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Quase nascemos, porta com porta, ali na travessa de S. Sebastião, na
freguesia da Glória. Ambos somos "ceboleiros". Brincámos no mesmo
beco, jogámos à malha, ao careto, à bilharda, ao pataco, ao
berlinde, jogos tradicionais, hoje esquecidos. Na escola primária
somos do tempo do professor Caleiro, do professor Remígio, da D.
Virgínia, do professor Simão. Tomámos banho nos mesmos canais da
Ria, esboçámos os primeiros desenhos, borráramos as primeiras telas,
fizemos as nossas próprias tintas. Somos do tempo em que ficávamos
pasmados, junto ao cais, a ver pintar um Lauro Corado, um Manuel
Tavares, um Fausto Sampaio, um Heitor Cramez, um Magalhães.
Depois, andámos juntos no Curso Geral do Comércio e tivemos o
privilégio de termos como professores o Dr. Rocha e Cunha, a Dra.
Cecília Sacramento, o Professor Porfírio de Abreu, o Dr. David
Cristo, o Dr. Cachim, o Dr. Damas. Mestres
que nos despertaram para o mundo da escrita e das artes plásticas, a
quem
muito devemos. Foi nesse tempo que comecei a admirar as faculdades
artísticas de Gaspar Albino, não só nos trabalhos de turma,
obrigatórios, como também nas muitas ilustrações que fazia para os
diversos jornais de parede. Com apenas 18 anos ganha o 1 () prémio
de desenho num concurso mundial promovido pela ART INSTRUCTION, de
Minneapolis, Estados Unidos da América. Foi um pasmo naquele tempo e
motivo de admiração. Veio então a SALA DO ARTISTA, ideia genial do
saudoso Hernâni Silva e orientada pelo meu irmão Manuel Bandarra,
que o influenciou sobremaneira, naquele tempo e a quem Gaspar Albino
sempre considerou como seu mestre. Tivemos também a graça de
conhecer o padre
António de Oliveira, nosso professor de moral. Pioneiro do cinema
amador em
Portugal e realizador de inúmeros filmes documentais e de ficção,
onde os alunos eram os próprios artistas. Participámos em muitas
exposições escolares e depois veio o final do curso. Cada um foi
para seu lado. Sempre que possível visitava-o na sua casa, junto à
capela de S. Gonçalinho, onde ele vivia e passava o tempo a vê-lo
pintar e a falar de arte. Nessa altura ele trabalhava na base dos
azuis,
vermelhos e ocres e as suas composições aproximam-se do
construtivismo de Paul Klee.
Os desenhos que se espalhavam em profusão, na sua mesa de trabalho,
tinham um grafismo muito solto e muito pouco académico. Com Albino
Durães, Amílcar Bagão e Saul expõe na Escola Comercial e Industrial
de Aveiro. Corria o
ano de 1955. Cinco anos mais tarde é convidado a orientar
graficamente o semanário CORREIO DO VOUGA, tornando-se seu
ilustrador principal. Aparecem os seus primeiros escritos. Faz
crónicas e críticas de arte. Colabora no LITORAL.
Em 1962 faz a sua primeira exposição de aguarelas óleos e desenhos,
no Teatro Aveirense, com um êxito notável. Começa a apresentar os
seus desenhos /
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e pinturas numa imagética neo-realista que o vai acompanhar durante
muitos anos. Influência nítida dos mestres Júlio Resende e Pomar.
Grandes manchas de
cor fundem-se entre si, com grande mestria e o seu desenho ondulante
dá-nos a sensação de movimento. Tanto no LITORAL como no CORREIO DO
VOUGA aparecem os seus linóleos gravados com muita segurança. Surge
o suplemento
literário COMPANHA, do semanário LITORAL, que congregou escritores
de nomeada, como David Cristo, Mário Sacramento, Pedro largo, Costa
e Meio, Vasco Branco, Joaquim Namorado e outros. Foi pena ter uma
vida tão efémera. Gaspar Albino foi o seu designer e ilustrador
principal.
Em 1970 assume a direcção do Pelouro Cultural do Clube dos Galitos e
funda o NÚCLEO DE ARTES PLÁSTICAS DO CLUBE DOS GALlTOS, organizando
a 1ª
Exposição de Artistas de Aveiro. Um ano mais tarde é convidado a ser
membro fundador do AVEIRO-ARTE, movimento vanguardista de artes
plásticas, encabeçado pelo Dr. Vasco Branco e o saudoso David
Cristo. A maturidade plástica de Gaspar Albino, neste tempo, é
manifesta, deixando para trás as influências que o haviam marcado. A
sua pintura é mais diáfana, os tons mais suaves, a construção menos
elaborada. Em 1985 expõe com êxito, na Galeria Municipal de Aveiro,
uma série de retratos a crayon de amigos íntimos e figuras da nossa
terra.
Gaspar Albino foi e é um lutador; a atestá-lo aí está o "curriculum"
invejável que apresenta. Uma personalidade dedicada à sua terra e às
suas gentes.
Nesta homenagem singela ao pescador Manuel, há como que um
retrocesso à sua infância, às suas memórias ancestrais. Quando a
vida dos bacalhoeiros era difícil e o espectro da fome ensombrava a
Europa, saída duma guerra mundial.
Ao realizar esta mostra, com sabor amargo a sal e a maresia, o
Gaspar Albino também pretende homenagear não só o seu pai, como
também todos aqueles pescadores da Faina Maior que nos longínquos
mares da Terra Nova foram fustigados pelos ventos glaciares,
causticados pelo frio, desaparecidos nos mares gelados do "fim do
mundo".
Jeremias Bandarra
(Artista Plástico)
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