Os antigos Egípcios tinham por hábito pôr, no túmulo, com a
múmia, isto é, o corpo do homem embalsamado, todos os seus papéis e
livros. Cartas, livros de ciência, poemas de pessoas que viveram há
milhares de anos, descansaram, assim, no seio das múmias até aos nossos
dias.
Os túmulos Egípcios
conservaram muitos livros que as bibliotecas não teriam podido
conservar!
A maior biblioteca Egípcia,
a de Alexandria, foi incendiada quando da conquista pelas legiões de
Júlio César. Quantos maravilhosos manuscritos desapareceram quando esses
milhões de rolos que lá estavam foram queimados! Aquilo que conservamos
dela, são apenas alguns fragmentos de catálogo. Destes livros que
fizeram rir e chorar os seus leitores, apenas possuímos os títulos, como
se fossem nomes escritos em campas de pessoas mortas e esquecidas.
Ainda mais espantoso é o
destino dos livros que se salvaram porque tentaram destruí-los! Na
verdade, não era o livro propriamente que se queria destruir, mas o
texto. Na Idade Média, quando o pergaminho custava caro, raspava-se o
texto original com uma faca e escreviam-se as vidas dos santos no sítio
onde estavam escritos poemas gregos ímpios ou obras da história romana.
Existiam especialistas de raspagem e destruição de livros.
A maioria dos livros teria
perecido às mãos destes carrascos se não se tivesse encontrado maneira
de restaurar os livros destruídos ou palimpsestos, como se chamam. A
tinta tinha penetrado tão profundamente no pergaminho que mesmo a mais
rigorosa raspagem não podia fazer desaparecer todo o vestígio do texto.
Mergulhando o manuscrito em
certas matérias químicas, a sombra azul ou vermelha da antiga escrita
torna a aparecer à superfície.
Mas não nos alegremos antes
de tempo! Porque muitas vezes, depois deste tratamento, o manuscrito
começa a enegrecer e, por fim, o texto torna-se tão impreciso que é
impossível lê-lo. Era o que acontecia quando se empregava o ácido tirado
da noz de galha para restaurar os palimpsesto. Em todas as bibliotecas
há vários manuscritos que sofreram uma dupla morte!
Conta-se a história de um
sábio que, restaurando um determinado palimpsesto, destruiu de propósito
manuscritos para ocultar os erros que tinha feito na tradução.
De há tempos para cá, em
vez do ácido tânico, utilizam-se outras substâncias que fazem sobressair
a antiga escrita durante um período de tempo muito curto. Enquanto o
texto está visível, fotografa-se e, depois, lavam-se os ácidos. E até,
graças a descobertas mais recentes, consegue-se tirar fotografias aos
palimpsestos sem qualquer preocupação química.
Mas se os livros têm os
seus inimigos, também têm amigos, que os procuram nos túmulos egípcios,
debaixo das cinzas de Herculano e de Pompeios, e nos arquivos dos
mosteiros.
Conhece-se uma história
interessante de um destes bibliófilos, Capitão Maffei, e das
circunstâncias em que descobriu a biblioteca de Verona. Tudo quanto se
sabia acerca desta biblioteca que tinha tido manuscritos latinos muito
preciosos, havia sido descoberto nos apontamentos deixados por viajantes
que tinham passado por Verona muito tempo antes de Maffei. Dois sábios
célebres, Mabillon e Monte-Faucon, tinham andado à procura dela, mas não
a haviam encontrado. O seu insucesso não fez desanimar Maffei. Embora
não fosse paleógrafo, mas apenas apreciador de livros, pôs-se à procura
com afinco. Encontrou, finalmente, a biblioteca no próprio sítio onde os
predecessores a tinham procurado em vão, isto é, na própria biblioteca
de Verona. Os livros não estavam dentro dos armários desta biblioteca, e
ninguém antes de Maffei se tinha lembrado de trepar a uma escada e de
procurá-los em cima dos armários, onde os preciosos manuscritos
repousavam, havia muitos anos, na poeira e na desordem!
Maffei ia desmaiando de
alegria! Diante dele estavam os mais antigos manuscritos latinos do
mundo!
Poder-se-iam escrever
ainda muitas coisas sobre o destino dos livros: dos que desapareceram na
biblioteca de Alexandria, dos que se perderam nas bibliotecas dos
Mosteiros, dos que foram queimados nas fogueiras da Inquisição, dos que
se perderam durante as guerras.
Do destino dos livros
dependia muitas vezes o destino das pessoas, dos povos e mesmo dos
países. Os livros não serviam só para contar histórias e para ensinar.
Participaram nas guerras e nas revoluções, ajudaram a destronar os reis;
os livros combateram tanto no campo dos vencedores como no campo dos
vencidos. E, às vezes, à primeira vista se vê a que partido pertencia o
livro.
Vi, numa biblioteca
académica, livros franceses publicados antes da revolução de 1789. Um
deles é um grande volume orgulhoso, com fechaduras de luxo e lindas
gravuras. Era um livro de monárquicos, um livro do tempo dos reis
soberbos. Outros livros eram tão pequenos que se podiam meter facilmente
na algibeira, escondê-los na mão. Eram os livros dos revolucionários.
Faziam-nos pequenos para poderem atravessar com eles as fronteiras e
propagá-los em tempos de revolta.
Assim, o formato de um
livro não é devido ao puro acaso! E porque a vida dos livros foi sempre
inseparável da dos homens, os livros tomam a medida que convém a estes.
Faz-me lembrar a história
de um homem e dos seus livros que morreram juntos na mesma fogueira!
Isto passou-se em França, no século XVI. em 1546, os operários
tipógrafos da cidade de Lião entraram em greve. Era a primeira greve dos
operários tipógrafos! E uma greve que devia durar dois anos. Ora, um dos
patrões, Estêvão Dolet, tomou o partido dos operários contra os patrões.
A greve terminou, mas os
patrões tipógrafos não esqueceram a afronta. Cinco anos mais tarde foi
apresentada uma queixa na faculdade de tecnologia na Universidade de
Paris . Os mestres tipógrafos da cidade de Lião acusaram Estêvão Dolet
de imprimir livros anti-religiosos. O julgamento foi rápido.
Condenaram-no ao suplicio e queimaram-no, na praça Maubert, com todos os
seus livros.
Acabo este último capitulo
com pena de ter dito tão pouco sobre esta tão grande maravilha que é um
livro.