UCEDIAM
ultimamente casos estranhos. De há tempos a esta parte, por volta da
meia-noite, as estações de telégrafos sem fios tinham registado um
extraordinário sinal de "três pontos», repetido com persistência.
Depois de minucioso inquérito, averiguara-se que nenhuma estação
terrestre havia expedido semelhante despacho a tais horas. Donde
vinha pois a misteriosa chamada? Os três pontos de som sugerem os
três pontos luminosos de Marte por volta do ano de 1901; e no
presente artigo tenta-se a explicação do fenómeno.
Meia noite Toc-toc-toc; toc-toc-toc; toc-toc-toc.
Ouviram-se distintamente as três pancadas no silêncio da estação
Marconi, e os telegrafistas acordaram estremunhados, sobressaltados
por uma vaga inquietação.
– Ouça! Lá está o sinal outra vez! Que quer isto
dizer? Quem é que chama?
– Então você não conhece o código Morse? Três
pancadas, é um S.
– A agulha farta-se de marcar 55, e ninguém percebe a
razão. É extraordinário. Ora escute!
Toc-toc-toc; toc-toc-toc.
– É verdade, é! É isto todas as noites, por volta da
meia-noite. Apenas os transmissores nos expedem um 5, o receptor
regista-o. Quando se cansa, quem quer que é, acaba o despacho.
Mas no seu posto, na extrema de um promontório
remoto, os telegrafistas, já acabrunhados pelo silêncio da noite,
sentiam-se regelar até à medula pelo mistério da inexplicável
mensagem. Sabido era que de todas as estações transmissoras do mundo
inteiro, nenhuma fizera a chamada. Havia realmente alguém que
telegrafava, mas esse alguém não era da terra. A quem pertencia a
vozita exígua que chamava das trevas, e transmitia a mensagem
através da frígida imensidade do espaço interestelar?
Três pancadas? Uma ideia ocorre. Em 1902, e já em
1901, os observadores do firmamento tinham falado de três pontos.
Por esse tempo, astrónomos com poderosos telescópios haviam
conseguido distinguir no planeta Marte um triângulo feito de três
pontos luminosos, imperceptíveis para a nossa vista, mas na
realidade imensos, visto que o triângulo tinha muitas centenas de
milhas de extensão. As três luzes realçavam brancas sobre o colorido
avermelhado do planeta. Nunca anteriormente tinham sido observadas;
e a sua disposição regular deu origem à hipótese de que poderiam ser
artificiais.
Três pancadas significam S no alfabeto Morse, mas na
prática telegráfica também querem dizer: «Está lá?» «Posso começar?»
«Atenção! Vou fazer um despacho.»
É possível que Marte expedisse os três sinais
anunciando o levantar de um véu que desde o inicio dos séculos o
separa de nós.
Deveremos portanto mostrar-nos indiferentes
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à resposta? Repelir esses longínquos amigos – nossos afins pela
inteligência comum – que vêm ao nosso encontro? Se porventura os
marcianos tentam entrar em relações connosco, deveremos
esquivar-nos, sob pretexto de que eles não pertencem ao nosso mundo?
Marte
é o primeiro dos planetas superiores, isto é, daqueles cuja
distância ao Sol é maior do que a nossa. Possui uma atmosfera cuja
composição, estudada ao espectroscópio – maravilhoso instrumento que
revela os elementos pela luz que emitem – é semelhante à da Terra.
Foi provavelmente em resultado da sua cor sanguinolenta que os
antigos consagraram esse planeta ao deus da guerra, e que o célebre
romancista inglês H. G. Wells o povoou de monstros hediondos e
ferozes.
O seu diâmetro anda por metade do da Terra, e o seu
volume é pois apenas um sétimo do volume desta. É como uma tangerina
em relação a uma laranja, que é a Terra. Quando na sua órbita mais
se aproxima de nós, fica à distancia de 65 milhões de quilómetros, e
o ponto mais distante da mesma órbita fica a 463 milhões de
quilómetros. Mas números de tão considerável valor não têm uma
significação definida para o entendimento humano. São aproximados,
com um erro aí de uns 180.000 quilómetros para mais ou para menos –
um argueiro apenas, conforme o dito atribuído ao astrónomo Lalande.
O dia marciano tem pouco mais ou menos a mesma
duração que o nosso: 24 horas, 39 minutos e 23 segundos. O planeta
leva um pouco mais de 686 dias a percorrer a sua orbita à roda do
sol, de modo que as suas estações duram aproximadamente o dobro das
nossas. A atmosfera de Marte contém muito vapor de água. Têm-se
observado na sua superfície mares, e, nos Pólos, grande cópia de
gelo, que diminui por ocasião dos calores estivais. São grandes as
variações de temperatura. Marte recebe apenas metade do calor que
nós recebemos do Sol. O sol dos marcianos é um disco celeste com
metade da grandeza do nosso, e a sua noite é iluminada por duas luas
mais pequenas que a nossa: Deimos e Fobos.
O peso de um quilograma na terra pesaria em Marte uns
375 gramas. Em média, qualquer homem pode com um peso igual ao seu,
pouco mais ou menos. Se acaso estivesse no planeta Marte, poderia
carregar o triplo do seu peso, isto é, cerca de duzentos quilos.
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O planeta Marte possui todas as condições necessárias
à vida. – Os habitantes de Marte é possível que sejam «anjos».
Ao telescópio, Marte apresenta um disco claramente
definido de cor vermelha, com manchas mais ou menos brilhantes. As
manchas verdes são os mares, e as outras distintamente verdes são os
continentes, os quais, ao contrário do que sucede na Terra, são
muito mais extensos do que a parte líquida. Finalmente, as porções
mais brilhantes são as regiões polares, cobertas de gelos, e as
nuvens flutuantes. A atmosfera de Marte é mais transparente que a
nossa, e o seu firmamento é de um azul límpido e brilhante.
As águas de Marte estão muito disseminadas,
limitando-se a mares que bracejam pela terra dentro, ligando-se uns
aos outros, umas vezes em curva, mas quase sempre em linha recta, e
que cortam de linhas sombrias a superfície iluminada do planeta,
como os pinázios de chumbo que dividem os vitrais na janela de uma
catedral. Essas linhas formam um debuxo intrincado, grosseiramente
simétrico, que não parece ter sido obra da natureza. Uma tal
regularidade provém, segundo todas as probabilidades, do trabalho do
homem marciano; e durante muito tempo os observadores inclinaram-se
a considerar essas linhas canais abertos pelos habitantes para as
necessidades da sua civilização.
Marte possui pois condições análogas às da Terra, as
quais, na opinião dos sábios, são necessárias e suficientes para a
manutenção e desenvolvimento da vida. A atmosfera é continuamente
renovada e refrescada pelas grandes correntes de ar que passam de um
para outro lado, o solo tem a água necessária para a fertilização, e
o calor distribuído pelo sol é suficiente para as necessidades
humanas.
Camille Flammarion, no seu livro Uranie, supõe
que os Marcianos são muito superiores a nós, tanto intelectual como
fisicamente. Possuem sentidos que desconhecemos, incluindo o de ler
os pensamentos alheios sem necessidade de comunicação pela palavra
falada. Seus corpos são semelhantes aos nossos mas sublimados,
feitos de matéria mais subtil, isentos das vis necessidades da
alimentação.
Possuem eles, além dos dois braços e das duas pernas,
um magnifico par de asas, que lhes permite voar pelo espaço quando
lhes apetece.
Passam o verão em torno das regiões frescas dos
Pólos: de inverno preferem permanecer perto do Equador. Sem que os
apoquente a forçada execução de funções indispensáveis à nossa vida,
dedicam-se a exercícios intelectuais. Até certo ponto, são anjos. Os
animais superiores do planeta Marte – os quais no dizer do sábio
francês, emparelham em inteligência com o homem da Terra (muito
obrigados pelo cumprimento) – é que executam todos os trabalhos
necessários.
«Aqui,» disse um Marciano a Mr. Flammarion, num
interview imaginário, «ninguém come nada, nem comeu, nem comerá.
Os órgãos nutrem-se a si próprios, renovando as moléculas por um
simples processo de respiração como acontece às nossas árvores
terrestres, nas quais cada folha constitui um pequeno estômago. Vós
outros, tendes o sangue a correr pelos vossos corpos. Tendes os
estômagos atafulhados de vitualhas. Acaso imaginais que, com os
órgãos grosseiros que possuis, podereis ter ideias sãs, puras e
nobres, ou mesmo – permiti-me a franqueza com que vos falo – ideias,
de qualquer espécie que sejam?»
É provável que o vermelho seja a cor dominante da
natureza em Marte – As ervas devem ser vermelhas!
Mas, se os Marcianos fossem os entes éticos que Mr.
Flammarion quer, isentos de ansiedades de vida material,
contentar-se-iam com as suas asas como agentes de transporte, e
tolos seriam em se cansarem com a tarefa de rasgar os inúmeros
canais (alguns dos quais têm mais de 5.000 quilómetros de
comprimento e 200 de largura), que não satisfazem a nenhum propósito
concebível, visto não servirem para o comércio. Por conseguinte, se
com efeito existem Marcianos – e tudo leva a crer que existam – são
indubitavelmente mais civilizados de que nós, mas sempre têm
interesses materiais. Ninguém construiria apenas por passatempo
obras tão gigantescas como esses canais. Num mundo em que tão
somente se exercitam as funções da inteligência, os habitantes
deixam a terra e o mar tais quais a natureza os fez.
Com um sistema desenvolvido de irrigação, Marte tem
uma vegetação luxuriante em que predominam as cores vermelhas, em
vez dos lindos verdes dos nossos campos e das nossas
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florestas. Sugerem algumas autoridades que o singular fenómeno de
duplicação dos canais, que geralmente aparece nos fins da primavera
marciana, a qual nós supomos ser a estação das cheias, é devido ao
rápido crescimento da vegetação no solo fertilizado pelas águas da
inundação. Mas qual o motivo por que essa vegetação só aparece numa
das margens dos canais?
Deve-se portanto supor que a erva e a folhagem de
Marte são vermelhas. Mr. Flammarion sugere a existência de insectos
do tamanho de aves, e imagina paisagens suaves e risonhas, sob um
céu brilhante e numa atmosfera límpida. Por toda a parte se
reflectem cores maravilhosas provindas de vapores flutuantes, e
alcatifam a terra ubérrimas flores enormes e garridas. O ar fino
transmite harmonias desconhecidas na nossa esfera mundana.
Um afamado medium americano pretende ter
recentemente feito uma excursão pelo planeta vermelho, e são
numerosas as testemunhas que atestam o transe em que eIe caiu antes
de fazer a experiência. Alega ele ter tido dificuldades de
respiração ao atravessar o éter. Ficou quase tostado ao passar pelas
proximidades de um meteoro ígneo; daí a pouco quase ficou regelado
nas regiões de frio intenso. Parou no cume de uma montanha marciana,
e viu os habitantes a acenar-lhe. A sua descrição é positiva; «Há
duas espécies de Marcianos – uns são gigantes que têm quatro vezes o
tamanho do homem e não usam traje algum, outros são como que uns
entes rastejantes, capazes, como as moscas, de andar por paredes
verticais. Têm os olhos dos lados da cabeça, como os cavalos, e, em
vez de narizes, têm umas simples aberturas na cara.
Vivem
no meio de animais que em nada se assemelham aos nossos, e que são
vermelhos, verdes e amarelos. «Este notável touriste, Leyson
de nome, consta que é uma criatura muito séria de 54 anos. Pretende
ter feito já por três vezes esta extraordinária viagem, e de cada
uma delas tem sonhado as mesmas coisas. Começou a instruir nove
mediums, que ele tenciona levar consigo na sua próxima
digressão.
Pode ser que fantasiemos.
Mas desde que tantos homens de ciência nos mandam
acreditar que existem Marcianos, embora seja difícil decidir como
eles são, como procedem ou como trajam, será por ventura sugestão
muito arriscada o tentarmos replicar às mensagens que eles parecem
mandar-nos? Como havemos de o fazer? Vários sistemas se têm
proposto. O mais frequentemente alvitrado é levantar em diferentes
pontos da superfície da Terra, muito distantes uns dos outros,
poderosos focos eléctricos determinando uma figura geométrica, e
produzir relâmpagos quando os sinais venham de Marte. Então, se
acaso os Marcianos dessem por esses sinais e lhes replicassem,
poderíamos nós alcançar a prova da sua existência e realizar o sonho
de fraternidade interplanetária.
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