Num dia do ano lectivo de 1952-1953, primeiro no Liceu Nacional de
Aveiro, actualmente denominado Escola Secundária José Estêvão, uma turma
da alínea F do 6º Ano, durante uma aula de Trabalhos Práticos de
Química, teve de efectuar a verificação da Lei de Lavoisier que,
na época, se enunciava da seguinte maneira: o peso dos
compostos é igual ao peso dos componentes.
Como as balanças de ourives, à época consideradas de alta precisão,
necessárias para efectuar as pesagens, se encontravam no Laboratório de
Física, os alunos tiveram de se deslocar para essa sala, dividindo-se em
grupos, porquanto os referidos aparelhos não chegavam para todos.
A mim, coube-me como parceiro um condiscípulo, já falecido, que viria a
ser médico com consultório nesta cidade. Na primeira experiência,
utilizámos mármore e ácido sulfúrico. Usámos um frasco com rolha de
cortiça, dentro do qual colocámos um pequeno pedaço de mármore, tendo-se
pesado este conjunto; seguidamente, com auxílio de uma proveta, vertemos
um determinado volume de ácido sulfúrico, diluído em água, sobre o
mineral; demos tempo a que se produzisse a inevitável reacção química,
da qual resultaram sulfato de cálcio e dióxido de carbono, tomámos as
devidas notas e fomos, ao Laboratório de Química, pedir ao professor o
material necessário para um novo ensaio.
O colega ficou na sala, mobilada com grandes bancadas de tampo de
ardósia e equipadas com tomadas eléctricas, bicos de Bunsen, torneiras
de água, etc., e eu dirigi-me ao compartimento situado por detrás do
quadro negro, onde estava o professor, o saudoso doutor Euclides,
acompanhado do contínuo, senhor Domingos, e disse-lhe:
– Senhor doutor, já acabámos a experiência com o mármore e o ácido
sulfúrico. Agora precisamos de um balão com rolha de borracha, de
fósforo e ácido clorídrico para fazer o próximo ensaio.
– A experiência correu bem?
– Correu sim, senhor doutor.
– Fizeram as devidas anotações?
– Fizemos sim, senhor doutor.
– Está bem. Domingos, dê aí o material que este aluno está a pedir.
O contínuo dirigiu-se ao armário, pegou num balão de vidro e, no preciso
momento em que mo estava a dar, ouviu-se uma explosão no Laboratório e o
balão estilhaçou-se, no pavimento cerâmico, com grande aflição minha,
pois a primeira coisa em que pensei foi que teria de o pagar.
Corremos para o Laboratório e deparámos com o meu colega, branco como um
círio, com os olhos fixos e esbugalhados, sentado no chão, encostado a
uma das bancadas. O doutor Euclides começou a rir às gargalhadas e eu
fiquei aparvalhado, sem compreender, nem a causa da explosão, nem o
estado em que se encontrava o meu condiscípulo, nem porque razão o
professor se ria tão esfuziantemente.
Entretanto, começaram a surgir, à porta da sala, professores, contínuos e
os nossos colegas de turma que se encontravam no contíguo Laboratório de
Física, e o doutor Euclides, em primeiro lugar, e o meu companheiro, a
seguir, explicaram o que se tinha passado.
Versão do professor. Estava a verificar as quantidades dos componentes
necessários para produzir uma reacção química que, mais tarde, nos
apresentaria, durante uma aula, experiência essa de que já não me lembro
do nome, só me recordo de que se tratava de uma miscelânea embebida em
ácido clorídrico e que, quando este secava, se produzia uma explosão.
Esta mistelga tinha sido preparada e posta por ele, dentro de uma tina
pneumática, à janela, para que o calor do sol fizesse secar o ácido mais
celeremente – a rapidez era seu lema, pois, quando fazia uma pergunta e
o aluno demorava um pouco, logo ele dizia “Fogo! Fogo!”, para acelerar o
tempo de resposta –, sem se lembrar de avisar ninguém, nem do alarme que
o estouro iria inevitavelmente provocar. O motivo do riso era por pensar
que o aluno tinha apanhado um enorme susto e, no seu entender, porque
sabia do que se tratava, sem grande justificação, dado que o
rebentamento não tinha sido assim tão violento.
Versão do aluno, na variante contada aos colegas, mas traduzida do
vernáculo da parte final, para um registo linguístico mais compatível
com o do presente texto:
– Eh pá, veio-me à tola topar se havia CO2. Tirei uma caixa de fósforos
da gaveta da bancada, acendi um palito, desarrolhei o frasco, meti o
fósforo lá dentro, ele apagou-se e, ao mesmo tempo, ouvi uma explosão.
Não me lembrei que o dióxido de carbono não é explosivo e só pensei:
estou quilhado, lixei esta gaita toda!
15.05.15 |