O Espírito Associativo dos Montemorenses

Por JOSÉ BARÃO

Há uma pergunta sacramental que o magistrado julgador, na função do seu cargo, faz às testemunhas que vão depor: se é parente, amigo ou inimigo do réu – isto para aquilatar do valor do depoimento do interpelado.

Se bem que não vamos falar de um julgamento, conquanto não haja réu não ofendido, isso não nos exime de prevenir que somos suspeitos ao escrever sobre Montemor-o-Novo; outrossim declaramos que essa suspeita tem suas raízes na amizade que nos liga a tão boa terra, onde há tão boa gente, e de onde nunca trouxemos a menor razão
de queixa nas muitas vezes que lá temos ido em missão profissional.

Se de julgamento se tratasse, estão a ver o juiz bem avisado tomar já a precaução de encontrar a destra na orelha esquerda e postar-se atento ao depoimento de testemunha tão suspeita!

Do pouco que conhecemos da vida montemorense, há um aspecto que sempre nos impressionou. Não é um grande tema que nos consinta enxundiosas considerações engalanadas de adjectivos retumbantes. É coisa bem simples e modesta, e por isso mesmo, escrevemos com mais à-vontade, e sem as peias que sempre embaraçam a pena que se propõe abordar com maneirismos de estilo um tema de grande fôlego.

E postas as coisas no seu pé, ou, como diria um brasileiro, «colocado cada macaco no seu galho», foquemos aquele aspecto do «lar» montemorense que mais nos impressionou – a sua vida associativa – de que são belos expoentes o Círculo Montemorense e a Sociedade Antiga Filarmónica Montemorense. É coisa que sensibiliza o forasteiro, o amor que a gente de Montemor nutre pelas duas velhas associações. O mais curioso é que este carinho foi atiçado inicialmente pelo abençoado fogo da rivalidade, julgamos que rivalidade política, o fogo, com o decorrer dos tempos, e depois de ter atingido um ponto morto de caldeamento, deu-se em minguar nas proporções das labaredas, começou a aplacar-se ao que podia subsistir de velhos ressentimentos, e reduziu-se a uma lareira acolhedora, junto da qual algumas gerações de montemorenses, esquecidas aquelas rivalidades de raiz, têm passado as horas mais agradáveis nos intervalos da luta do dia a dia, confraternizando, aprendendo a estimarem-se, e desfrutando esse recreio maravilhoso que é a música. / 243 /

Julgamos que as duas velhas rivais estabeleceram de há muito um pacto de amizade – amizade que não inibe cada um dos grupos de procurar engrandecer-se, orgulhando-se mutuamente da prosperidade da vizinha. Belo exemplo de entendimento associativo, que não pode deixar de se reflectir na vida montemorense.

A devoção dessa gente pelas suas agremiações, a despeito de acalmia de rivalidades, não esmoreceu, porém. E o melhor exemplo de que assim é  deram-no há pouco tempo os sócios da Sociedade Antiga Filarmónica Montemorense, quando foi necessário reconstruir a sede que o ciclone desmantelara.

Velhos e novos, ricos e pobres, numa irmandade de esforços que serve de padrão para se avaliar do carácter dos montemorenses, trabalharam com entusiasmo na reconstrução da sua casa e ela lá está como marco real do que podem o espírito associativo e o carinho por aquelas coisas que nos recordam e nos ligam pela fibra imaterial do amor e da saudade aos que nos foram queridos e desapareceram no abismo do tempo. É que a nossa velha casa – lar íntimo ou lar colectivo – mesmo que de escombros reconstruídos se trate, tem sempre qualquer coisa dos nossos que por ali passaram, coisa que não se define com palavras, o coração é que o sabe dizer.

 

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