HERÓI IGNORADO
Pelo DR. LOURENÇO ANTÓNIO
PICÃO SARDINHA
O homem da terra! O triste pária dos campos!
Passa despercebido de todos na grandeza do seu cruciante calvário. Ei-lo
agora inclinado para a terra em curvaturas dolorosas, braços retesados,
saliências hipertróficas de bíceps potentes, vermelho, congestionado,
aniquilado quase. Por estios ardentes, nas ceifas, as loiras messes vão
tombando sob a foice dominadora, troféu glorioso e símbolo ignorado do
martírio. Sob um sol faiscante que tudo calcina, por vezes sob a acção
depressiva desse maldito vento que vem lá das bandas de Espanha, o suão,
inundado de suor, com cujas gotas fecunda a terra num estupendo
dispêndio de energia, o herói da planície alentejana, que Manuel Ribeiro
com tanta justiça chamou a planície heróica, avança, avança sempre,
denodado herói alheio a canseiras, ceifando o pão para todos nós. E à
tardinha, à hora da solta, quando o sol vai morrendo, nesse horizonte
longínquo da planície alentejana, deixando ainda uma vitoriosa esteira
luminosa, testemunho glorioso duma apoteose de luz, por vezes sob a
ternura do luar, ele, o pobre pária, atira-se para a terra, onde jaz
extenuado, num completo quebramento de energias, numa absoluta resolução
de forças, O triste farrapo humano! O habitante da cidade devia meditar
nas preocupações do lavrador e nas canseiras dos rurais – os dois párias
da Sociedade, que a todos alimentam.
Há quadros campesinhos que pela violência
das cores e atitudes dos personagens, parecem quadros de Ribera ou
Zurbaram, desenho vigoroso, forte, pinceladas feitas de tintas
violentas, ou melhor, é um daqueles quadros que em pintura ficaram
conhecidos pelas «Alucinações de Goya» ou talvez um quadro dantesco. E
agora, essa aridez dos campos, as cores nostálgicas da planície heróica,
a majestosa alegria do restolho, são os despojos de ingentes combates
travados na imensa retorta que é a terra, onde se faz e se desfaz a vida
e onde ele, o humilde rural, foi o herói ignorado e benéfico para todos. |