«Aqui é Portugal!»
Eis uma frase comum e rica de conceito, que abrange na beleza da sua
essência, o sentir de todos os portugueses de Aquém e de Além-Mar,
unificados no pensamento sublime dessa magnífica expressão do mais nobre
significado de amor da Pátria, lançada ao mundo pelo venerando Chefe de
Estado, num dos seus patrióticos discursos, quando da sua visita ao
nosso Arquipélago Açoriano.
Pois bem.
Analogamente, também nós, animados do mais
ardente desejo de insinuar no entendimento dos bons portugueses, desses
que sabem ver e apreciar o trabalho fecundo dos seus compatriotas,
procurando na veracidade incontroversa dos factos, desfazer essa
estafada lenda da charneca, com que, malevolamente, se pretende apagar a
importância económico-agrícola da rica província alentejana, num grito
altissonante, diremos: – Aqui é o Alentejo!...
Sim, esse Alentejo, que vos dá o louro
trigo, que é o pão, principal alimento do corpo; esse Alentejo, que
engorda a saborosa carne que vos fortalece e enrija os músculos; que vos
fornece a fina lã, fato precioso de seus numerosos rebanhos, matéria
prima do vestuário que vos agasalha e defende dos rigores do Inverno;
que vos oferece o carvão que crepita na vossa lareira, etc., etc., e
tantos outros produtos de reconhecido valor intrínseco; que será ocioso
enumerar, e que, bem observados no cômputo económico, levam abaixo o
prato da balança comercial do País!...
/
153 / Ora, pois, em presença
de tão notável somatório de prodigalidades em que a bendita terra
alentejana se desentranha, quem, ousadamente, se atreverá ainda a
classificar de charneca, o farto torrão do Alentejo?
Note-se que as suas herdades são hoje, em
grande parte, um primor de tratamento agrário, onde a mais moderna e
aperfeiçoada alfaia agrícola fez há muitos anos a sua aparição.
Os potentes tractores em marcha,
accionando as charruas polifólias, promovem as grandes lavras; as
subsoladoras, descendo a maior profundidade, mobilizam maior cubo
de terra arável, mais acessível à penetração e retenção da humidade, tão
precisa, principalmente na quadra estival, de notável secura na
província alentejana; as engenhosas grades, de vários tipos, umas
articuladas, outras de molas, e as de discos, destorroando e cortando as
leivas, pulverizam ao máximo a camada destinada às culturas; os
sachadores e escarificadores mecânicos; os seleccionadores de
sementes; as portentosas maravilhas da engenharia agrícola, que são
essas formidáveis máquinas
/
154 / de debulha, a
cuja acção se deve o maior incremento da cultura cerealífera, tudo,
enfim, que mais de perto se relacione com as múltiplas operações de
granjeio da terra, faz parte integrante das munições de campanha
agrícola da lavoura alentejana.
Pelo visto, caro leitor, que desconheces o
Alentejo, deves já ter compreendido, que será uma ingratidão sistemática
que o tribunal do bom senso e da boa razão não absolveria, pois o
lavrador alentejano, salvo raras excepções, não será um letrado
sapiente; mas não dorme, como te possa parecer, alheado das evoluções do
progresso agrário, e tem presente a noção nítida da sua alta missão
agrícola-social, para que justiça lhe seja feita.
Lembrai-vos, pois, senhores detractores da
obra de ressurgimento da vasta planície alentejana, que o Alentejo de
hoje não é o de há 50 anos; e reconhecei, que a herança recebida de
nossos maiores, se acha notavelmente melhorada, e acrescida, a bem do
aumento demográfico da população portuguesa que, segundo afirmou algures
o sr. Sub-Secretário de Estado da Agricultura, na sua recente exposição
sobre a Nova Lei de Melhoramentos Agrícolas, em cada ano que passa,
verifica-se um acréscimo de 80.000 indivíduos!
Bonito sintoma estatístico!...
Não se dirá que as doutrinas
maltusianistas têm por cá grande número de sectários!...
Adiante...
É ainda a província alentejana, e sempre
ela, a tradicional charneca, que, pela única singularidade oferecida por
a sua maior extensão territorial, melhor pode contribuir para absorver o
saldo demográfico, que pesa sobre as produções da terra portuguesa,
afectando mais pronunciadamente as províncias do Norte, onde a
pulverização da propriedade corre linhas parelhas com a densidade da
população!...
«Celeiro de Portugal»! Eis uma designação de
há muito consagrada pelo povo, sempre que ao Alentejo se refere; e
semelhante distinção, não lhe é dada de
/
155 / favor, se atendermos a
que, à produção total da colheita do último ano cerealífero, coube a
esta província a importante cifra de 60 %, ficando o distrito de Beja em
primeiro plano com 768.915 quintais; o de Évora com 525.156, cabendo ao
de Portalegre 464.386, numa área de cultura de 8.861.956 hectares,
distribuídos conforme dados do Boletim Nacional de
Estatística.
Convencido, como julgo estarás, o que dizes
a isto, homem bom, que desconheces ou não queres considerar o Alentejo
no seu justo valor agro-pecuário?
E, finalmente; com todas as prerrogativas
devidas a este maior bocado do continente português, terra de pão
abençoada por Deus, onde a vista se cansa na contemplação da planície de
horizontes intérminos, que a todos os recantos deste belo Portugal,
chegue o eco altissonante do nosso grito:
Aqui é o Alentejo I...
MUSA ALENTEJANA
SÓ
Vejo-me só no mundo, e tanta gente
Em constante vaivém junto de mim;
Tantas flores que vejo e meu jardim
Nem uma só já tem que me avivente!
Vejo-me só no mundo, e vou, fremente,
Por entre a multidão que busca um fim
Sem procurar um meio, e vou, assim,
A esmo, sempre só, como um ausente!
Vejo-me só porque fugi do mundo,
Da lassidão das almas feitiçadas,
De tudo o mais que denota fraqueza...
Sinto-me bem no silêncio profundo
De que me vejo, estando só, rodeado...
Vendo-me só não tenho «alma presa!
MANUEL ANAYA
CURIOSIDADES
A «Vida de Walter Scotts», escrita por Lockart, conta quase quatro mil
páginas. É uma das biografias mais extensas até hoje escritas. |