A
ÁRVORE DE ZAQUEU
5º Domingo do tempo comum (ano C)
1ª leitura: Isaías, 6, 1-8
2ª leitura: 1ª Carta aos Coríntios, 15, 1-11
Evangelho: S. Lucas, 5, 1-11
A verdade é que há muita gente para quem Deus não passa de uma
péssima companhia – se é que chega a ser companhia alguma. Nem nos
vale o «natural desejo de Deus» – esse conceito tão vago mas
historicamente existente nas mais diversas culturas: como é que
podemos achar interesse nas imagens de Deus que nos são apresentadas
– e vendidas? Descrições rocambolescas, ao jeito de sketches
publicitários, outras infantis, mesquinhas e até negativistas… O
inventário não é brilhante, pois as conversas sérias e estimulantes
sobre Deus não rendem muito e exigem disposição sincera para nelas
participar. Para não falar do fraco exemplo por parte de muitos
ditos «crentes» e até de alguns «sacerdotes de Deus». Estes últimos
particularmente põem Deus longe da «gente comum»: pois não se
preocupam com falar a mesma linguagem, não sabendo dialogar – e
aprender – com os leigos que têm ideias e comportamentos diferentes
e que por isso são vistos como «suspeitos». Preferem continuar a
viver sem sobressaltos num «sistema de fé» sem janelas para a vida,
onde predominam conceitos obscuros. Tornam assim a realidade divina
cada vez mais estranha e inamistosa.
E contudo, permanece a questão por vezes angustiante sobre a
hipótese dessa «companhia». Será um «amigo escondido»? Antipático?
Mas até um amigo pode não concordar com os nossos projectos e
tornar-se incómodo, obrigar-nos a pensar, a arriscar, a sair do
nosso cantinho…
Isaías viu-se a braços com uma presença estranha, pertinazmente
importuna. Ainda por cima com o nome impressionante de «grande rei
do universo», rodeado de fogo, aclamações e de «seres ardentes»
(significado do termo hebraico «serafim») que lhe chamavam «Santo»
três vezes (o grau máximo de perfeição – como ainda se usa na
liturgia cristã).
Havia razão para ter medo: acreditava-se que a visão da
transcendência divina era de tal modo tremenda que levava à morte.
Precisou de muita coragem (ou terá tido o atrevimento) para aceitar
o encontro com Deus – mas sobretudo porque viu que esse encontro
também podia purificar e salvar. Partiu então a anunciar que vale a
pena a amizade de Deus, que nos inspira o olhar positivo sobre a
vida (a pesar de tudo) e a saber agir na construção de uma sociedade
justa.
«Santo» e «sagrado» derivam do mesmo radical indo-europeu («sak» e «sank»),
que estabelece a ponte com a dimensão divina e donde derivam verbos
significando consagrar, dedicar, estabelecer solenemente, tornar
inviolável. Já o inglês «holy» (santo, sagrado) deriva doutro
radical («kailo») que significa «inteiro, completo, em bom estado,
de bom augúrio», como se vê em «whole» (inteiro, total), «health»
(saúde) e «hail» (saudar).
Pois é: o «Santo de Israel» não encaixa nas medidas humanas. Como
será possível travar com ele uma relação de amizade? Contudo, também
é reconhecido como prazer, amor, força, salvação e apoio, «rochedo
inabalável», «benevolência e fidelidade eternas» (como se lê ao
longo da Bíblia).
Na 2ª leitura, encontramos a forma provavelmente mais antiga do
credo cristão: a morte e ressurreição de Jesus manifestam que ele é
«o Cristo de Deus» (o «Messias»), a sua perfeita revelação. Deixa de
haver barreiras entre os seres humanos e Deus. S. Paulo reconhece a
sua imperfeição, mas que mesmo assim a Vida divina se serve dele
para comunicar mais vida. E cultivou esta amizade tão exigente
quanto gratificante.
Já S. Pedro andava desconfiado sobre quem Jesus seria, mas ficou
aturdido ao dar-se conta de que «o Santo de Israel» se manifestava
no Mestre. Caiu de joelhos e gritou: «Afasta-te de mim!» Porém,
Jesus deu-lhe a volta: «promoveu-o» a «pescador de homens» – e por
isso o ensinou, bem como aos companheiros, a não se entregar ao
desânimo, mesmo quando o trabalho aturado de uma noite inteira não
dá nada que se veja.
Na história do cristianismo, Deus é muitas vezes apresentado como
avesso aos nossos prazeres. Ora «o amigo Deus» só quer que em tudo,
desde a brincadeira ao trabalho mais «sério», olhemos os outros como
amigos também. O mal é magoar os outros e impedi-los, no amor ou no
trabalho, de se realizarem e ser felizes a 100%.
Bem vistas as coisas, Deus não será assim tão má companhia … |