Parece estar na moda resolver conflitos «à facada».
Nomeadamente entre casais «à antiga» ou «à la mode».
Não será consequência de um velho ditado: «Entre
marido e mulher não metas a colher»?
«Meter o bedelho» é coisa feia. Já «ser amigo» é
coisa bonita. E não é só para farras. É sobretudo quando vemos os
amigos em sofrimento – e daquele sofrimento calado que muita gente
não nota e assim lhes aumenta a solidão interior. É tão simples: a
maior parte das vezes, basta ser um ombro amigo com um olhar ou
abraço carinhosos.
Outra estratégia aplica-se mais aos «pedacinhos de
zanga»: uma «colherada» de humor, bem a propósito, é remédio santo –
e evita, quantas vezes, um final explosivo «à facada».
Uma palavra amiga e oportuna é mais do que um aviso
eficaz. Vence aquela espécie de preguiça aliada ao grande
preconceito social de que só devemos agir se a situação piorar. Será
mais um exemplo do macabro desejo de «ver sangue»? Até parece que
este «macabrismo» se revela mais cruamente nos animais ditos
racionais. Será? Quantas vezes não somos como aqueles mirones de
grandes desastres que nem se envergonham de dizer que lá estão para
ajudar… enquanto vendem sandes e docinhos como pipocas durante um
filme de horror!
Na 1ª leitura do próximo domingo (XII do Tempo Comum,
ano C), o autor (a partir do cap. 9 já não é o profeta Zacarias)
apresenta Deus a suscitar um espírito de compaixão, «de boa
vontade», perante a visão do mal que podemos fazer aos outros (o
pano de fundo é o assassinato hediondo de sacerdotes mas também a
ganância e graves abusos de poder pelos «maus pastores»). Lembra a
parábola do samaritano e a citação de Ezequiel (36, 26): «Dar-vos-ei
um coração de carne e não de pedra».
Falou «sem papas na língua», vencendo o medo de ser
perseguido e talvez torturado. Como Jesus, que se manteve firme:
libertou-se da ilusão de possuir o mundo, para ser um dom ao mundo.
É com este dom que se podem vencer as situações de
injustiça que ferem a humanidade, como as atitudes e esquemas
perversos dos poderes económicos e políticos, que impõem cruzes sem
esperança de «ressurreição».
S. Paulo fala da nova sociedade em que a dignidade e
valor da pessoa não é afectada por se ser «judeu ou grego, escravo
ou livre, homem ou mulher» (2ª leitura). Note-se, porém, que esta
citação altera um pouco o sentido real: qualquer ser humano, de
qualquer condição intelectual, social ou sexual (hoje em dia
teríamos de incluir todas as variantes) pode realizar-se plenamente
como pessoa, seguindo a «boa nova» de Jesus Cristo.
Jesus não convida ninguém à morte pela cruz: convida,
isso sim, a viver mais e melhor, sabendo tirar proveito das maçadas,
sofrimentos e trabalho de cada dia – que não matam mas moem...
Calejados pela vida, penetramos melhor no sentido da vida e
percebemos melhor a lição do Mestre: A cruz de cada dia é mais fácil
de levar quando atendemos à cruz dos outros, até ao fim.
Na epístola aos Gálatas (6,1-10), faz-se o elogio da
arte de ajudar com mansidão e prudência, e sem engasgos: «Ajudai-vos
a levar cada qual o seu fardo». A caminho do Calvário, Jesus não
recusou a ajuda do homem cireneu. Em modo muito actual de dizer as
coisas, o tal cireneu foi «obrigado a ser bem educado». Pelos
guardas. Por um lado, isto lembra-nos as «escolas à força» de todos
os tempos (não só do pré-25 Abril); por outro lado, lembra que há
muita falta do sentido de educação na «grande sociedade» e, mais
grave ainda, no corpo de «formadores» «mal formados». Ninguém dá o
que não tem. Se quer dar ou se sente vocação para «educador», tem
que fazer muito exercício para aprender o que vale a pena dar e para
não lhe faltarem as forças ao oferecer-se (ou a ser obrigado…) a dar
uma ajudinha…
Como reage a sociedade cristã perante esta «falha
grave» na «educação» dos seres humanos? Consola-se porque «Deus
escreve direito por linhas tortas»? Não me refiro à magnífica
assistência social das Igrejas cristãs. Mas ainda mostra vergonha ou
medo de discutir o que é (boa) educação e de com naturalidade ajudar
a levar as cruzes da vida mas lutando contra as «crucifixões». A
«cruz de ajudar» passa a «prazer de ajudar».
«À facada», só se multiplica a dor. Uma «colherada à
medida» dá saúde.
Aveiro, 16-06-2019 |