perdoar, a aproximar-se de quem precisa de
ajuda, se for preciso dando «vida por vida».
Ficaria bem dizer ao Pai que se gosta muito dele
quando se vive a tirar proveito da injustiça e violência? A
catequese cristã pode constituir excelente «iniciação» no dinamismo
do mundo real e em como combater as causas da injustiça social.
Nesta estratégia de humanização, tem-se perigosamente
esquecido a iniciação ao valor da beleza: é um trunfo precioso para
que as missas não sejam «uma chatice» (como é vulgar ouvir) e as
igrejas possam ser olhadas como o lugar em que temos o prazer de
juntar os nossos desejos, conhecimentos e capacidades sob o
objectivo do tal «reino de Deus». O convívio entre uma «assistência»
heterogénea quanto a gostos, espiritualidade e sentimento artístico,
exige que a «iniciação» saiba corrigir o empobrecimento do nível
cultural. E o gosto artístico no domínio da música e arte sacra só
traz novidade e agrado a este processo de «crescimento» contínuo e
harmonia social.
A variedade das manifestações artísticas esconde um
mundo de ideais, de ciência, de tentativas de exprimir a imponência
e sentido da vida e de todo o universo, de conjugar Deus e
Humanidade. Pintura, escultura, arquitectura, música popular ou
erudita, «música clássica», canto gregoriano… toda essa Arte pode
estar presente nas celebrações religiosas «como a comida quer o
sal».
O mais importante raramente é bem expresso. Talvez em
tentativas futuras, se esclareça melhor por que é que «ainda vou à
missa».
Aveiro,
07-11-2019 |