O Milhafre-preto (milvus migrans).
Fotografia de ??? |
A crescente relevância dos
temas ambientais e uma maior consciencialização no sentido da defesa do
nosso património natural justificam a continuação desta página no
Almanaque Alentejano. Dedicamos neste número algumas notas a uma ave de
rapina relativamente comum, o milhafre, também designado por milhano, e
cujas duas espécies principais (o milhafre-preto e o milhafre-real) aqui
sinteticamente descrevemos.
Com um comprimento de 50-60 cms, uma envergadura entre os 135-160 cms e
perto de 1 kg de peso, tem uma vasta distribuição geográfica, sendo
comum no sul e centro da Europa. Em Portugal distribui-se por grande
parte do País, com maior abundância no Baixo-Mondego (Coimbra), Beiras e
Alentejo, sendo que neste último pode ser mais facilmente observado na
sua metade interior e junto às principais barragens. |
1 – O Milhafre-preto (milvus migrans)
Caracteriza-se pela sua plumagem castanho escuro (à contraluz parece
negro), com cauda longa e bifurcada, e um bico recurvado, em forma de
gancho. As fêmeas são, na generalidade, um pouco maiores do que os
machos.
Frequenta diversos tipos de habitats – florestas, vales e terrenos
baixos, escarpas rochosas – preferindo a proximidade de terras alagadas
(rios, lagos, albufeiras), onde apanha peixe. Adaptado à presença
humana, aparece também nas cidades, caçando pombos e ratos e procurando
alimento nas lixeiras. Consome principalmente pequenas presas
(mamíferos, anfíbios, aves terrestres, peixes, répteis, insectos, etc.),
tal como a carne putrefacta de cadáveres de animais a descoberto, sendo
frequentador habitual de aterros sanitários. Varia, contudo, a sua
alimentação de acordo com a localização geográfica e a época do ano.
Nas regiões quentes esta ave é residente, contrariamente ao que acontece
nas regiões temperadas onde é migrador.
As populações europeias invernam em África, a sul do Sara, onde
permanecem até Março. Após a chegada iniciam a época de reprodução e as
posturas – 2 ou 3 ovos, de cor creme com manchas castanhas – têm lugar,
em regra, nos finais de Abril. A incubação dos ovos dura cerca de um
mês, período durante o qual a fêmea permanece no ninho, sendo abastecida
de alimentos pelo macho.
Ambos cuidam das crias, que atingem a autonomia por volta das 6 a 8
semanas. Nidifica geralmente em árvores de grande porte (pinhais,
montados, matas) construindo os ninhos com ramos e forrando o seu
interior com detritos diversos – trapos, plásticos, papéis.
O milhafre-preto é monogâmico, mantendo o mesmo par durante vários anos.
Segundo as observações e estudos mais recentes, a população nidificante
ultrapassará em Portugal o milhar de casais, sendo o seu estatuto de
conservação classificado de ‘pouco preocupante’, o mesmo acontecendo a
nível global. Não se encontra, pois, em risco de extinção, recaindo
todavia sobre ele diversos tipos de ameaças, que importa combater e
atenuar – o abate ilegal, a utilização de pesticidas e outros produtos
químicos, a diminuição da disponibilidade alimentar em função das
crescentes restrições higieno-sanitárias que obrigam à recolha ou
destruição dos cadáveres provenientes das explorações pecuárias, o
envenenamento ilegal de iscos e carcaças para controlo dos predadores de
caça e gado, a colisão com linhas de transporte de energia, a pilhagem
dos ninhos, etc.
Tais ameaças deverão, pois, ser minimizadas, o que deve passar pela
sensibilização da população e por um forte empenhamento na educação
ambiental das novas gerações, tal como pela adopção de medidas legais
adequadas – regulamentação do uso de pesticidas, erradicação do uso de
venenos, aumento das sanções à perseguição e abate ilegais,
implementação de medidas de protecção no tocante à instalação de
traçados eléctricos e parques eólicos, etc. Tratando-se de uma ave
protegida, merece certamente toda a atenção, para que continuemos a
usufruir o privilégio da sua companhia, a planar, por exemplo, ao longo
das nossas estradas.
2 – O Milhafre-real (milvus milvus)
Um pouco maior do que o milhafre preto, distingue-se deste pelos tons
castanho arruivados da sua plumagem, pela cabeça clara e por uma cauda
muito mais bifurcada e de cor avermelhada. Na parte inferior das asas,
compridas e largas, exibe duas manchas de penas muito claras, lembrando
’janelas’.
O chamamento é um assobio fino, elevando-se e caindo. Especialista em
pairar e planar, parece muito leve, mantendo as asas ligeiramente
arqueadas, virando e revirando a cauda continuamente.
A sua alimentação é semelhante à do milhafre-preto, tal como o processo
de reprodução, em que apenas os ovos são diferentes na cor, pois são
brancos com pintas vermelhas.
A área de distribuição do milhafre real compreende a Europa, Ásia
Ocidental e Norte de África. Na Europa é sedentário a sul e migrador no
norte e centro, invernando ao longo da orla mediterrânica. A maioria das
populações que invernam na Península Ibérica provém da Europa Central.
Está presente sobretudo em regiões de relevo pouco acentuado –
planaltos, planícies, baixa montanha – procurando alimento em terrenos
abertos (áreas de cultivo e caça) através de voos de baixa altitude.
Essa procura estende-se, a exemplo do milhafre-preto, às proximidades de
povoações, estradas, explorações agro-pecuárias e ainda às lixeiras.
O seu estatuto de
conservação, a nível global, está classificado de ‘pouco preocupante’,
mas em Portugal (onde existirão menos de cem casais nidificantes) o
efectivo residente decresceu consideravelmente, sendo hoje considerado
‘criticamente em perigo’. Pode ser visto no interior norte, em especial
na zona do Douro internacional, e nas regiões fronteiriças das Beiras e
Alentejo. Durante o inverno, com o reforço dos migradores, torna-se
relativamente frequente no interior sul.
Tal como o milhafre-preto, os indivíduos não reprodutores ou fora da
época de reprodução, juntam-se em bando, ocupando dormitórios
localizados em árvores. |
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O Milhafre-real (milvus
milvus). Fotografia de ??? |
As ameaças com que se confronta são as comuns à generalidade das aves de
rapina -destacamos o abate a tiro, com armas de caça, que será a sua
principal causa de mortalidade no nosso País. Esta situação indicia, uma
vez mais, a necessidade de uma persistente sensibilização das populações
a este tipo de questões, tendo em vista a protecção das espécies e o
equilíbrio ambiental futuro.
A terminar, e como curiosidade, uma referência à utilização dos
milhafres na falcoaria – modalidade ancestral de caça, com aves de presa
– de grandes tradições em Portugal. que melhor exemplo se pode apontar,
de interacção entre o homem e as aves de rapina, de estabelecimento de
confiança mútua, para que estas passem a ser olhadas de outro modo, sem
a desconfiança que sobre elas ainda hoje persiste?
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