2º
Domingo do tempo comum (ano C)
1ª
leitura: Livro de Isaías, 62, 1-5
2ª
leitura: 1ª Carta aos Coríntios, 12, 4-11
Evangelho: S. João, 2, 1-12
Já viram o jeito com que a mãe de Jesus levou o filho? Fez de conta
que não reparou na atitude longínqua dele e na resposta
aparentemente tão pouco elegante para com a mãe – e logo ele que era
tido por ter jeito para falar com toda a gente! Também deve ter
feito de conta que não se lembrava do que lhe tinha custado vê-lo a
fugir de casa aos 12 anos, e da estranha resposta com que ele se
justificou, ao estilo de um adolescente cheio de si. (Na verdade,
Jesus não se ficou por esta: quando um dia lhe vieram dizer que a
mãe e irmãos o procuravam, respondeu que, para ele, mãe e irmãos só
conhecia quem se comportava como filho de Deus – Mateus, 12,46-50).
Contudo, a resposta de Jesus era corrente para dizer que o assunto
não lhes dizia respeito ou não era o momento oportuno. Acresce que o
termo «mulher» não era depreciativo na cultura grega, em cuja língua
foi escrito o Novo Testamento.
É tudo uma questão de jeito: o jeito singelo e feminino da Mãe de
Jesus e de como as dicas que ela deixou aos serventes revelam plena
confiança na bondade, inteligência e poder do filho. E no final,
como não podia deixar de ser (ou não haveria história…), o melhor
vinho foi o que resultou desta «embrulhada»!
É também o jeito da prudência: a acção oportuna exige conhecimento
dos factos e dos sentimentos das pessoas envolvidas. É assim, para
que a solução não se fique por um lusitano «desenrascanço», de
vistas curtas e facilmente egoísta ou só espaventoso. Precisamos de
muita ginástica para ganhar o jeito de aplicar este grande princípio
de acção: o bem particular deve-se enquadrar no maior bem geral
possível, gerando harmonia na sociedade.
Para ajudar na festa, fala Isaías da «nova Jerusalém»: dela diz que
se hão-de invejar a justiça e a glória. O termo hebraico traduzido
por «glória» significa o «peso» de uma coisa, o valor real, a sua
importância; o renome e a fama são apenas uma consequência. O termo
«justiça» aplica-se a Deus como modelo supremo de toda a
integridade; e aplica-se a nós na medida em que reflectimos a
justiça divina, construindo aquela cidade humana «com que Deus quer
casar»: uma cidade onde os habitantes se esforçam por melhorar os
próprios dons – quanto mais diversos, maior riqueza total irão
produzir (2ª leitura).
Deus revela-se o maior fã possível do amor humano: trata essa
«cidade» como a namorada que um dia há-de ser sua noiva (apesar de
muitas vezes ser infiel – basta ler os Profetas!); e Jesus compara o
reino de Deus à mais festiva das bodas (Mateus, 22, 1-14).
No evangelho de hoje, Jesus como que é forçado a «mostrar o que
vale». Nos termos do próprio evangelista, deu-se aqui «o começo dos
sinais» de Jesus – é o único evangelista em que o conceito de
«milagre» é expresso pelo termo «sinal» (em grego «semeion», donde
deriva «semântica»): sinal daquilo a que importa dar atenção em
primeiro lugar.
Toda esta cena pitoresca simboliza a «boa nova» de Cristo e revela o
seu jeito de «passar fazendo o bem» (Actos, 10, 38). Nada representa
melhor a realidade de Deus na história humana do que um ambiente de
festa, de alegria e bem-estar em pleno convívio. Mais ainda se
celebramos «a mais-valia» da união dos dois pólos da sexualidade
humana, masculina e feminina. É a festa da capacidade de discutir um
projecto em comum e de o saber ajustar ao longo da vida. É a
combinação dos jeitos – para o que dá jeito até o bom vinho quando
usado com jeito…
A abundância de vinho é, na Bíblia, símbolo de uma época
florescente. O vinho aparece no princípio e no fim (última ceia) dos
evangelhos: como símbolo estimulante da vida, da amizade e do amor e
do «testemunho de sangue» de quem viveu a abrir horizontes e a
fomentar estratégias de paz e de alegria (ideias tão batidas como
levadas pouco a sério). Precisamos de muito jeito para superar os
momentos difíceis. É por isso que «nos faz tanto jeito» sabermo-nos
reunir para trocar ideias e nos ajudarmos a construir a cidade onde
nos sentimos «em casa» e onde até com Deus estamos à vontade à volta
da mesma mesa. |