Acesso à hierarquia superior.

Agostinho Fortes, Nótulas acerca dum falar da margem esquerda do Guadiana, acompanhadas de algumas notícias folclóricas, Cadernos CA, N.º 4, 1ª ed., Lisboa, Casa do Alentejo, 2000, 80 pp.


Adenda

 

ACIDENTE, ataque epiléptico.

ALMA, álamo, choupo. Entre Reguengos e Mourão, na margem direita do Guadiana, há um ribeiro chamado do Almo, porque num certo ponto do seu pequeno curso há um formoso álamo.

ANDORINHA, macho da andorinha.

ARNERARI, limpar o trigo, na eira, das impurezas, terra e pedrinhas, com um crivo movido por dois homens.

ARNERO, crivo de metal de forma rectangular, com orlas e pegas de madeira, para limpar o trigo, antes de ser ensacado, na eira. Tanto este termo como o verbo arnérari são de origem castelhana e foram, talvez, introduzidos por ocasião das lutas do general Prim contra Odonnell, primeiro ministro e valido de Isabel II de Espanha. Muitos dos que seguiram Prim na tentativa revolucionária de 1866, que redundou na derrota e exílio do chefe revolucionário e dos seus soldados, entraram em Portugal por Mourão, e alguns para lá ficaram para sempre agenciando vida e constituindo família. Os exilados entoavam canções em que manifestavam o seu ódio ao valido da rainha, entre eles uma que rezava assim:

«Del caballo del Donnell

Se há-de hacer u mondin

P'ra arnerar Ia cebada

Del caballo de Prim.»

AVIR-SI, chegar a entendimento; pôr termo a qualquer dissidência. Ex.; Lá se avenham, isto é, lá se entendam uns com os outros; nam m'avenho com ele, quer dizer, não me entendo, não chego a acordo com ele. Também significa acontecer, Ex., aveio-me isto.

BOQUERA, inflamação nos beiços, que às vezes, chega a produzir chaga.

BOTIFARRAS, botas grandes e de cabedal grosseiro. Usam-se principalmente, no campo.

BRABOS, rebentos nos troncos das oliveiras, que prejudicam muito o desenvolvimento dessas árvores. Também se emprega a forma bravos. / 70 /

BURGAU, cascalho; pedras que se encontram nas margens do Guadiana.

CABANA, casa de paredes de taipa e cobertura de telha vã, nos quintais das habitações, na qual se recolhem os animais de tiro e de carga, burros machos e mulas. Às vezes contíguo à cabana fica o palheiro.

CALDERÃO, vaso de cobre de grande boca, sem tampa, que nas jornadas se leva nos carros para se tirar água dos poços, com que se dessedentam os animais de carga.

CANILHA, boquilha para cigarros.

CAPINHAS, bandarilheiros tanto profissionais como amadores.

CASCALHO, seixo do Guadiana, muito polido pela água.

CASTANHOLAS, unhas de porco. Usa-se também no mesmo sentido a palavra castanhetas. Suponho ambas de origem castelhana.

CASTELHANO-RABUDO, fagulhas que saltam do madeiro que arde na chaminé, quando se atiça o lume com uma tenaz. É empregado o termo como depreciativo e zombeteiro dos castelhanos.

CEDO-BREDO, expressão adverbial que significa tardiamente, fora de propósito por já haver passado o momento oportuno. Tem sentido um tanto irónico. Assim, quando alguém conta qualquer coisa, supondo ser novidade, responde-se-Ihe: Ora, cedo-bredo vem com isso; já cá se sabia a novidade.

COITO, lugar de refúgio no jogo das escondidas ou dos escondarêlos, a que se acolhem os jogadores quando muito perseguidos.

CONVIDARI, procurar obter os serviços de alguém a troco de presentes ou de dinheiro. Também, em sentido irónico, exprime o castigo físico dado a qualquer insolente. Assim, se um individuo malcriado foi batido duramente, diz-se que, foi bem convidado.

CONVINTE, gorjeta, recompensa em dinheiro ou em mercadoria dada como gratificação, e não como paga, de qualquer serviço prestado.

CRÍO, animal no período de amamentação. Por extensão, aplica-se também a pessoas, de quem se quer dar a ideia de que são muito novas para certos actos, especialmente para o matrimónio.

CUNCOS, calhaus, pedras da ribeira: Há na fronteira de Mourão um ribeiro chamado de Cuncos e conserva-se na tradição a lembrança dum castelo / 71 / de Cuncos, que aí deveria ter existido.

DESCABECHE, disparate, acto impensado e desagradável, leviandade nas acções e nas palavras, atrevimento e desconchavo com pessoas superiores.

EMPACHARI, levantar obstáculos, criar embaraços à realização de qualquer acto por estupidez ou, deliberadamente por maldade.

EMPACHO, empecilho, obstáculo, pessoa cuja presença incomoda por evitar que se faça qualquer coisa.

ENCHARCADA, doce feito de amêndoa, açúcar, ovos e farinha, muito apreciado e, na realidade, muito saboroso. Adultera-se passados um, ou dois dias.

ENFORMIGADO, individuo de pés e mãos dormentes ou com formigueiro.

ESPADANA, folha verde, comprida e estreita duma planta silvestre, com a qual se atapetam os pavimentos das ruas por onde há-de passar uma procissão, especialmente a dos Passos, em domingo de Ramos, e a de domingo de Páscoa.

ESPERNEGAR-SI, abrir as pernas tanto que se perca o equilíbrio e se caia.

ESPERNEGADO, estendido ao comprido no chão por efeito de queda.

ESTÊPA, mato rasteiro que se aproveita como combustível.

FARRAJALI, porção de terra não murada para cultivo de cereais ou plantio de vinhas e oliveiras.

FÊTORI, o encarregado de dirigir e fiscalizar os trabalhos agrícolas na ausência do lavrador, a quem representa na distribuição de serviços e na admissão ou despedimento dos trabalhadores.

FISICAMENTE, corporalmente, materialmente, em pessoa.

LADRANZANA, velhaquete, maroto. Emprega-se em tom amigável.

LINGUARUDO, incapaz de guardar segredo; alcoviteiro.

MARAGOTÃO, espécie de pêssego grande e sumarento. É de / 72 / proveniência castelhana.

MASTRO, tronco bastante elevado que se fixa no chão, abrindo-se para o efeito uma cavidade. Este tronco é enfeitado com verdura e do topo, onde se coloca um boneco, partem diferentes cordas ornamentadas de buxo. Arma-se o mastro nas noites de S. João e de S. Pedro e, no recinto onde ele está, dança-se animadamente até de manhã, ao som de harmónio ou de guitarra e viola. O Santo António não é objecto de festas populares no concelho de Mourão, embora religiosamente o celebrem com uma trezena, e tenha a sua festa com procissão num domingo qualquer de Julho ou de Agosto. Esta festa era promovida pelos almocreves, de quem Santo António é patrono.

MATRAQUEARI, falar muito, dar à língua sem tom nem som. Deriva de matraca.

PELlNGRINO, peregrino.

PIORNO, planta rasteira que se emprega no aquecimento dos fornos de cozer pão. Há também a forma piornêra com o mesmo significado.

PORQUÊRA, porcaria, sujidade, coisa sem valor, que não pode aproveitar-se.

PORTA, via pública onde houve outrora uma comunicação de recinto amuralhado da vila para o campo. Ainda hoje se chamam Porta do Rosa, de S. Bento, Nova e cos Currais os locais onde, em Mourão, existiram essas aberturas das muralhas. A do Rosa será, porventura, assim chamada por, nas proximidades, ser a moradia da família do general José António da Rosa, mouranense, que de humilde cabreiro, chegou a general e professor da Real Academia de Marinha e foi comandante da artilharia portuguesa na guerra do Rossilhão.

PORTO, pontos do curso do Guadiana, que, nos meses de verão, se passam a vau. Há, entre outros, o porto de S. Gens, fronteira a Monsaraz, o de Cordeiros e o de Mendonça.

PROVOÊRA, disparate, dito sem nexo.

QUEMORI, ardência de molhos culinários resultante do emprego excessivo de pimenta e outras especiarias excitantes.

VALETAS?, interrogação que se faz para se obter a certeza de que uma ou mais pessoas aderem a qualquer proposta que se faz. Se esta é aceite, responde-se valeu, e, no caso de recusa, não valeu.

 

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