8.3 – «Sophós»
e «theorós»
«Qualquer saber e
qualquer ciência é mais útil do que a filosofia, mas nenhum é mais
nobre» – assim sintetiza Zubiri (1963, 43) uma das máximas de
Aristóteles.
Esta nobreza provém do exercício da capacidade última do ser humano,
que manifesta, seguindo o pensamento de Aristóteles, um impulso e um
desejo orientados a um saber em que possuamos intelectivamente a
verdade das coisas (Zubiri, op. cit. 15).
Segundo Zubiri (op.
cit.), Aristóteles distinguia cinco modos de estar na verdade
(das coisas): tékhne, phrónesis, epistéme, nous, sophia. São
as «virtudes dianoéticas», que permitem ao espírito humano caminhar
cada vez com mais solidez e firmeza, profundeza e universalidade,
para a perfeita sabedoria, que é própria da divindade. O nome, a
classificação e sobretudo a tradução e interpretação destes termos
são ainda assunto polémico, como se pode verificar nos vários
estudos sobre o pensamento aristotélico (cfr. Reale & Antiseri,
1991, vol. I, 186).
O tekhnítes
é aquele que domina a tékhne: «sabe melhor as coisas do que
aquele que só tem experiência» (Zubiri, 1963, 17), porque
sabe a razão ou o porquê dessa coisa, obtendo assim a
capacidade de generalizar. Um curandeiro, exemplifica Aristóteles,
pode curar melhor do que um médico – mas só este é técnico, uma vez
que só este conhece a razão das propriedades dos remédios. Aliás, é
devido a este trabalho universalizante da razão que a tekhne
pode ser ensinada – «ensinar é explicar as causas de cada coisa» (Metafísica,
A, 2, 982 a). A obra resultante da tekhne chama-a Aristóteles
de pôiesis (Zubiri, 1963, 18).
Para além deste
poiêin, o saber de fazer coisas, de produzir ou criar, há
o saber agir (práttein), saber viver o seu próprio agir, como
se se tratasse de dois conceitos com a mesma compreensão. Só o homem
virtuoso, ou o homem educado se preocupa com submeter por
princípio todo o percurso da vida à prudência decisória (phrónesis),
particularmente útil em toda as funções sociais e políticas.
Este práttein tem por termo não um objecto exterior ao homem
mas a sábia ordenação da vida psíquica, da sua enérgheia no
grau mais alto: em vez da pôiesis obtemos uma práxis.
Devido ao sentido de ordenação correcta da própria vida, alguns
comentadores de Aristóteles, mesmo entre os modernos, traduzem
phrónesis pelo termo latino disciplina.
Aristóteles
espera que os modos seguintes alcancem «o que os gregos chamavam
o que é sempre (aêi ôn), subentendendo que este “sempre”
significa “necessariamente”» (Zubiri, 1963, 20).
«Uma das grandes
criações de Aristóteles é a ideia do saber cientíco» (ibid.
21): epistéme, ciência no sentido estrito. Já não basta
conhecer pelas causas, mas «saber com verdade a interna articulação»
que constitui necessariamente um objecto (ibid.). Estamos
perante a demonstração (apódeixis). «A ciência
consiste em fazer com que o objecto, aquilo que ele é (tí)
mostre (dêixis) desde si mesmo (apó) esse momento de
“porquê” (dióti) lhe compete necessariamente uma certa
propriedade. Esta apó-deixis é pois de-monstração, algo muito
próximo da exibição (epídeixis). De facto, para Aristóteles,
não significa aqui em primeira linha um raciocínio, mas antes uma
exibição que a própria coisa faz da sua interna estrutura
necessária; demonstração tem o sentido que damos à palavra ao
falarmos, por exemplo, de uma demonstração da força pública» (ibid.).
O acto mental que
nos leva a atribuir uma dada propriedade (ou predicado) a um sujeito
é o lógos, e a correspondente estrutura mental ou caminho
para a ciência (méthodos) é a lógica. À conexão (syn)
dos lógoi chamou Aristóteles syllogismós: nela se
exibe a articulação da necessidade do ser de algo (Zubiri, 1963,
22).
Mas os primeiros
princípios em que assenta um silogismo não podem ser demonstráveis
por ele próprio, ou teríamos uma petitio principii. O
conhecimento dos princípios básicos é atingido pelo noûs,
traduzível por intelecção, intuição, que possibilita a indução, como
se pode depreender do Livro VI da Ética a Nicómaco
(Aristóteles, 1959). É este nível de visão superior que nos logra o
saber que nos permite afirmar o que um ser é necessariamente ou que
o ser é necessariamente. Para Platão, este nível atinge-se com a
contemplação das Ideias; para Aristóteles, a visão noética é capaz
de descobrir este traço de necessidade em todas as coisas.
Dá-se ainda um
modo de saber insuperável: será a união de epistéme e noûs
– a sophia, que junta a visão dos princípios à ciência que
demonstra a necessidade com que um objecto deles deriva ou com eles
se articula. Esta «ciência filosófica» (Zubiri, 1963, 25) é rigorosa
porque explica os seus princípios, procura a sua própria
interioridade e fundamento – é uma zetouméne epistéme,
expressão que pode unir o sentido próprio de dinamismo com o sentido
antropológico da insatisfação humana (bem no centro do sentido de
educação).
Será humanamente
atingível um nível de saber que implica que «nenhuma coisa seja
sabida por si mesma enquanto distinta das demais, mas segundo o todo
(kathólou) em que está»? (op. cit., 27) De certo modo,
a resposta está na exigência do próprio saber: pois tudo aquilo em
que coincide tudo o que há é o Ser, que se revela na
diversidade do real. Fica aberta a entrada para a “teoria divina”.
Note-se que já
desde o tempo dos «Sete Sábios» se mantém um sentido básico para
sophós: «um homem que possui uma forma superior de saber» desde
a tékhne mais elementar à sophía mais universal (op.
cit., 36). Afinal é o traçado da Filosofia da Educação como
profissão, produção e sophía. Seguindo de perto Zubiri (ibid.),
podemos sintetizar deste modo as características do sophós:
(a) Procura o mais difícil domínio de conhecimento, universal e
rigoroso; (b) Um conhecimento capaz de ser ensinado (máthema);
na Metafísica (A 1, 981 b), Aristóteles escreve que «a marca
distintiva do sábio é a capacidade de ensinar»; (c) O seu grau de
saber dá-lhe autoridade para dirigir e mandar; (d)Finalmente,
«possui um saber que se busca não pelos seus resultados mas somente
por si mesmo. Este saber não se ordena a nenhuma produção (pôiesis),
mas é uma acção que se basta por si mesma, é pura práxis.
Porém, nada disto
vale a pena se não se persegue a vida mais feliz: necessariamente é
a que tem o fim mais nobre e detém em si própria a razão da
felicidade – ou seja a «vida teórica» (bíos theoretikós), a
vida consagrada à verdade do que as coisas são (Zubiri, 1963,
49-50).
O saber desejável
na skholé é pois a theoría. É nesse tempo e templo de
libertação que podemos desenvolver o prazer de tudo examinar e a
capacidade de nos admirarmos perante tudo o que existe. A teoria
passará a ser o verdadeiro agir do homem, um hábito contínuo, de
cuja unidade os actos particulares participam como elementos.
Todavia, a
felicidade não se libertará da contingência enquanto não se envolver
na felicidade de o que sempre é. Para Aristóteles, a eterna
felicidade aparece como um atributo divino. À mais nobre e
suficiente das substâncias pode-se dar o nome de Theós, tanto
que a «filosofia primeira» se pode chamar teologia, embora
sem o sentido religioso corrente: é um Theós que nada
produziu nem atrai as coisas a si; a natureza inclui este Theós
como bem supremo e como norma da aspiração de cada coisa a ser o que
pode e tem que ser. A natureza tende portanto à felicidade, e
filosofar é ser feliz na medida em que se entra em união com o ser
mais perfeito. O homem verdadeiramente sábio transforma a sua vida (enérgheia)
em theoría.
Ao que parece,
para o fim da sua vida, Aristóteles foi sentindo cada vez com mais
acuidade que o conhecimento mais certo não é plenamente certo e que
a filosofia, afinal, é o mito do saber. A sua metafísica ter-se-ia
desenvolvido entre «o mito que ainda não chegou a ser um saber e o
saber como mito» (Zubiri, 1963, 56) Como diz Tricot (1972, 17, nota
3): «O Mito está cheio de factos que excitam a admiração; aquele que
admira pensa que é ignorante; aquele que se crê ignorante deseja a
ciência; portanto o amante de mitos é um amante da ciência (um
filósofo, no sentido etimológico)». E deixou escrito: «Quanto mais
solitário e abandonado me encontrei, mais amigo do mito (philomythóteros)
me tornei».
A Filosofia da
Educação, para fazer jus à riqueza dos seus componentes, deve
exercer o hábito dos passos do «conhecimento científico» no sentido
aristotélico, a caminho da “contemplação divina”. Considera mais
atentamente, desde o nível de tekhnítes, o mundo educacional,
sua área específica, cuja visão só é sábia se não esquece a visão
suprema. Mais do que em qualquer outra área, se verifica que toda a
especialização só é plenamente humana enquanto se abre à plenitude
da theoria.
A cultura cristã
foi particularmente sensível ao reino das coisas invisíveis,
adoptando o platonismo e até uma pluricultural tradição esotérica.
Na linha das últimas considerações, e sempre na perspectiva
educacional, seria injusto ignorar o tema da philosophia ancilla
theologiae.
Ao legado
platónico deverá S. Agostinho a sua convicção de que «para além do
mundo dos sentidos existe o reino da verdade espiritual e eterna,
que é o objecto do espírito humano e o objectivo do esforço do
Homem» (Maurer, 1974, 257). Esta verdade é identificada com o
Deus do cristianismo, a encontrar dentro de nós próprios, e a
Cidade de Deus representará «o drama universal da história
humana como um movimento progressivo da humanidade redimida por Deus
para o descanso final junto do seu Criador» (ibid.).
Este caminhar
dramático é exposto misticamente no Itinerarium mentis in Deum
de S. Boaventura: caminhamos do mundo exterior para o mundo
espiritual e deste para o eterno, ajudados pela iluminação divina.
Porém, duzentos anos antes (séc. XI), já S. Anselmo desenvolvia
profundamente a complementaridade da polaridade fé-razão (ou unidade
polarizada?), no seu Proslogium – Fides quaerens intellectum
e no Monologium, cujo título original era «Meditação sobre a
razoabilidade da Fé». A iluminação divina também tem que se dar como
um processo racional. Este tema viria a ser aprofundado de um modo
muito mais objectivo (aplicando as muito criticáveis categorias
modernas...) por S. Tomás de Aquino.
Poucos anos
depois de S. Boaventura, Duns Scotus, o «Doctor Subtilis» vincava
que a filosofia não bastava para encher o desejo de conhecimento.
Por isso, afirmou que «um puro filósofo como Aristóteles não podia
entender verdadeiramente a condição humana, porque ignorava a Queda
do homem e a sua necessidade de graça e redenção» (Maureer, 1974,
270). Deste modo, a antropologia implicará o desejo de salvação,
como a meta feliz da antropagogia.
Muito
interessante é a posição de Samuel da Silva (contemporâneo da
dinastia filipina) sobre como entender a obediência da filosofia à
teologia. Diz ele: «A ancilaridade nunca é desprestigiante, a ideia
de serviço equivale à ideia de dom gratuito, e a
filosofia que busca a ancilaridade afirma-se, então, gratuito dom.
Que filosofia será filosofia, se não exercitar-se como dom para a
verdade? A filosofia não nasce nem morre em si mesma: nasce como
filosofia, mas morre em mistério, dissolvida na verdade que, por
amor ama e, por amor inquire» (Gomes, P., 2001, 284). Poderíamos
comentar dizendo que, como serva, não é livre, no sentido
aristotélico, o que a proíbe de alcançar a sophia. Mas como
dom e como amor é uma virtude e capacidade (areté) para a
teologia, constrói a teologia (já como tékhne) e atinge a
theoria da plenitude, de Deus.
Note-se que
dentro da secular disputa em torno do sentido de uma filosofia
cristã, Bergson, no princípio do século XX, apresenta a «evolução
criadora» como «o élan ascensional que nos leva até à raiz e
meta final da vida» (Zubiri, 1963, 210), a eternidade de vida que é
Deus.
Este acto de
theorêin, originado pela zetouméne epistéme, reforça o
critério da educação como busca contínua da plenitude
própria do homem. A antropagogia confunde-se finalmente com a
divinização desejada tanto pelo mito como pela razão. O despertar do
ânthropos coincide com a consciência das divisões e
oposições, culminando com a visão divina da unidade de todas as
coisas, englobando os diversos níveis de saberes, na sua perfeição
relativa.
Mais ou menos
envergonhadamente, de acordo com as modas de pensamento, acabamos
por reconhecer que a melhor técnica e a melhor ciência só são dignas
do Homem se conduzem a uma theoria.
O nível da
theoria, longe da «Bequemlichkeit» heideggeriana (que refere o
conceito de Deus como um “repouso” para o espírito), é a recusa
radical da sectorização e limitação da realidade, enfrentando a
infinitude do ser, sentida muitas vezes como aquela vertigem do
«abismo que atrai abismo». É uma eterna aventura que historicamente
evolui e khorêi (dança, movimenta-se) dentro dos limites
extremos da experiência sensível e espiritual (que nunca se dá no
estado puro). Nesta «dança», cabe um papel específico à Filosofia da
Educação, enquanto visão teorética capaz de «coreografar», com
sophrosyne, a polivalência do caminho revelador do que é próprio
e necessariamente próprio do ser humano na sua perfeição.
O drama deste
processo pode-se exemplificar com a seguinte passagem de A. D.
Carvalho (2000, 87): «Em educação, teremos de confrontar os modelos
de Homem, de Sociedade e de Mundo – apresentados pelas diferentes
utopias pedagógicas – entre si, com os sujeitos por eles visados,
bem como com os próprios ideais e situações reais que contextualizam
as suas formulações. É, para isso, de facto decisivo que se aceite o
questionamento incessante do estatuto e das funções dos limites
relativamente à extensão e à direcção da realização humana. Por
isso, também, a busca da totalidade não pode, de facto, fazer
degenerar a humildade que terá de inspirar esse projecto de
realização para que ele permaneça crítico e criativo, sem cair,
portanto, na arrogância dogmática da pretensão da posse do
fundamento. Esta última liquidará sempre, com certeza, a dinâmica
educativa de qualquer processo, para além de representar,
igualmente, um empobrecimento do ser humano pelo empolamento da sua
vontade de não aceitar os desafios que a vivência do limite suscita,
inclusive, perante a inexorabilidade dos limiares antropológicos do
mistério» (cfr. também, entre outras, as pp. 15 e 168, op. cit.).
«Mistério» corajosa e honestamente enfrentado na obra de Gabriel
Marcel.
Valerá a pena
redizer este ponto essencial: theorêin permite ver com
serenidade todo o campo possível de acção, e assim seremos mais
prudentes nas escolhas dos caminhos e do «meta-odós» que constituem
os pequenos campos da nossa intervenção.
A Teoria da
Educação e a Filosofia da Educação poderiam ser consideradas como
dois momentos oscilatórios do pensamento educacional, nos quais
todos os processos de índole didáctica e tecnológica se manifestam
como pontos de contacto com a realidade (obrigando, por vezes, a
«pôr entre parênteses» a liberdade humana, fonte inesgotável de
surpresas). Mesmo quando se encontram ao mais alto nível, poderíamos
atribuir á Teoria a saboreadora contemplação, que nada exclui, e que
procura ver todas as coisas no seu lugar – lógica e afectivamente.
Cabe-lhe a alegria do sabor da eternidade, sendo a limitação desse
“experimentar” a fonte do desejo de tornar eterno esse momento. A
Filosofia ficaria sobretudo com a inquietação, a dúvida, a
ponderação mais ou menos angustiante, tendo o infinito como pano de
fundo fundamentante, e a endémica desarrumação contínua de
sistematizações. Cabe-lhe a alegria das amizades e aventuras do «Homo
Viator».
* * *
A Filosofia da Educação "sem medo de aventuras",
abre-se necessariamente ao Transcendente.
O Evangelho, no
conhecido episódio de Marta e Maria, hierarquiza os valores
"estreitamente" humanos de nova maneira, subordinando a acção à
contemplação. A acção é imprudente sem a visão profunda que a deve
dirigir. Porém, o Novo Testamento (como já o Antigo) vinca várias
vezes que pelos frutos conheceremos a qualidade da energia manifesta
na pôiesis e na praxis.
Na realidade,
parece dar-se uma finalidade comum à teoria e filosofia da educação:
a contemplação que, ao nível poético «humano, profundamente humano»,
leva Rilke (1993) a proclamar: «Pois o belo apenas é / o começo do
terrível que só a custo podemos suportar, / e se tanto o admiramos é
porque ele, impassível, desdenha destruir-nos. / Todo o anjo é
terrível» (As Elegias de Duino, primeira Elegia, versos 4 a
8).
Na introdução à
edição bilingue de As Elegias de Duino, explicita a
tradutora: «O Anjo das Elegias é e criatura em que já se deu
a transformação do visível em invisível que nós operamos. Para o
Anjo das Elegias as torres e palácios do passado existem
todas, por serem há muito invisíveis, e as torres e
pontes da nossa existência que ainda subsistem são para ele já
invisíveis, embora (para nós) ainda tenham duração corpórea. O Anjo
das Elegias é aquele ser ao qual cabe reconhecer no invisível
uma categoria superior da realidade. Por isso ele é 'Terrível' para
nós, porque nós, que amamos e transformamos a realidade, ainda
estamos presos ao visível» (id. ibid., 1993, 17).
O "anjo" de Rilke
bem pode simbolizar a teoria como sabedoria, que tudo vê "sub specie
aeternitatis". Atitude que implica uma dolorosa expansão do "eu",
demasiado preso pelos condicionalismos, solicitações e manipulações
do dia-a-dia.
Poderíamos assim
aplicar ao filósofo da educação o que Santo Inácio de Loyola
desejava para cada jesuíta: «ser contemplativo na acção». Dão-se, de
facto, estas vertentes: a) caminhar perseverantemente para a
"suprema visão" (a "sophia" como Fullat a apresenta nos artigos
citados), numa atitude marcadamente contemplativa; b) comprometer-se
no despertar para a vida, no seu sentido pleno, causa eficiente e
final (na terminologia neo-escolástica) do acto educativo. De ambas
estas vertentes se alimenta a vida, sob o signo do "grupo perfeito".
«A educação,
insistimos, é acção». Mas não uma «acção desligada do pensamento,
teoricamente cega. É acção atravessada de uma ponta a outra pelo
conhecimento do homem e pela intencionalidade axiológica a seu
respeito» (Patrício, 1993, 51). Por isso, o mesmo autor nos impele a
fazer frente ao practicismo redutor da consciência dos professores e
educadores. A praxis pressupõe a razão que
fundamenta a sua ordem, uma razão não instrumentalizada, nem
política, nem económica, nem religiosamente. Uma razão que ama a sua
liberdade intrínseca, o que lhe permite «voltar sobre si mesma».
A Filosofia da
Educação, como ficou mais ou menos explícito nos vários textos
escolhidos, e em muita da bibliografia anexa, não tem medo de
perguntar: Que sentido pode haver numa Filosofia da Educação? Que
fundamentos para tal conceito? É um "porquê" intimamente ligado ao
"para quê", vincando mais uma vez como a causa final e a eficiente
se intrincam inseparavelmente no "acto humano", ou seja, no acto
revelador de "humanidade". «A análise filosófica da educação põe à
vista que esta consiste propriamente na formação do homem na
inteireza e plenitude da sua humanidade» (Patrício, op. cit.,
51).
É a procura
insaciável de quem ainda não alcançou a «alegria que requer
eternidade» (expressão de Nietzsche), só própria da divindade. É
sempre um passo arrojado na «espiral da vida», exPERimentando
PERigos e procurando PORtas e PORtos, encontrando sempre uma saída
que se enriquece com os próprios desaires e passos obscuros.
É o esforço de uma incansável justificação deste seu “errar”,
adquirindo o hábito de alimentar o desejo do theorein que lhe
permite gozar do telos – plenitude do ánthropos.
O próprio Cícero
traduziu paideia por humanitas – termo latino que
tanto se opõe a animalidade como a divindade. É a aristotélica
virtude agónica, que procura o equilíbrio do microcosmos
identificado ao próprio Homem; que sabe recolher na
humanidade tanto a sua riqueza "humilde" (de "humus") como a sua
riqueza divina.
*
Honestamente, não
creio que se possa alguma vez dar uma resposta à pergunta que é o
título deste livro. Na linha de muitos pensadores, cada vez mais me
persuado de que a humanidade cairia na mais tenebrosa escuridão se
aceitasse alguma resposta como definitiva. Seria a vitória do
totalitarismo, porventura sob um disfarce tecnocrático. Um critério
para a educação só poderá ser dinâmico, sob pena de sermos obrigados
a admitir que o critério da vida é a morte.
Tivemos
oportunidade para considerar alguns «degraus do saber»: se for
permitida alguma conclusão, diria que o «Homem é educado» na medida
em que não se cansa de theoreîn os mais espantosos avanços da
sua téchne.
__________________________________
Nesta breve aplicação do
pensamento aristotélico, seguimos de perto a tradução e
interpretação das obras citadas de Zubiri (1963) e de Tricot
(1959), rodeando assim o problema de grande falta de consenso da
parte de tradutores e comentadores de Aristóteles.
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