Guardo de Vale
Guimarães a memória de alguém que serviu Aveiro com apego raro.
A minha vida já se
estira por quase setenta anos e, dos muitos conterrâneos que, nesse
período, se foram dando, conforme os seus talentos e aptidões, à minha
terra, Vale Guimarães, pela minha óptica, ocupa lugar cimeiro.
Se eu quisesse
personificar AVEIRO, dentre aqueles que povoaram o período histórico da
minha vida, não teria muitas dúvidas em escolhê-lo.
Nele encontrei sempre
o porte altaneiro dos homens da minha Ria.
Ouvi-lo em oratória
de improviso, muitas vezes me obrigou a ir reler os discursos de José
Estêvão.
Lutar, politicamente,
pelos interesses da nossa terra e do nosso distrito, com a consequência
dele, muito poucos.
José Estêvão e Homem
Cristo eram os seus referentes, a quem constantemente recorria para
estruturar o seu pensamento.
Apegar-se aos valores
daquilo que Eduardo Cerqueira chamou de “aveirismo”, a liberdade, a
tolerância, a capacidade de ouvir e de conviver com o diferente,
parece-me que ninguém como ele foi capaz de o fazer, no contexto
político em que se vivia.
É deste cidadão
aveirense que vou procurar fazer esquisso de vida.
Francisco José
Rodrigues do Vale Guimarães nasceu em Aveiro, em 22 de Setembro de 1913,
em casa de seus pais, Maria Emília e Querubim do Vale Guimarães, na rua
D. Jorge de Lencastre, na freguesia da Vera Cruz. Nasceu numa rua
franqueada aos ventos do norte, tirados do canal de São Roque e a
desembocar no largo da Nossa Senhora da Apresentação, encimado pela
Igreja de São Gonçalo. Pela matriz do lugar, mais cagaréu do que isto
não poderia ter nascido.
Sem dúvida que as
gentes da Beira-Mar lhe marcaram o jeito de estar na vida e, por certo,
tão fortemente quanto a influência de seu Pai, Dr. Querubim da Rocha
Vale Guimarães, ilustre advogado, brilhante tribuno, Senador e Deputado
na Assembleia Nacional, interventivo jornalista. Nascido em Coimbra em
1880, cedo veio para Aveiro, cidade por que se apaixonou.
Nos escritos deixados
por Francisco do Vale Guimarães foi encontrado um que rezava assim:
"À memória de meu
Pai,
Querubim da Rocha do
Vale Guimarães
(12.3.1880 –
25.3.1970).
Advogado. Político.
Orador. Jornalista.
Senador monárquico,
eleito pelo distrito de Aveiro, para as legislaturas de 1922¬1925 e
1925-1926.
Deputado à Assembleia
Nacional, pelo mesmo distrito, para as legislaturas de 1934-1938;
1942-1945 e 1945-1949.
Membro do Conselho da
Lugar-Tenência do Rei D. Manuel II e do Príncipe D. Duarte Nuno, sendo
lugar-Tenente o Conselheiro João de Azevedo Coutinho. Vogal do Conselho
Geral da Ordem dos Advogados, nos sucessivos mandatos do Bastonário Dr.
Pedro Pitta.
Carácter.
Independência. Bênção. Tolerância. Coerência. Perseverança. Fé. Valores
que preencheram a sua herança, de que os filhos se orgulham."
É esta síntese da
imagem do senhor seu Pai, que, por certo, Francisco Vale Guimarães
interiorizou e deixou que constituísse marca indelével informadora do
seu carácter.
O Dr. Querubim teve
uma vida intensa, profunda, multifacetada, dedicando-se de alma e
coração às coisas, às ideias e às pessoas em que acreditava.
Num dos seus
escritos, o saudoso Dr. Costa e Melo recordava o Dr. Querubim nestes
termos;
«Era uma figura
curiosa a deste colega a quem nem eram precisos os cabelos brancos que
por inteiro lhe cobriam a cabeça, para ser acarinhado por colegas,
juízes e clientes e pelo todo da cidade, mormente por quantos, por
frequentadores da Sé, o viam lá em obediência ao cumprimento dos seus
deveres e devoções. Contactei muito com ele e desde sempre o vi como
destes raros homens que se apresentavam tal como eram, sem receio de,
aqui e ali, agora ou logo, fazerem da sua linha de comportamento desvios
que só aparentemente a contrariavam, pois, lá no fundo, traduziam bem a
verdade funda, a verdadeira, dos princípios que a informavam.
Estou a pensar nas
atitudes desassombradas que Querubim Guimarães tomava sempre na ordem
dos advogados, de cujo Conselho-Geral fez parte, quando se discutia ou
discutia ou tratava qualquer coisa que se prendesse com a liberdade dos
colegas, designadamente as perseguições de que eram alvo preferencial
pelas polícias fascistas.”
Muito activo na vida
cívica, de 1938 a 1959, o Dr. Querubim foi, também, de forma permanente,
vogal ou secretário na Câmara Municipal de Aveiro, integrando Câmaras da
Presidência do Dr. Lourenço Peixinho, do Dr. Álvaro Sampaio e do Dr.
Alberto Souto, ainda por um ano.
Como jornalista,
colaborou com vários jornais locais. O “Correio de Aveiro”, que dirigiu
desde 20 de Fevereiro de 1910, veio a fechar pouco tempo depois. Era um
semanário independente, que iniciou a sua publicação no fim da
Monarquia. O “Correio do Vouga” e a “Soberania do Povo” foram, entre
outros, jornais em que o Dr. Querubim colaborou activamente.
Foi durante muitos
anos director do jornal “Soberania do Povo”, propriedade do Sr. Albano
Homem de Mello.
Como crente em Deus,
esteve entre os primeiros na difícil luta pela restauração da Diocese de
Aveiro.
O Dr. Querubim viria
a falecer a 25 de Março de 1970, 90 anos de vida pautados por
integérrimos princípios morais e de conduta, pela sua fé e por um
indefectível respeito pelo próximo.
Toda esta forma de
estar na vida se transmitiu, quase que osmoticamente, a seu filho
Francisco.
Da matriz paternal a
este ficou, por herança, como já acima se referiu, um conjunto de
valores de que se destacam, entre outros: a tolerância, a perseverança,
a capacidade de diálogo, que ele exercitou com notável e coerente apego,
durante toda a sua vida de homem público.
Francisco José
Rodrigues do Vale Guimarães nasceu com a República instalada em Portugal
há poucos anos e a um ano da I Grande Guerra mundial de 1914-1918.
Portanto, num período
de grandes mudanças, quer a nível nacional, quer a nível internacional.
Viveu em Aveiro e
aqui estudou até ao fim do liceu. Ainda a frequentar o antigo 7.º ano,
foi dar aulas de Português para um colégio de Ovar.
Francisco do Vale
Guimarães, com apenas 19 anos, proferiu uma palestra na Biblioteca do
Liceu José Estêvão, em Aveiro, no dia 2 de Fevereiro de 1932, sob o
título: “A política marroquina de D. Sebastião”.
Nessa palestra, o
autor procurou demonstrar que a política de D. Sebastião correspondia à
verdadeira e tradicional política portuguesa, realçando os traços da
gesta heróica, e afastando tudo o que de negativo, em termos de
personalidade, foi atribuído ao rei por alguns historiadores.
Não tratou das
consequências dessa política que, em consequência do desastre de
Alcácer-Quibir, conduziu à perda da independência nacional.
Dizia ele nesse seu
escrito:
“Recordar D.
Sebastião é fazer reviver uma das páginas mais gloriosas da nossa
história! Mais gloriosas, porque nela se descreve o heroísmo, o ardor
patriótico e religioso de um homem que, para tentar salvar a sua Pátria,
sacrificou a sua própria vida.”
E continuava:
“Não encontro
palavras que possam traduzir o heroísmo de D, Sebastião!
Limitar-me-ei à frase
desse paladino da liberdade que foi José Estêvão: “…os heróis são
excepções monstruosas da natureza…”.
É curioso verificar
como o jovem palestrante afasta posições, na avaliação de D. Sebastião,
de historiadores e ensaístas como Oliveira Martins, Pinheiro Chagas,
Júlio Dantas e António Sérgio, apesar de a todos chamar de “muito
ilustres”, adoptando, em contrapartida, as posições, são suas as
palavras, de “uma plêiade ilustre de homens de incontestável valor, como
Carlos Malheiro Dias, Antero de Figueiredo, António Sardinha, Manuel
Múrias, Lúcio de Azevedo, Joaquim Bensaúde, Oliveira Lima e muitos
outros que é inútil citar.”
Colocando no espectro
político de então os primeiros e os segundos, não será difícil adivinhar
quanto terá significado e pesado na sua juvenil formação a influência
intelectual de seu pai. E como, com o devir dos tempos, a sua
personalidade política se autonomizou.
Mas que Francisco do
Vale Guimarães, aos 19 anos, já se apaixonara por José Estêvão, isso é
facto, como se deduz do que acima se refere.
Concluído o Liceu,
matricula-se na faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, mas vem
a terminar a sua licenciatura na Universidade de Lisboa, em 1938, tendo
nesta sido aluno do Professor Marcello Caetano.
Ingressa, então, nos
Correios e Telecomunicações e aí desenvolve uma carreira profissional
que começa por Director de Serviços, passa pelo cargo de Chefe da
Publicidade e Propaganda dos CTT, até chegar a Administrador-Geral.
Em 1939, casa com
Dona Branca Augusta Oliveira Gomes do Vale Guimarães. O casal vem a ter
três filhos: a Maria Manuela, o José Alberto e a Paula.
O seu desempenho como
funcionário superior dos Correios e Telecomunicações foi sempre exemplar
e cedo os seus superiores hierárquicos se aperceberam dos seus méritos
profissionais reveladores de uma sólida cultura. Assim não espanta que,
para além do normal desempenho de funções, começasse a ser solicitado
para proferir palestras abordando com profundidade temas relacionados
com Publicidade e Propaganda, áreas da sua responsabilidade.
De realçar a este
propósito uma palestra por si proferida na Sociedade de Geografia, em 14
de Fevereiro de 1946, em que ele justifica a necessidade da publicidade
e da propaganda nos serviços públicos e evidencia o papel das
comunicações como “poderoso factor de aglutinação dos impérios”,
procurando conferir aos CTT também uma função homogeneizadora do então
chamado império português, que ele entendia não ser “só o território
sobre o qual se exerce domínio político, pois que dele fazem parte
integrante, dele se não podem desligar todos esses grandes núcleos de
portugueses que vivem, que labutam para além das suas fronteiras. São
alguns milhões de irmãos nossos – dignos representantes daqueles outros
Portugueses que ao serviço de Deus, da Pátria e do Rei, da velha terra
Lusa partiram em sucessivas manhãs, a descobrir para o «Mundo novos
Mundos» – são alguns milhões os que se acolheram à protecção de outras
bandeiras e aí solidamente têm firmado o nome Português.”
A concluir a sua
dissertação, Vale Guimarães afirmava que:
“para o velho
Portugal, se tornava imperioso promover cada vez mais a frequência ou o
grau de utilização das comunicações, levando a grande massa que ainda as
olha como um luxo, ou as esquece, a servir-se delas como necessidade, a
viciar-se até no seu uso.
Para a zona mais
larga do Império, que abrange as colónias de portugueses dispersas pelo
mundo, é forçoso lembrar a utilização das comunicações, a sua comodidade
e o seu pequeno custo, trazendo, por, assim dizer, esses núcleos de
portugueses que estão longe, no Império e em Países amigos, para mais
perto de nós – para que sintam que a distância é nada quando está
presente o coração, para que sintam que o lar Lusitano é o lar de todos,
que nele todos cabem e que esta Pátria de Heróis e Santos é a única que
um Português pode amar.”
Noutra sua palestra,
desta feita proferida no Salão Nobre do Grémio do Comércio de Braga em 8
de Abril de 1953, Vale Guimarães tece, palavras suas, “modestas
considerações” “ sobre a Técnica, a Moral e o Direito, de que respigamos
algumas passagens.
“O Homem não vive
somente para alcançar o bem-estar físico e económico – o que
representaria a perfeita negação do progresso, entendido no plano sadio
de uma concepção cristã da vida.
Mas em organismo de
fortes e inevitáveis tendências técnicas como o dos CTT pode,
facilmente, embora não intencionalmente, cair-se no exagero da técnica.
E a técnica na vida
humana e social, na economia individual e do Estado, na indústria, no
comércio, na profissão, nas artes e nas letras, denuncia, na avalanche
com que ameaça submergir-nos, o esquecimento de regras morais e normas
jurídicas que têm de regular a vida de relação entre os Homens e os
Estados.
Torna-se, por isso,
fundamental lembrar, frequentemente, umas e outras, sobretudo àqueles
que maior risco correm: os que mais intensamente utilizam a técnica.
Só assim se pode
defender a civilização em que vivemos, construída há dois mil anos e que
não se acha apenas ameaçada pelo materialismo ateu mas também pela
demasiada confiança e cegueira daqueles que, defendendo embora uma
concepção espiritual da Vida, se deixam encandear pelo poder da magia da
máquina, e assim fomentam, sem o saber, o crepúsculo do espírito e o
advento do próprio paganismo que combatem.
A técnica é o cavalo
de Tróia do nosso tempo.
Temos que
precaver-nos, acautelar-nos, para que, às duas por três, o seu imenso
ventre se não abra e dele não salte, sobre a nossa imprevidente boa fé,
outra vaga de bárbaros.
Conversarei, então,
um pouco sobre o Direito. E assim sobre a Moral, que dele é um
pressuposto, embora se assinalem diferenças entre normas morais e
jurídicas, pois umas e outras têm os seus quadros próprios, apesar de
interdependentes.
À norma moral
interessa a conduta do interior do Homem, à jurídica, a exterior; a
norma moral preocupa-se com o fim com que as acções humanas são
praticadas, a jurídica com a acção considerada em si mesma; a norma
jurídica é obrigatória e importa, para o violador, sanção coactivamente
imposta pelo Estado, ao passo que a moral é facultativa e o que a
transgride sofre, apenas, sanções interiores, como o remorso; a norma
jurídica impõe simultaneamente, deveres a uns e confere poderes a outros
e a moral só impõe deveres; aquela indica o que se pode e se não pode
fazer; esta, apenas o que se deve fazer.
Sintetizando: Moral e
Direito são campos normativos distintos, mas interdependentes, melhor,
concêntricos. Aquele mais amplo; este mais restrito, porque o Direito só
declara obrigatórios alguns dos deveres morais: os que a sociedade
reputa fundamentais, aqueles cuja violação poria em perigo a sua
existência.”
E no final deste seu
discurso, Vale Guimarães afirmava:
“Nós, Ocidentais,
criados e educados na espiritualidade cristã do Evangelho, devemos ter
do Direito a concepção mais harmónica com a doutrina proclamada pelo
Redentor.
Sempre que o Direito
se conforme com essa verdade, teremos o conceito perfeito do Direito
reinando sobre a sociedade das relações humanas e nas relações com o
Estado.
Esse o Reinado do
Direito que, quaisquer que sejam as aparências, as vicissitudes, os
desfalecimentos e os obstáculos, se avizinha, segura e
irresistivelmente, de nós.”
Este seu dissertar
define bem, ajuda-nos a compreender, a estrutura mental de Vale
Guimarães.
Funcionário superior
dos CTT, Vale Guimarães morava em Lisboa e vivia o ambiente político da
capital com a naturalidade que lhe resultava do traquejo dialéctico que
a sua família e principalmente o senhor seu Pai desde sempre lhe
propiciaram. Frequentador assíduo da casa do Conde de Águeda, lá
conheceu o Almirante Américo Tomás e muitas outras personalidades de
relevo da vida política de então. A sua estada em Lisboa permitiu-lhe
aprofundar muitas dessas relações.
Já durante a
frequência do seu curso de Direito, desde 1936, que praticamente todos
os dias convivia com o Dr. Albino dos Reis, destacadíssima figura da
política nacional. Os seus encontros com Albino dos Reis, permanente
fonte de informação relevante da vida política de então, aconteciam na
Assembleia Nacional, no Supremo Tribunal de Justiça ou mesmo em sua
casa.
Albino dos Reis
iniciara o seu percurso político em 1919 como presidente da Câmara de
Oliveira de Azeméis, de onde era natural. Voltou a liderar a mesma
Câmara de 1922 a 1926. Em 1931 desempenhou as funções de Governador
Civil de Coimbra e, em 1932, foi nomeado Ministro do Interior. De 1935 a
1974 foi deputado à Assembleia Nacional, à qual presidiu de 1945 a 1961.
Até ao limite de idade e desde 1936 exerceu as funções de presidente do
Supremo Tribunal Administrativo. Em 1945 foi nomeado membro vitalício do
Conselho de Estado.
Convivendo neste
caldo de cultura política, Vale Guimarães é convidado para exercer as
funções de Governador Civil do Distrito de Aveiro pelo Ministro do
Interior de então, Dr. Trigo de Negreiros. Passa a exercer tal cargo a 7
de Abril de 1954. Aos seus amigos diria que, antes que o Regime, mais
imperioso se lhe tornava servir a sua cidade de Aveiro e o seu Distrito.
E, para tal, definira
como missão três propósitos bem claros:
“1. Envolver o
Governo o mais possível nos problemas do Distrito de Aveiro, criando
assim um equilíbrio entre a forte iniciativa privada e a estadual.
2. Ter liberdade para
manifestar os seus pensamentos e ideias sobre o Distrito de Aveiro aos
vários Ministros, de acordo com os assuntos a tratar, uma vez que o
Governo Civil, no seu entender, tinha vindo a perder poder face a esses
Ministros.
3. Conduzir os
destinos do Distrito de acordo com os ideais dominantes da região e com
a maneira de ser do seu povo.”
Vale Guimarães,
apesar da sua ida para Lisboa, nunca abandonou a sua cidade e a sua
região; nunca se afastou das suas gentes. Trigo de Negreiros estava bem
informado e conhecia bem quem convidara para chefiar o Distrito.
O Chico, o menino
Chico como muitos aveirenses e principalmente os da Beira-Mar lhe
chamavam, desfrutava de um sólido prestígio na nossa terra. Nunca
soubera dizer não a qualquer solicitação que pudesse atender, e
mostrara-se sempre disponível para com todos, acima de tudo para com os
mais carenciados.
O seu porte distinto,
a sua voz pausada, o seu andar tranquilo, saudando todos, e muitos pelo
seu próprio nome, foram-lhe garantindo um crescente cabedal político.
Em Agosto de 1956, na
sua qualidade de Governador Civil, apresentou ao Ministro das Obras
Públicas de então, Dr. Arantes de Oliveira, um extenso relatório-pedido
em que arrolava as obras que careciam de urgente realização em toda a
área da sua jurisdição, resultado do seu auscultar das populações e da
sua judiciosa hierarquização de necessidades.
Muitas dessas obras
vieram a realizar-se sem delongas de maior, principalmente aquelas que
mais prioritárias e urgentes se mostravam.
Esta sua capacidade
de intervenção junto do poder central permitiu-lhe, com alguma
facilidade, ir cumprindo com os seus dois primeiros objectivos.
Quanto ao terceiro
desses objectivos, “conduzir os destinos do Distrito de Aveiro de acordo
com as ideias dominantes da região e com a maneira de ser do seu povo”,
Vale Guimarães teve que recorrer a uma enorme força interior, resultado
da sua formação, para assumir, corajosamente, os riscos políticos que
inevitavelmente quis correr, uma vez que claramente se afastava da
reverente e monolítica subserviência que predominava no Regime.
Dois factos ocorridos
no seu mandato são disso belíssimos exemplos: o I Congresso Republicano
de Outubro de 1957 e a campanha presidencial de Humberto Delgado de
1958.
Quanto ao I Congresso
Republicano, sem mais comentários, limitar-me-ei a transcrever texto de
memórias, datado de 1984, da lavra do conhecido opositor ao Regime, Dr.
Manuel da Costa e Melo:
/.../ " O Dr.
Francisco José Rodrigues do Vale Guimarães, o “Chico Guimarães” como era
vulgarmente conhecido, estava desde 7 de Abril de 1954 a exercer as
funções de Governador Civil de Aveiro e merecia, da parte da oposição
democrática, aquele mínimo de simpatia devido à sua formação liberal. E
sempre ou quase sempre a mereceu pelo seu aberto espírito inerente,
dizia, ao aveirismo e à admiração dedicada à figura tutelar de José
Estêvão, embora um pouco, ou mesmo muito, debilitada pela obediência ao
Sumo Sacerdote de São Bento, de quem dependia.
Fosse pela sua
natural tendência liberalizante, fosse por jogo de oportunismos de que
Salazar pretendesse fazer uso, fosse mesmo pela milagrosa feitiçaria da
varinha de Mário Sacramento, o que se verificou foi a grande “bomba” da
autorização do Governador Civil para a realização, em Aveiro, do I
Congresso Republicano, em 6 de Outubro de 1957.
Para além de
radiantes que ficámos – eu e os outros – é evidente não termos tido
ilusões acerca da espécie de dividendos de natureza política que o
próprio Governo de Salazar iria receber com origem no investimento
“simpático e tolerante” do seu representante no Distrito de Aveiro.
De qualquer modo
havia que olhar como Sol qualquer pirilampo a brilhar no túnel do nosso
negrume oprimido. E foi à luz desse pirilampo de condescendência e sob a
batuta inteligente e até algo manhosa de Mário Sacramento, que nos
lançámos na tarefa cívica de dar um pouco de ar fresco a muitos
portugueses quase resignados a suportar o coro asfixiante e interminável
de gentalha de Salazar...
De todos os lados
vieram, senão adesões – o medo ainda campeava – pelo menos palavras de
ânimo e solidariedade. E, não raro, de espanto e interrogação. De
espanto, porque poucos se atreviam a pensar como possível a abertura
conseguida em Aveiro; e de interrogação, porque todos queriam saber
como, certamente para tentar, também, nas suas terras onde
necessariamente haveria povo ansioso por Liberdade.
O programa foi
elaborado, ainda em Setembro, e uma circular, mais detalhada, foi
enviada por esse País fora.
Haveria a tradicional
romagem ao Cemitério Central, deposição de flores na estátua de José
Estêvão, saudação à bandeira nacional e um almoço de confraternização
republicana no salão de festas do Cine-Teatro Avenida, presidido pelo
general Ferreira Martins e ainda um concerto no Jardim Público. Estas
seriam as cerimónias e festas consagradas à data de 5 de Outubro, tão
querida de todos.
No dia 6 de Outubro,
a realização do Congresso Republicano que teria a presidir à sua sessão
inaugural, no Teatro Aveirense, a veneranda figura de António Luís
Gomes, membro sobrevivente do Governo Provisório da República.
A circular era
assinada por: Manuel das Neves, Júlio Calisto, Armando Seabra, Manuel da
Costa e Melo, Joaquim José de Santana, Mário Sacramento, Alfredo Coelho
de Magalhães, Horácio Briosa e Gala, Álvaro Seiça Neves, João Sarabando
e João Seiça Neves e pretendia, para além das comemorações e do
congresso, lançar a semente das desejadas Comissões Eleitorais da
freguesia e concelhos. Aproveitava-se, um pouco sub-repticiamente, o
fluxo da maré obtida pela varinha milagreira do Mário e espírito
aveirense do Chico Guimarães /.../ "
Ainda hoje se deve
colocar a questão: como terá o Dr. Vale Guimarães convencido os
Ministros e o próprio Salazar para conseguir a realização de um
Congresso Republicano organizado pelas forças da oposição democrática…
Em 1996, Manuel José
Homem de Melo escrevia:
"/.../ A região de
Aveiro que, já em pleno consulado salazarista, se salientara por algumas
tentativas de evolução política protagonizadas por Francisco José do
Vale Guimarães e apoiadas – na medida do possível – pelo Conselheiro
Albino dos Reis, Presidente da Assembleia Nacional /.../ ".
E o mesmo, em 1997,
acrescentava:
"/.../ Foi a visão
clara de Mário Sacramento que se apercebeu da personalidade aberta de
Vale Guimarães e nela, daquele pequeno mas valioso estigma da vaidade
pessoal e do amor da sua terra, que nele era uma constante /…/".
O que parece ser mais
verosímil é que Vale Guimarães terá conseguido abrir portas junto do
Ministro do Interior, Trigo de Negreiros, e outros responsáveis do
Regime, muito provavelmente com o apoio do Conselheiro Albino dos Reis.
Mas Salazar não terá
gostado deste gesto de abertura política que Vale Guimarães assumiu,
arriscando muito da sua carreira política em clara manifestação do seu
arreigado espírito de tolerância decorrente da sua assumpção dos
princípios da Liberdade.
Com efeito, o Conde
Águeda chega, em escrito seu, à seguinte conclusão:
“/.../ O I Congresso
– em Outubro de 1957 – já dera causa ao afastamento de Vale Guimarães da
primeira vez que exerceu o cargo de Governador Civil /.../ ".
Mas falemos agora das
eleições presidenciais de 1958.
O Dr. Arlindo
Vicente, prestigiado causídico e emérito artista plástico, natural do
concelho de Oliveira do Bairro e antigo estudante do Liceu de Aveiro,
inicialmente apresentara a sua candidatura com o apoio do Partido
Comunista. Mas, a certo trecho, desiste dessa candidatura a favor do
General Humberto Delgado que, assim, viu alargados os apoios nos
quadrantes políticos da Oposição Democrática.
Humberto Delgado
surge junto do povo português com uma campanha “à americana”,
concitando inusitado interesse junto do povo português e empolgando
multidões.
Era o opositor, por
excelência do candidato do Regime, Almirante Américo Tomás.
Vejamos como actuou
Vale Guimarães também nesta conjuntura nada fácil. Sem comentários,
transcreve-se mais um relato do insuspeito Dr. Costa e Melo, datado de
1997:
"/.../ Formadas as
comissões, organizado o programa, tudo se apresentava para que o General
Humberto Delgado fosse recebido em Aveiro a 24 de Maio, ao fim da tarde,
e presidisse a uma sessão de propaganda eleitoral da sua candidatura à
Presidência da República.
Entre as diligências
prévias necessárias e para além das organizativas, era preciso ir ao
Governo Civil pedir licença e dar conta do programa projectado.
Assim foi e guardo os
dois momentos preliminares da visita. Uma curiosa e até agradável
recordação.
Tentemos contar,
confiados na perfeita memória que, em verdades, não falha nunca.
Era então Governador
Civil de Aveiro o Dr. Vale Guimarães. Já o era desde Abril de 1954 e
sê-lo-ia, em primeira delegação, até Janeiro de 1959. As nossas relações
eram cordiais e a Oposição Democrática sempre contou com a sua possível
compreensão “tanto quanto permitia a força” do controlo.
O Dr. Vale Guimarães
lá estava, à minha espera. Sempre amável, fomos direitos ao assunto:
– Sabe, Costa e Melo,
eu não tenho medo de distúrbios por parte da gente de Aveiro. Mas esses
“comunistas” de São João da Madeira são capazes de vir por aí abaixo e
fazer das deles.
Ao que respondi de
imediato:
– Que interesse
teriam eles em o fazer quando o candidato que oficialmente apoiam é o
nosso, e eles também desejam que as eleições exprimam a vontade livre do
povo Português?
E ele...
– Eu confio no vosso
civismo, mas é preciso tomar todas as precauções.
Ainda retorqui:
– Nada receie, Senhor
Governador. Tanto quanto isso é possível, eu tomo a responsabilidade
pessoal pelo que possa acontecer de desacatos. O que é preciso é que não
sejam as polícias a provocar qualquer atrito.
Houve um sorriso que
eu interpretei como compreensivo e, logo a seguir, a frase final da
entrevista:
– Olhe, Costa e Melo,
confio em vós. Vá falar com o Comandante da P.S.P. e assente com ele os
pormenores do necessário serviço de ordem para a chegada do General
Delgado e para a sessão no Teatro. Eu vou telefonar-lhe para que o
receba já.
Assim fiz e tranquilo
– não julgava o Vale Guimarães capaz de vilania de, pelo telefone, dizer
ao Comandante da P.S.P. coisa diferente do que me dissera – lá fui à
esquadra, ali perto, embora não excluísse a hipótese do Governador
solicitar, entretanto, quaisquer instruções do Trigo de Negreiros
(conhecido pelo “pão de segunda”) e titular da pasta do Interior, de
quem directamente dependia o Governador.
O pouquíssimo tempo
que demorei, a rapidez com que fui recebido na esquadra e o que com o
respectivo Comandante se passou, sem dúvida excluem a hipótese posta,
aliás normal no regime em que vivíamos...
Já junto da porta, o
Comandante ainda me disse em tom de quase confidência:
– A Polícia de Aveiro
não disparará um tiro que seja. Se for absolutamente necessário, lançará
gases lacrimogéneos que não fazem mal a ninguém...
Delgado chegou à hora
prevista. Era pontual, o General. Também o fora a multidão que o
aguardava.
O Álvaro Neves e eu
próprio, contando com a colaboração de muitos a quem já havíamos
transmitido os termos do pacto cívico de “não agressão”, ordenámos o
cortejo ante os olhos admirados do General e os complacentes do Chefe
Robalo. Nem uma só ordem este teve necessidade de transmitir.
Os vivas ao “General
Sem Medo”, misturados com os vivas à Democracia e à Liberdade, ecoavam
Avenida abaixo, enquanto às janelas afluía gente, cada vez mais gente,
receosa a princípio, afoita depois, todos sentindo o virar da folha que
há tanto era desejado...
Estávamos, quase, no
final do cortejo e tanto o Álvaro como eu já não tínhamos dúvidas –
creio que nunca as tivemos, antes – de que seria cumprida a promessa da
lição de civismo e ordem que queríamos dar à cidade duvidosa, ao
Governador Civil e ao Comandante da Polícia, duvidosos também, da força
enorme dos democratas que o sabem ser...
Tudo ou quase tudo
fora previsto em respeito quase fanático pela democracia pluralista. Nem
esqueceu um convite, aberto e franco, ao Senhor Governador Civil, para
assistir ao Comício no Teatro Aveirense e a que sua Excelência
respondeu, no próprio dia da recepção e nos termos seguintes:
“Agradeça-se a
atenção do convite e os seus termos e comunique-se ao Exmo. Membro da
Comissão Distrital da Candidatura do Exmo. General Humberto Delgado, Sr.
Dr. Manuel da Costa e Melo, que não me é possível comparecer.”
Até era natural a não
presença, tão normal quanto anormal fora a atenção da resposta. Aveiro
tinha destas coisas, destas excepções democráticas a confirmar a regra
do fascismo envolvente."
Henrique Moutela,
pessoa das relações de amizade de Dr. Vales Guimarães, que eu muito bem
conheci, e que viria a ser administrador dos Estaleiros de São Jacinto
diz, em 1990, o seguinte, a propósito das eleições presidenciais:
"/.../ Vale Guimarães
recebeu Humberto Delgado com honras de Presidente da República e com a
dignidade que lhe merecia qualquer candidato ao cargo. Impediu, nessa
altura, nas fronteiras do Distrito, que a polícia de Coimbra viesse
controlar a situação. Esta atitude valeu-lhe de imediato, a demissão
decretada por Salazar /.../"
De apontamentos que
Vale Guimarães estava a organizar para futuro livro a publicar,
transcrevem-se alguns passos muito elucidativos da maneira como o
próprio Vale Guimarães viveu os momentos da campanha de Humberto Delgado
em terras de Aveiro
"/.../ Aqui, e foi
caso único a nível nacional, durante a estadia do General Delgado no
Distrito, os modestos efectivos da P.S.P. não só não foram reforçados
como nem armados saíram para as ruas, além de não se ter aceite a oferta
do Comandante da Região Militar Centro (salvo erro o falecido General
Sousa Gomes) de, para efeitos de manutenção da ordem publica, colocar à
disposição do Governador forças militares. (Recordo a figura distinta do
General e a perturbação com que ouviu a minha recusa, aliás
compreensível, porque tais reacções foram tomadas em todo o País
visitado e percorrido por Delgado. Só ficou mais tranquilo quando lhe
lembrei que o Governador era a única autoridade a responder pela ordem
pública e que assumia inteira responsabilidade por esta atitude.
Determinei ainda que,
ao General Delgado, fossem asseguradas pela P.S.P. as atenções e
prerrogativas devidas a um candidato a Presidência da Republica, devendo
para o efeito, ser colocado as suas ordens um Comissário da Policia, o
que se fez. O General emocionado com tudo isto agradeceu publicamente e
ainda não satisfeito dirigiu um telegrama de congratulação ao Governo
por tudo o que tinha assistido em Aveiro.
Ainda se foi mais
longe. Antecipadamente tornei público que a recepção ao candidato se
processaria em inteira liberdade e que nela todos podiam tomar parte sem
receios, acrescentando que a confiança do Governador no civismo dos
Aveirenses era tanta que não sentia necessidade de recorrer a outros
meios para ficar assegurado que a estadia em Aveiro do General
decorreria dentro da maior disciplina e respeito, tal como aconteceu.
E procedeu-se assim,
apesar de a Campanha de Delgado ter estado para ser suspensa e de, meses
antes, ter tido lugar em Aveiro um almoço com a presença de dezenas de
Oficiais vindos de Lisboa, entre eles altas patentes, almoço que visava
a minha demissão de Governador.
Tudo isto foi causa
de dissabores que chegaram ao corte de relações com alguns Marechais do
Regime./…/”
“/…/ Também para mais
se vincar quanto a democratização era desejada, se fez o máximo para
aumentar as inscrições nos cadernos eleitorais. Bastante se conseguiu
dentro dos limites da capacidade eleitoral então vigentes (21 anos e
saber ler): ultrapassaram-se 160.000 eleitores, o que, com as regras
implantadas depois do 25 de Abril (18 anos, analfabetos, etc.) seria
muito próximo do equivalente ao volume de recenseamento actual, deduzido
este dos 20 ou 30 mil retornados que então não existiam./…/”
E continuava:
“/…/ Podia documentar
o que fica relatado com testemunhos insuspeitos como, entre dezenas, os
de Mário Sacramento (em seu diário), A. Luís Gomes, Rodrigues Lapa,
Sottomayor Cardia, etc./…/”
Como exemplo disso,
o. Dr. Mário Sacramento, regista, assim, em posterior escrito de 1975, a
sua leitura dos factos:
"/.../ A nossa
experiência anterior da sua passagem pelo mesmo cargo (Governador Civil
de Aveiro) tem saldo positivo: Deferiu todos os requerimentos que lhe
apresentámos, inclusive o do Congresso Republicano de Aveiro em que
ninguém acreditava, nem eu próprio, seu “quixotesco” promotor; obrigou
algumas secções de voto a retirarem os resultados falseados que já
tinham afixado e a substituírem-nos pelos verdadeiros; e impediu, num
rasgo de personalidade de que ninguém o suporia capaz, a minha prisão e
a de Costa e Melo pela Pide, devolvendo à procedência a brigada que
viera cá para o efeito/.../ "
Recorde-se que
Delgado foi derrotado, a nível do Distrito de Aveiro, na proporção de 1
voto a seu favor contra 2,5 a favor de Américo Tomás. E que também foi
derrotado na própria Cidade e Concelho de Aveiro.
Decorridos quase
cinco anos no exercício de Governador Civil do Distrito de Aveiro,
Salazar demite Vale Guimarães, em Janeiro de 1959. Foi a paga da sua
coragem política bem evidenciada na sua autorização para a realização do
I Congresso Republicano e na forma como se comportou na campanha
aveirense do General Humberto Delgado e na organização das eleições
presidenciais na área da sua competência.
Sem ressentimentos,
numa manifestação de elevada educação democrática, reagiu à sua demissão
enviando uma carta de despedida a Oliveira Salazar, de que há rascunho.
Nessa carta, afirmava
a certo passo que tinha procurado durante o seu mandato “respeitar sem
transigências, no essencial, as tradições de tolerância e liberdade
dominantes na região”.
E acrescentava:
/…/ “Seja como for, a
verdade é que o Distrito, no período difícil da Eleição Presidencial,
não deu preocupações algumas ao Governo. Teve comportamento cívico
verdadeiramente excepcional, sem ambiente, ao menos, para um dito menos
respeitoso e concedeu ao Estado Novo uma maioria de 22.500 votos em
57.800 votantes (40.130 a favor e 17.643 contra); maioria essa alcançada
com tal correcção – sempre entendi que uma eleição deve rodear-se de
certo grau de seriedade e de decência – que os Nacionalistas criaram a
consciência da vitória e os Oposicionistas da derrota. E só assim se
permitiu a realização de um grande almoço comemorativo da vitória...
Permita ainda Vossa
Excelência que assinale a circunstância que me parece merecer alguma
atenção: A de não se ter perdido em uma só das 11 freguesias da capital
do Distrito, apesar de profundamente republicana e liberal, vencendo-se
por 3.450 votos contra 1.950. E assim, não obstante a amplitude do
caderno eleitoral, a elevada industrialização da cidade, o aparecimento
de votos contra vindos de sectores por sua natureza vedados à
intervenção da politica e à livre fiscalização exercida pelos delegados
da oposição, foram os primeiros a reconhecer a verdade do resultado...
Finalmente, desejo
levar ao conhecimento de Vossa Excelência que, com o propósito de não
criar qualquer dificuldade no Distrito ao Governo e ao meu sucessor não
aceitei a manifestação popular que a cidade de Aveiro me queria prestar
e deixei de fazer visita de despedida aos diversos concelhos do
Distrito.
Afirmando a Vossa
Excelência o meu reconhecimento pela honra de servir o Estado Novo no
meu Distrito e renovando a afirmação de que, como até aqui, continuarei
ao serviço do regime de Vossa Excelência, subscrevo com a mais
respeitosa consideração,
(Segue-se a
assinatura de) Francisco José Rodrigues do Vale Guimarães ".
O povo de Aveiro e
seu Distrito não reagiu bem à destituição de Vale Guimarães. E por mais
que este procurasse evitar movimentos populares que pudessem ser mal
interpretados pelas estruturas do Regime, tais como abaixo-assinados a
pedir a sua recondução, a verdade é que, na antevéspera da posse do novo
Governador, Dr. Jaime Ferreira da Silva, no dia 27 de Janeiro de 1959,
compareceram no Governo Civil cerca de quatrocentas pessoas a manifestar
a sua mágoa pelo seu afastamento, tendo em nome dos presentes usado da
palavra de forma vibrante o Dr. Luís Regala.
|