Ó Sobreiros! Ó Sobreirais!
Na paisagem desolada
Da charneca brava e só...
Eu brado e vós dando ais
Na secura ensanguentada
Tão calma, que mete dó.
 

Vêm os das maltezarias...
Quem sabe lá porque passam
Com lábios encortiçados...
Hora das avé-Marias!
Que o façam ou que não façam –
Rogam pragas de enraivados.
 

Sobreiral em carne crua!
Troncos sem casca, despidos,
Contorcidos em dor estranha...
Esta mágoa – minha e tua –
De eternos mortos vencidos
Perde-se ao longe e é tamanha!...
 

Ninguém decifra a linguagem!
Ninguém entende o segredo!
Da vossa atitude em prece,
Sobreirais! Nesta paisagem,
Gritos, brados, ais e o medo,
Fantasmas sois. Quem vos esquece?
 

Não me esquece eu que o entendo
No vosso drama tão mudo,
Protestando à terra e aos céus.
Morro eu e vós morrendo...
Sobreirais! O que é isto tudo?
Porque nos desprezas Deus!
 

Porque é que a Lua que é prata
Quando na charneca bate
Por cima dos sobreirais
Em vez de pratear mata!
Enluarada em combate!
Ó raios da Lua mortais!
 

Hora! Hora dos enluarados
Nos ermos tão solitários!
Onde os sobreiros dão tristura...
Mistério! Ecos dobrados,
Solidões, rastos, calvários,
Reino sem par de amargura...
 

As bruxas e os lobisomens,
Como fantasmas dormentes
Dançam às más horas pretas;
Morrem as coisas e os homens,
Águas, gados e sementes...
Param – são horas secretas.
 

Pisam-se as cruzes e os lumes
Apagam-se. Terrincam dentes
As caveiras nos covais
Pestilenciais dos curtumes!
Nem sofrem sãos nem doentes.
É à hora dos sobreirais.
 

Hora! Hora em que essas ramadas
Se agitam em convulsão
Num ritmo morno e dolente.
Ó Senhor! Dá-lhe perdão!
Que a lua está no poente.
 

Corpos sem forma e sem sexo
Igualam-se às pedras bravas.
Hora! A hora é mestiça.
Misturam tudo sem nexo;
Gritos, as vozes mais cavas...
Nos sobreiros nasce a cortiça.
 

Enrugados e engelhados
Os troncos todos torcidos
Em tragédias e tormentos,
Ó sobreirais descarnados!
Os vossos ramos despidos...
Homens ou bichos vencidos
Olhem estes sofrimentos!
 

Olhem e o mundo pára;
Chorai! É o tempo que chora;
Raivas, silêncio, amargura;
Sobreiros! Já não tenho cara,
Meus olhos todos de fora
Andam de rasto à procura.
 

Procuro e não vos encontro;
Crucifico-me e não posso.
Escorre o sangue em vosso tronco
A terra está toda em osso.
 

Ó Sobreiros! Ó sobreirais!
Carne viva da paisagem.
Ó meus ais! Porque gritais?
Não chega aquela linguagem?
 

Deus vos ouça e vos acuda
Deus vos poderá valer!
A hora do bem, do mal...
Minha boca ficou muda.
Homens o que é o sofrer?
Perdido no matagal
Oiço um sobreiro a gemer.

 

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